Acórdão nº 1050/18.6T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. J. P.

, residente na Rua ..., n.º …, freguesia de ... e ..., em Ponte de Lima (aqui Recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. C.

, residente na Rua …, Edifício …, …, em Viana do Castelo, M. J.

, residente em Rue …, em França, M. O.

, residente em Avenue …, em França, e A. P.

, residente em …, em França (aqui Recorridos), pedindo que · se declarasse que o prédio rústico denominado «Leira de cultivo», sito em Lugar da …, freguesia de ... e ..., concelho de Ponte de Lima (que melhor identificou) se encontra materialmente dividido, por usucapião, em cinco parcelas distintas e autónomas, designadas em croquis que juntou como «A», «B», «C», «D» e «E» (que melhor identificou); · se declarasse que ele próprio é dono e legítimo possuidor de uma dessas cinco parcelas distintas e autónomas (do dito prédio), no caso a identificada com a letra «A» (no croquis que juntou); · e se condenasse os Réus a reconhecerem, quer a divisão, por usucapião, do dito prédio nas cinco parcelas distintas e autónomas (que identificou), quer que lhe pertence, como dono e legítimo possuidor, a parcela identificada com a letra «A».

Alegou para o efeito, em síntese, que o prédio rústico «Leira de cultivo», com a área de 14.689 m2, se encontra desde o ano de 1980 dividido e materialmente demarcado em cinco partes ou parcelas distintas (identificadas pelas letras «A», «B», «C», «D» e «E» no dito croquis), correspondentes a outras cinco leiras de cultivo, por cada uma delas ter sido doada verbalmente pelo casal então respectivo proprietário (M. P. e mulher, C. A.) a cada um dos seus cinco filhos (aqui Autor e Réus, irmãos entre si).

Mais alegou que, desde então, tais parcelas foram alvo de actos de posse exercidos em exclusivo por ele próprio e pelos Réus, de forma apta a que tivesse adquirido originariamente a que identificou com a letra «A», com 1.997 m2, sem prejuízo de lhe ter sido legado (e a cada um dos Réus) um quinto indiviso do dito prédio, por testamento do pai comum (M. P.).

1.1.2.

Regularmente citados, os Réus (A. C., M. J., M. O. e A. P.) não contestaram.

1.1.3.

Foi proferido despacho, declarando confessados os factos articulados na petição inicial, e ordenando que o processo fosse facultado às partes para, querendo, alegarem.

Apenas o Autor (J. P.) juntou alegações de direito, onde defendeu a suficiência dos factos alegados (e confessados) para a procedência total da acção.

1.1.4.

Foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) 3. Decisão Em face do exposto, jugo a presente ação totalmente improcedente, dela se absolvendo os réus do pedido.

Custas pelo autor.

Valor da ação: o indicado na petição inicial, €5.000,01.

Registe e Notifique.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Autor (J. P.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que lhe fosse dado provimento, declarando-se a sentença recorrida nula e sendo a mesma substituída por outra decisão, julgando a acção procedente, com o reconhecimento dos direitos por ele invocados.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1.ª - Com a acção proposta o Recorrente não pretendeu dividir o terreno do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, mas obter um título, ou seja, uma sentença que legitime a propriedade da parcela de terreno descriminada na alínea A) do artigo 7º da petição inicial, que aqui, para os devidos e legais efeitos se dá por integralmente reproduzida.

2.ª - Entendendo-se que é legalmente possível reconhecer a propriedade dessas parcelas de terreno, com base na posse por usucapião, que passou a constituir parcela ou prédio rústico autónomo, ao contrário do que foi defendido na douta sentença recorrida pelo Tribunal “a quo”.

3.ª - O Recorrente na petição inicial invocou a seu favor a usucapião como forma de aquisição originária do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno, identificada no artigo 7º, alínea A) da petição inicial, que se funda directa e imediatamente na posse, tendo para o efeito arrolado prova.

4.ª - No entanto, o Tribunal “a quo” não permitiu ao Recorrente a prova dos requisitos atinentes à prescrição aquisitiva, e julgou improcedente a acção intentada pelo Autor/Recorrente, absolvendo os Réus/Recorridos do pedido, defendendo que o fracionamento é ilegal atendendo ao disposto nos artigos 1376º e 1379º, nº 1 do Código Civil, à luz das alterações introduzidas pela Lei nº 89/2019 de 03 de Setembro e aos nºs 2 e 3 do artigo 48º da Lei nº 111/2015 de 27 de Agosto.

