Acórdão nº 17/15.0YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – “AA GMBH & CO.KG”, “BB GMBH” e “CC, LDA.” intentaram contra “DD FARMACÊUTICA, S.A..
a presente acção, no Tribunal Arbitral competente, pedindo que a mesma seja julgada procedente e, consequentemente, a ré condenada no seguinte: a) a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Telmisartan e Hidroclorotiazida em associação fixa, enquanto a EP 502314 e o CCP 41, e as EP 1467712, EP 1545467, EP 2120884 e EP 2260833 se encontrarem em vigor; b) a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no artigo 88º da petição incial, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos; c) a pagar a totalidade dos encargos da acção arbitral; d) a pagar uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil, de valor não inferior a € 50 000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida.
A ré contestou, por excepção e por impugnação, tendo a final pugnado pela total improcedência da acção.
As autoras responderam às excepções invocadas, pugnando pela sua inverificação.
Percorrida a subsequente tramitação, foi proferido acórdão arbitral que, na total improcedência da acção, absolveu a ré dos pedidos.
Apelaram as autoras, tendo a Relação de Lisboa, na parcial procedência do recurso, ordenado o desentranhamento do documento n.º 3, alterado alguns pontos da matéria de facto e revogado o recorrido acórdão arbitral, condenando a ré no seguinte: a) “a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Telmisartan e Hidroclorotiazida em associação fixa, enquanto as EP 1467712, EP 1545467, EP 2120884 e EP 2260833 se encontrarem em vigor; b) a não transmitir a terceiros, até à data de caducidade dos direitos respeitantes às EP indicadas em a), as três AIM publicadas, todas elas, no dia 19/12/2012 e cujas cópias constituem os documentos nºs 9 a 11 juntos com a petição inicial e que foram requeridas, também todas elas, no dia 07 /12/2012, que contêm as seguintes referências comuns, diferenciando-se apenas nas dosagens quer dos medicamentos quer dos medicamentos de referência a que correspondem e visam substituir (umas 40mg+12,5mg, outras 80mg+12,5mg e as terceiras 80mg+25mg): Nome do requerente da Autorização de Introdução no Mercado: DD FARMACÊUTICA, SA, Morada do requerente da Autorização de Introdução no Mercado: Rua …, 19 27…- …, Portugal, Substância(s) do medicamento: Hidroclorotiazida; Telmisartan, DCI do medicamento: Telmisartan + Hidroclorotiazida, Forma farmacêutica do medicamento: comprimido, Medicamento de referência: MicardisPlus, Forma farmacêutica do medicamento de referência: comprimido”.
Agora inconformada, interpôs a ré recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem: 1) O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu parcialmente procedente a apelação interposta pelas ora Recorridas, da decisão proferida, por unanimidade, pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito da arbitragem necessária iniciada pelas Recorridas, nos termos da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, e que, consequentemente, decidiu: • Altera[r] a parte da deliberação arbitral através da qual foram enunciados os factos provados na ação nos termos indicados nos pontos 6.2.7 e 6.3.3 do presente acórdão; • Revoga[r] o decreto absolutório do acórdão arbitral recorrido, decretando em sua substituição que: i. Vai a Demandada condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Telmisartan, Hidroclorotiazida em associação fixa identificada na petição inicial enquanto as EP 1467712, EP 1545467, EP 2120884 e EP 2260833 se encontrarem em vigor; ii. Vai a Demandada condenada a não transmitir a terceiros, até à data de caducidade dos direitos respeitantes às EP indicadas em i), as três AIMs publicadas, todas elas, no dia 19/12/2012 e cujas cópias constituem os documentos n.ºs 9 a 11 juntos com a petição inicial (…); iii. Vai a Demandada absolvida do pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das condenações decretadas em i) e ii).
2) O presente recurso é fundamentado no erro de interpretação e de aplicação da lei substantiva e na violação da lei de processo, nos termos previstos no artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC.
3) O recurso de Revista, ordinário, que tem por objeto sentenças da Relação em sede de recurso de decisões no âmbito da arbitragem necessária realizada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, é admissível, como já consignou esse Venerando Supremo Tribunal, em douto acórdão de 23/06/2016, processo 1248/14.6YRLSB.S1.
4) A admissibilidade do presente recurso funda-se na interpretação, sufragada nesse aresto, do artigo 3.º, n.º 7 da Lei n.º 62/2011, quando conjugado com o artigo 59.º, n.º 8 da Lei n.º 63/2011 (Lei da Arbitragem Voluntária).
