Acórdão nº 4240/19.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. S. e marido V. F.
, instauraram a presente acção declarativa, com processo comum, contra S. S., A. S., D. M.
, em representação da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de L. C., todos melhor identificados nos autos.
Alegam, em síntese, que são donos e legítimos proprietários, na proporção de 51/100 do prédio rústico composto de campo de cultivo, mato e pinheiros, com a área de 7.448 m2, sito no Lugar ...
, freguesia de ...
, concelho de Viana do Castelo, a confrontar do norte com J. C., do sul com M. C., do nascente com caminho e do poente com estrada municipal, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...
e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº ...
/271290. Por seu turno, a herança indivisa representada pelos Réus é titular do direito de compropriedade sobre o mesmo imóvel na proporção de 49/100. Mais, alegam que o prédio foi dividido em duas parcelas, no início do ano de 1989, passando, desde essa data, os Autores a fruir de uma parcela de terreno desse prédio, com a área de 3.953,10 m2, a confrontar de norte com L. C. e outros, de sul com M. C., nascente com caminho público e poente com proprietária. Por seu turno, a autora da herança Ré passou a fruir da outra parcela.
Pedem os Autores que: a) se declare dividido em substância, desde há mais de 30 anos, o prédio rústico identificado no artigo 1.º da p.i.; b) se declare o fraccionamento desse prédio em dois prédios distintos identificados pelas letras A e B da planta anexa à p.i.; c) se condene os Réus ao reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado na letra B, com a seguinte composição: terreno de cultivo e mato, com a área de 3.953,10 m2, sito no lugar ...
, freguesia de ...
, concelho de Viana do Castelo, a confrontar a norte com L. C. e outros, a sul com M. C., a nascente com caminho público e a poente com proprietária M. S.
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Regularmente citados os Réus deduziram contestação, tendo apenas impugnado a data da divisão material do prédio e do início da posse da parcela que foi atribuída aos Autores, mas aceitando a divisão material do prédio nos moldes indicados pelos Autores e os factos atinentes à usucapião.
Deduziram, ainda, reconvenção, alegando a seu favor a compropriedade e a autonomização de uma parcela de terreno de cultivo e mato, com a área de 3.745,30 m2, a confrontar de norte com J. C., de sul com M. S., do nascente com caminho público e de poente com estrada municipal, alegando a seu favor os factos atinentes à usucapião, formulando.
Pedem os Réus que a) se declare encontrar-se o prédio identificado no artigo 1.º da douta p.i. (artigo ...
da matriz predial rústica da freguesia de ...
, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob a descrição ...
/...
) dividido em substância, desde 1998, em dois prédios completamente autónomos e distintos entre si (identificados pelas letras A e B nas plantas untas à p.i.); b) se declare que a herança de L. C., aqui representada pelos RR/Reconvintes, é dona e legítima possuidora (proprietária), por usucapião, da parcela/prédio identificado pela letra “A” na planta junta à p.i., a qual tem a seguinte composição: - terreno de cultivo e mato, com área de 3.745,30 m2, sito no lugar ...
, freguesia de ...
, concelho de Viana do Castelo, a confrontar de norte com J. C., de sul com M. S., de nascente com caminho público e de poente com Estrada Municipal; c) condene os AA/Reconvindos ao reconhecimento desse direito de propriedade da supra referida herança sobre a mesma parcela/prédio.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido saneador-sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, julgo a acção e reconvenção totalmente improcedentes, e em consequência, absolvo os Réus do pedido e os Autores do pedido reconvencional.
Custas da acção pelos Autores.
Custas da reconvenção pelos Réus/Reconvintes.
Registe e Notifique.” Inconformados, apelaram os Autores, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. O Tribunal de 1.º instância, pese embora julgue como factos provados que o prédio rústico, identificado no artigo 1.º da petição inicial, do qual os Autores são comproprietários, se encontre dividido em duas parcelas autónomas desde, pelo menos, 1998, e que sobre a parcela de terreno, identificada no artigo 7.º da petição inicial, os Autores vêm exercendo, desde essa mesma data, uma posse pública, contínua, pacífica e de boa-fé, decidiu considerar a invocada aquisição originária por usucapião improcedente, por violação das normas de não fraccionamento de parcelas de terreno aptas para cultura com área inferior à unidade de cultura, designadamente o disposto nos artigo 48º n.ºs 2 da Lei 111/2015, de 27/08, na redação introduzida pela Lei n.º 89/2019, de 03/09, e artigo 1376.º, do CC, na redacção dada pela Lei 111/2015, de 27/08.
