Acórdão nº 1578/11.9TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelNUNES RIBEIRO
Data da Resolução06 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: O Banco AA, S.A.., com sede na Rua …, nº …, em Lisboa, instaurou, em 16 de fevereiro de 2011, na então 2.ª Vara de Competência Mista de …, acção declarativa ordinária contra BB e esposa CC, residentes na Travessa …, … -1º, em … - Vila Nova de Gaia, e contra BB, S.A., com sede na Av. …, em …, pedindo: a) - seja reconhecido o direito de propriedade do A. sobre o prédio urbano, sito no lugar de …, da freguesia de …, com a área de 5 300 m2, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 16…/19… e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia de … sob o artº 63…, incluindo a parcela pretensamente adquirida pelos 1.ºs R.R. e ocupada pela 2.ª Ré; b) - sejam todos os R.R. condenados a reconhecer aquele direito de propriedade do autor e a desocuparem a referida parcela, entregando-a devoluta e livre de pessoas e bens; c) - seja declarada nula a escritura de justificação celebrada pelos 1ºs R.R. em 11 de Fevereiro de 1998, no 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia; d) - seja ordenado o cancelamento do registo a favor dos 1.ºs R.R. sobre o prédio urbano constituído por terreno para construção, sito no lugar de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artº 53…, da freguesia de … e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 32…/23…, e ordenada a extinção das inscrições e descrições respectivas; e) - sejam os R.R. condenados, solidariamente, a pagarem ao A. a uma indemnização diária de € 500,00, por lucros cessantes, desde a citação até à efectiva entrega da parcela aludida.

Alegou, para tanto, em síntese, ter adquirido, em venda judicial, realizada em 26 de Outubro de 2004, o prédio urbano descrito sob o n.º 16…/19… (…), que possui, por si e seus antecessores, há mais de vinte anos, ininterruptamente, de forma pública, pacífica, sem oposição de ninguém e de boa fé; que, na parte norte e em cerca de 2100 m2, o prédio encontra-se ocupado pela 2.ª Ré sociedade, que utiliza essa parte para estacionamento de automóveis; que, apesar de instada, a Ré recusa-se a entregar-lhe essa parcela do seu prédio; que, tendo por objecto a dita parcela de terreno, foi outorgada pelos 1ºs R.R., em 11-02-1988, uma escritura de justificação, em que os mesmos declararam, falsamente, serem donos e legítimos possuidores da mesma; que, na impossibilidade de prosseguir com o processo de licenciamento de construção previsto para o seu prédio face à conduta dos R.R., está prejudicada em largos milhares de euros e não pode obter o rendimento diário de € 500,00, que lhe garantiria o arrendamento da referida parcela de terreno. Na sua contestação-reconvenção, os RR. excepcionaram a ilegitimidade da Ré sociedade e impugnaram parte dos factos alegados pelo autor, concluindo pela procedência da excepção arguida e pela improcedência da acção, pedindo, em reconvenção, que: a) - seja reconhecido o direito de propriedade dos 1.ºs RR. sobre o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de … sob o nº 53… e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 32…/23… ; ou em alternativa, b) - sejam declaradas nulas as escrituras de compra e venda e de dação celebradas, respectivamente, em 25 de Novembro de 1983, no Cartório Notarial de Espinho, e de 27 de Setembro de 2004, no Cartório Notarial do Porto; c) - seja reconhecido o direito de propriedade dos 1.ºs RR. sobre o prédio urbano actualmente inscrito na matriz da freguesia de …, sob o nº 63… e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 16…/23….

Replicou o A., impugnando os factos alegados pelos R.R. relativamente ao pedido reconvencional, concluindo pela sua improcedência.

Teve lugar uma audiência prévia, durante a qual foi proferido o despacho saneador, no qual se julgou, de forma tabelar, as partes legítimas, identificando-se depois o objecto do processo e enunciando-se os temas de prova.

Foi designado dia para a audiência de discussão e julgamento.

Realizado este, foi proferida sentença, em 3 de junho de 2015, a julgar a acção parcialmente procedente, reconhecendo o A. como proprietário do prédio urbano, sito no lugar de Arcos de Sardão, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 63… e descrito na 2.ª Conservatório do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 16…/19…, com a área de cerca de 3200 m2; e integralmente procedente a reconvenção, reconhecendo os 1ºs R.R. como proprietários da parcela de terreno, com cerca de 2100 m2, que se encontra fisicamente delimitada, a norte, por um prédio pertencente a BB, a nascente pela Avenida dos …, a poente por um prédio pertencente a DD, Lda, e, a sul, pelo Autor.