5) A interposição do presente recurso de revista ordinária é ainda admissível nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), por a decisão do Tribunal a quo estar em frontal oposição ao acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, 6.ª Secção, proferido no âmbito do processo 850/15.3YRLSB em 18 de fevereiro de 2016, cf. doc. n.º 1 (acórdão fundamento).
6) Nessa sede, haverá sempre recurso desde que não esteja esse recurso vedado por insuficiência do valor da causa e da sucumbência, conquanto existam duas ou mais decisões das Relações em oposição com aquela emanada do Tribunal a quo, tiradas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o que se verifica quando confrontados o acórdão fundamento e a douta decisão do Tribunal a quo.
7) No acórdão fundamento discutiu-se se um medicamento genérico composto, entre outras, pelas substâncias ativas Telmisartan e Hidroclorotiazida violava as patentes sob discussão nestes autos, apresentando as mesmas substâncias ativas e um processo de produção tecnologicamente igual ao do medicamento genérico sob apreciação in casu.
8) Ademais, estava em causa a suposta infração dos direitos de propriedade industrial das aqui Recorridas, ali Recorrentes, por esse medicamento, o que configura uma mesma questão fundamental de direito. Em concreto, no acórdão fundamento foram invocadas a EP 502314 e respetivo Certificado Complementar de Proteção n.º 41 (CCP 41), a EP 1467712, a EP 1545467 e a EP 2120884, que estão também sob discussão nos presentes autos.
9) A questão foi discutida ao abrigo do artigo 101.º do Código da Propriedade Industrial (Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março), norma também ela determinante na decisão do Tribunal a quo, pelo que nos movemos, em ambas as situações, no domínio da mesma legislação.
10) Apesar da perfeita analogia das situações, no âmbito do processo n.º 850/15.3YRLSB tanto o Tribunal Arbitral como o Tribunal da Relação de Lisboa, no referido acórdão fundamento, entenderam que aquelas soluções técnicas não infringem as patentes das Recorridas ali invocadas, nem em sentido literal, nem por equivalência, ao passo que no presente caso, com exceção da EP 502314 e respetivo CCP 41, cuja vigência caducou no dia 12 de dezembro de 2013, o acórdão recorrido entendeu que os medicamentos genéricos da Recorrente infringem a EP’712, a EP’467 e a EP’884.
11) O Tribunal a quo veio, em conformidade com o peticionado pelas Apelantes, aqui recorridas, alterar os factos provados n.ºs 91), 92), 93), 110) e 113), bem como aditar ao acervo de factos dados como provados, o facto n.º 114).
12) Na alteração ao facto provado n.º 91), o Tribunal a quo eliminou as referências “o comprimido produzido pela Demandada não é em duas camadas ao contrário do que está definido nas patentes em vigor da titularidade das Demandantes”, por haver considerado que tais informações constituem “declarações conclusivas e não factos concretos”.
13) Tal entendimento é porém errado, em virtude de o facto provado n.º 91) constituir efetivamente um facto concreto que transpõe as circunstâncias de que, (i) o comprimido genérico sub judice não assume uma composição em bicamada, (ii) divergindo assim dos medicamentos das aqui Recorridas, que no texto das respetivas patentes são qualificados como comprimido em bicamada.
14) Por outro lado, ao eliminar do acervo de factos provados a factualidade contida no anterior facto provado n.º 91), o Tribunal a quo entrou em contradição consigo mesmo porquanto havia considerado que o comprimido da aqui Recorrente não está estruturado em duas camadas, em evidente oposição com o que “está definido nas patentes em vigor da titularidade das Demandantes”.
15) A decisão do Tribunal a quo no sentido de alterar, ou verdadeiramente eliminar, o anterior facto provado n.º 91) é ainda de censurar porquanto está em manifesta contradição com o acórdão arbitral que bem esclareceu que o comprimido genérico sub judice (em monocamada) é diferente das invenções protegidas pelas EP’s 1467712, 2260833 e 1545467 que protegem um medicamento em bicamada, conforme resulta dos factos provados n.ºs 51), 80), 87) e 89), bem como da apreciação expendida em torno da análise da primeira questão técnica.
16) A alteração factual promovida pelo Tribunal a quo surge ainda, sem a necessária justificação, em contradição com o teor do relatório pericial apresentado nos autos, onde, conforme expresso nos quesitos I.1, I.3, I.7, II.A 14, II.C 32, II.C 33, II.C 34, II.C 40. II.C 41 se apurou que a composição em monocamada do medicamento...
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