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O Tribunal a quo não reconheceu, como deveria ter reconhecido, nos termos do artigo 1287.º do Código Civil, a procedência da invocada usucapião, apesar de ter dado como provados todos os seus elementos constitutivos, designadamente o preenchimento dos requisitos da posse pelo lapso temporal superior a 20 anos.
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Estribou o seu entendimento na aplicação ao caso concreto do artigo 1379.º, nº1, do Código Civil, na redacção dada pela Lei 111/2015, de 27/08, que veio estabelecer o actual Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, do qual consta que “são nulos os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º [do Código Civil], e do artigo 48.º, n.º 2, da Lei 89/2019,de 03.09, a qual procede à primeira alteração à lei 111/2015, 27/08: “A posse de terrenos aptos para cultura não faculta ao possuidor a justificação do direito a que esta diz respeito, ao abrigo da usucapião, sempre que a sua aquisição resulte de actos contrários ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil”, dispondo o n.º 3 da mesma lei que “são nulos os actos de justificação de direitos a que se refere o número anterior”.
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Todavia, considerando o princípio geral de não retroactividade das leis constante do artigo 12.º, n.º1, do Código Civil, é modesto entendimento dos recorrentes que tais normas não poderiam ser aplicadas ao caso em discussão.
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Mesmo tomando em consideração a não aplicabilidade do princípio geral de não retroactividade às leis interpretativas, conforme o disposto no artigo 13.º, n.º1, do Código Civil, e facto de a Lei 89/2019, de 03.09 ser uma lei interpretativa, a eficácia retroactiva desta estará balizada pela data da entrada em vigor da lei interpretada, ou seja, a Lei 111/2015, de 27/08.
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Nos termos do artigo 1288º do CC, “invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se ao início da posse” e de acordo com o previsto no artigo 1317.º, alínea c), “o momento de aquisição do direito de propriedade por usucapião é o do início da posse”.
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Como defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (processo 317/15.0T8TVD.L1.S2., acórdão de 24.10.2019) e Tribunal da Relação de Guimarães (processo 1334/10.1TBVVD.G1, de 30.04.2020), “a data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as invocadas regras legais limitativas do fraccionamento de prédios rústicos é a do início da posse” e “será a lei vigente nessa data que indicará se pode haver fraccionamento do prédio e se o mesmo for fraccionado em violação da lei quais as consequências que daí decorrem”.
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O acto de fraccionamento do prédio em causa e início da posse, por parte dos Autores, sobre a parcela identificada, ocorreu em 1998.
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A lei vigente nessa data, sendo aplicável ao caso concreto o artigo 1379.º do Código Civil, estipulava: “ 1- São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca contrários aos artigos 1376.º e 1378.º, bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º, se a construção não for iniciada no prazo de 3 anos; 2 – Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte: 3- A acção de anulação caduca ao fim de 3 anos, a contar da celebração do acto ou do termo do prazo referido no n.º 1”.
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Portanto, tendo existindo algum vício seria o da anulabilidade, e não o da nulidade como entende o Tribunal a quo por aplicação de normas não vigentes em 1998, data do início da posse, o qual há muito está sanado (pelo menos desde o ano de 2002), tomando em consideração o decurso do prazo de 3 anos, a contar desde 1998, sem que esse mesmo vício tivesse sido arguido.
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Pelo exposto, o Tribunal a quo aplicou erroneamente aos presente autos o artigo 1379.º, nº1, do Código Civil, na redacção dada pela Lei 111/2015, de 27/08, e o artigo 48, n.º2 da Lei 89/2019,de 03.09, quando deveria ter aplicado o disposto no artigo 1379º do Código Civil na sua redação anterior, pelo que violou, entre outros, os artigos 12.º, 1287.º e 1288.º, todos do Código Civil.
Nestes termos, muito respeitosamente, devem V. Exas julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, e, consequentemente: a) Declarar-se dividido em substância, desde há mais de 30 anos, o prédio rústico identificado no artigo 1.º da p.i.; b) Declarar-se o fraccionamento desse prédio em dois prédios distintos identificados pelas letras A e B da planta anexa à p.i.; c) Condenar-se os Réus ao reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado na letra B, com a seguinte composição: terreno de cultivo e mato, com a área de 3.953,10 m2, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, a confrontar a norte com L. C. e outros, a sul com M. C., a nascente com caminho público e a poente com proprietária M. S.”.
Os Réus, inconformados, apelaram também concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. A questão que se coloca nos presentes autos é a de aferir se a eventual aquisição...
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