Inconformado, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Porto, que, por acórdão de 17 de Maio de 2016, revogando a sentença recorrida, reconheceu o direito de propriedade do Autor sobre o prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 16…/19…, com a área de 5300 m2, nele se incluindo a parcela de terreno com 2100 m2 objecto da escritura de justificação notarial celebrada em 11-02-1998; condenou os Réus a desocuparem a parcela ocupada, entregando-a ao Autor devoluta e livre de pessoas e bens; declarou nula, e sem qualquer efeito, a escritura de justificação celebrada pelos 1.ºs Réus, em 11 de Fevereiro de 1998, e ordenou o cancelamento do registo a favor dos 1.ºs Réus sobre o prédio urbano constituído por terreno para construção, descrito, sob o n.º 32…/23… (…), assim como a extinção da sua descrição e inscrição; julgando, por fim, improcedente a reconvenção deduzida pelos R.R.

Inconformados agora os Réus, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo na respectiva alegação, concluído, essencialmente, da forma seguinte:

  1. O fracionamento do prédio levado a efeito pelos 1.ºs Réus não constitui uma operação de loteamento urbano, uma vez que a parcela separada não foi destinada a construção.

  2. Os interesses e finalidades públicas protegidos pelas normas de direito de ordenamento do território não podem ser elevadas à categoria de fonte de direitos subjectivos patrimoniais privados.

  3. A parcela de terreno, com a área de 2100 m2, sempre foi possuída pública, pacífica e continuadamente pelos 1.ºs Réus.

  4. Pela escritura de 27.09.2004, o A. apenas acedeu à propriedade do prédio urbano descrito, sob o n.º 16…/19…, com a área de cerca de 3200 m2.

  5. O reconhecimento da usucapião deve sobrepor-se sobre o fraccionamento ilegal do prédio.

  6. As normas da Lei n.º 31/2014 não se aplicam directamente à resolução de conflitos entre direitos subjetivos patrimoniais privados.

  7. Na referida escritura, a declaração de que o terreno tem a área de 5300 m2 é inválida, uma vez que não existia na esfera do alienante.

  8. A parcela de 2100 m2 está excluída, sob pena de venda alheia, inexoravelmente nula.

  9. O acórdão recorrido viola os art.ºs 62.º da Constituição da República Portuguesa, 1251.º, 1258.º a 1263.º, 1287.º, 1288.º, 1293.º a 1297.º, 286.º, 289.º e 892.º, todos do Código Civil, 7.º do Código do Registo Predial, 4.º, 5.º e 82.º da Lei n.º 31/2014.

Contra-alegou o Autor, pugnando pelo improvimento da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

** Objecto do recurso Como é sabido, são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso [art.ºs 635º n.º 4, 639º n.ºs 1 e 3 e 641º nº 2 al. b) todos do novo C.P. Civil], não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Assim, as questões suscitadas no recurso consistem em saber se o acórdão recorrido enferma de erro de direito, ao concluir que o fraccionamento do prédio levado a efeito pelos 1ºs Réus constituiu operação de loteamento (ou destaque) urbano ilegal e, bem assim, que a invocação da usucapião em sede de reconvenção não devia sobrepor-se à nulidade desse fraccionamento, recusando, em consequência, reconhecer aos 1ºs R.R. o direito de propriedade sobre a parcela de terreno em litígio nos autos.

Fundamentação 1) De facto: No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1. Mostra-se descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia de …, lugar de …, sob o n.º 16…, um prédio correspondente a terreno para construção, com a área de 5300 m2.

  1. Tal prédio corresponde ao prédio outrora descrito, na mesma Conservatória, sob o n.º 535…, Livro B-138.

  2. Mostra-se inscrito a favor do A., em 26/10/2004, o direito de propriedade sobre o mesmo prédio, por “ venda judicial”.

  3. Da descrição do prédio consta que confronta, a norte, com EE, a sul, com caminho, a nascente, com FF e, a poente, com GG.

  4. Sobre o mesmo prédio, mostram-se efectuadas as seguintes inscrições: a) - Em 05/04/84 - aquisição a favor de HH, por compra aos 1.º s RR., II e JJ, pelo preço de 350 000$00; b) - em 05/04/84 - aquisição a favor de KK, Lda, por compra a HH; c) - em 09/12/93 - aquisição a favor de LL e mulher, por dação em cumprimento.

  5. Por escritura pública, lavrada em 17/02/1981, no Cartório Notarial de Espinho, FF e MM declararam vender ao 1º réu BB e a II, em comum e partes iguais: - a FF, um terreno para construção, com a área aproximada...

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