5.ª - Com efeito, o Tribunal “a quo” não deu ao Recorrente a oportunidade de beneficiar da prescrição aquisitiva, para poder ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno, referida na alínea A) do artigo 7º da petição inicial.

6.ª - No caso sub judice, não está em causa nenhuma situação de loteamento ilegal.

7.ª - A usucapião invocada com base na posse apenas se prende com a extensão das áreas de terreno, detidas por Autor/Recorrente e Réus/Recorridos, que se mostram inferiores face à área mínima da unidade de cultura para a região do Minho.

8.ª - Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência que a usucapião prevalece sobre o regime estabelecido no artigo 1376º, nº 1, do Código Civil.

9.ª - É unanimemente aceite que a usucapião constitui uma forma de aquisição originária, e das regras da usucapião, decorre que o direito correspondente à posse exercida é adquirido “ex novo”.

10.ª - É unanimemente aceite pela nossa jurisprudência que os efeitos da usucapião retroagem à ao início da posse.

11.ª - No acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 24.10.2019, no âmbito do processo nº 317/15.0T8TVD.L1.S2. disponível in www.dgsi.pt.

12.ª - Com especial enfâse para os pontos: 13.ª - “ I. A data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as invocadas regras legais limitativas do fraccionamento de prédios rústicos é a do início da posse. (…) 14.ª - III. Tendo a usucapião efeitos retroactivos à data do início da posse, a lei aplicável é, sem dúvidas, a vigente à data do início da posse. Será assim essa lei que indicará se pode haver fracionamento do prédio e de o mesmo for fraccionado em violação da lei quais as consequências que daí decorrem. O mesmo se diga em matéria de loteamento urbano, licenças e dispensas. (…)” 15.ª - Nos termos do artigo 1288º do Código Civil, os efeitos da usucapião retroagem à data do início da posse.

16.ª - Salvo o devido respeito por melhor opinião, não se aceita a posição sufragada na douta sentença recorrida pelo Meritíssimo Juiz “a quo” quando refere “a inadmissibilidade legal do pretendido, por disposição imperativa e expressa – a da norma do artigo 1376.º, nº 1 do CC, atento o entendimento acima exposto – que impede o fracionamento pretendido. Há impossibilidade legal (sendo certo que a impossibilidade legal não se confunde com a indisponibilidade do direito, ainda que os efeitos sejam próximos…).

” 17.ª - Acrescentando ainda que: “o tipo de fracionamento pretendido, aliás em tudo semelhante a inúmeros que chegaram e ainda chegam a este Tribunal – que mais não pretende do que, à custa dos tribunais e ao arrepio das autoridades administrativas, designadamente as que têm competência para a gestão territorial, dividir em ínfimas parcelas aquilo que já é o minifúndio minhoto – é, de alguma forma, o espelho de que, muito provavelmente, a interpretação aqui acolhida sobre o preceito legal 1376.º, 1 do CC será a correta. É, também, aquele que melhor se coaduna com o interesse público subjacente à organização do território, que tão bem transparece na alteração introduzida pela Lei nº 89/2019 de 3.9 aos n.ºs 2 e 3 do artigo 48º da Lei n.º 111/2015 de 27 de 27.8, que estabelece o regime jurídico da estruturação fundiária.” 18.ª - A posição sufragada pelo Tribunal “a quo”, aplicando os artigos 1376º, e 1379º nº 1 do Código Civil, na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 111/2015 de 27 de Agosto, viola o disposto no artigo 1288º do Código Civil e contraria totalmente a jurisprudência e doutrina dominantes.

19.ª - Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião o Tribunal “a quo” aplicou indevidamente ao processo em epígrafe os artigos 1376º e 1379º, nº 1 do Código Civil na redacção conferida pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto.

20.ª - Ao caso em apreço deveria ter sido aplicado pelo Tribunal “a quo” o disposto no artigo 1379º do Código Civil na sua redacção anterior, ou seja: 21.ª - “1. São anuláveis os atos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376º e 1378º, bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377º. Se a construção não for iniciada no prazo de três anos.

  1. Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte.

  2. A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto ou de termo do prazo referido no nº 1.

    ” 22.ª - Neste sentido, ainda, acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 02.05.2019, no âmbito do processo nº 514/07.1TBGDL.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt, onde se afirma que: “I.

    Num recurso em que está em causa apreciar se o reconhecimento do direito de propriedade da ré, adquirido por usucapião, viola regras legais imperativas, considera-se que releva para efeitos de apurar se tal violação ocorre é a data do início da posse. (…)” 23.ª - A usucapião sempre foi aceite como o instrumento capaz de se sobrepor a...

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