Acórdão nº 1167/18.7T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelANIZABEL SOUSA PEREIRA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: *I- RELATÓRIO: José (…) e mulher (…) intentaram a presente ação declarativa em processo comum contra Maria (…) e (…) pela qual pretendem a declaração de que o prédio identificado no artigo 1º supra se encontra materialmente dividido, por usucapião, em três parcelas distintas e autónomas, pela forma descrita nos artigos 6º e 7º supra; e que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no artigo 6º, alínea A) da petição inicial correspondente à parcela assinalada com a letra A no croquis.

Alegam para tanto, no essencial, que um prédio rústico que identificam no artigo 1.º da petição inicial se “acha dividido por usucapião, na forma indicada nos artigos 6º e 7º” da petição inicial, nos termos de planta topográfica que juntaram.

** Regularmente citados, os réus, sem espanto, não contestaram.

* Foi, após, junto por requerimento transação no âmbito da qual se peticiona, no fundo, que o tribunal declare o prédio indicado no artigo 1.º da petição inicial dividido nas parcelas que também na petição inicial se descrevem.

*Foi proferida sentença, nos seguintes termos: “Não homologar a transação e, em consequência, julgar a ação totalmente improcedente, dela se absolvendo os réus do pedido.” *É desta decisão que vem interposto recurso pelos AA, os quais terminam o seu recurso formulando as seguintes conclusões: 1ª - Com a acção proposta os Recorrentes não pretenderam dividir o terreno do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, mas obter um título, ou seja, uma sentença que legitime a propriedade das parcelas de terreno discriminadas no artigo 6º da petição inicial, que aqui, para os devidos e legais efeitos se dá por integralmente reproduzido.

  1. - Entendendo-se que é legalmente possível reconhecer a propriedade dessas parcelas de terreno, com base na posse por usucapião, que passaram a constituir parcelas ou prédios rústicos autónomos, ao contrário do que foi defendido na douta sentença recorrida pelo Tribunal “a quo”.

  2. - Os Recorrentes na petição inicial invocaram a seu favor a usucapião como forma de aquisição originária do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno, identificada no artigo 6º, alínea A) da petição inicial, que se funda directa e imediatamente na posse, tendo para o efeito arrolado prova.

  3. - No entanto, o Tribunal “a quo” não permitiu aos Recorrentes a prova dos requisitos atinentes à prescrição aquisitiva, e julgou improcedente a acção intentada pelos Autores/Recorrentes, absolvendo os Réus/Recorridos do pedido, defendendo que o fracionamento é ilegal atendendo ao disposto nos artigos 1376º e 1379º, nº 1 do Código Civil.

  4. - Com efeito, o Tribunal “a quo” não deu aos Recorrentes a oportunidade de beneficiar daprescrição aquisitiva, parapoderem ver reconhecido o seu direito depropriedadesobreaparcela de terreno referida na alínea A) do artigo 6º da petição inicial.

  5. - No caso sub judice, não está em causa nenhuma situação de loteamento ilegal.

  6. - A usucapião invocada com base na posse apenas se prende com a extensão das áreas de terreno, detidas por Autores/Recorrentes e Réus/Recorridos, que se mostram inferiores face à área mínima da unidade de cultura para a região do Minho.

  7. - Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência que a usucapião prevalece sobre o regime estabelecido no artigo 1376º, nº 1, do Código Civil.

  8. - É unanimemente aceite que a usucapião constitui uma forma de aquisição originária, e das regras da usucapião, decorre que o direito correspondente à posse exercida é adquirido “ex novo”.

  9. - A usucapião sempre foi aceite como o instrumento capaz de se sobrepor a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais, relativamente a actos de alienação ou oneração de bens.

  10. - A jurisprudência maioritária tem defendido que a proibição do fracionamento de terrenos aptos para a cultura em parcelas com área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura, não impede que operada a divisão material de um prédio rústico em parcelas com área inferior se consolidem por usucapião as situações possessórias subsequentemente constituídas.

  11. - O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 01.03.2018, no âmbito do processo 1011/16.0T8STB.E1.S2, disponível in www.dgsi.pt, abordando já a questão da divisão material à luz das alterações introduzidas pela Lei nº 111/2015 de 27 de Agosto, pronunciou-se no sentido de que o artigo 1376º do Código Civil, não configura “disposição em contrário” para efeitos da ressalva estatuída no artigo 1287º do Código Civil.

  12. - Com especial destaque para os pontos: 14ª - “ V.

    A usucapião é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, que surge ex novo na esfera jurídica do sujeito, irrelevando, por isso, quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam vícios de natureza formal ou substancial.

    ” 15ª - “VI.

    Operada a divisão material de um prédio rústico em duas parcelas de terreno com área inferior à unidade de cultura fixada na Portaria nº 202/70, de 21/04 e verificados os requisitos da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre cada uma destas parcelas, esta aquisição prevalece sobre a proibição contida no art.

    1376º, nº 1 do C.

    Civil, não operando a anulabilidade do ato defracionamento previsto no nº 1 do art.

    1379º do C.

    Civil (na redação anterior à introduzida pela Lei nº 111/2015, de 27.08).

    ” 16ª - “VII.

    A usucapião visa satisfazer o interesse público de assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer na proteção do valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse.

    ” 17ª - Sufragando que a proibição legal do fracionamento de terrenos agrícolas em parcelas de terreno com área inferior à unidade de cultura, não colidem ou impedem a usucapião.

  13. - A doutrina, desde sempre, defendeu que a nulidade pode ser precludida pela verificação da prescrição aquisitiva, vide: Manuel Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 418); Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Edição, pág. 269); Mota Pinto (in “Teoria Geral do direito Civil”, pág. 470) e Luís Carvalho Fernandes (in Lições de Direitos Reais, 3ª Edição, pág. 230).

  14. - Ou seja, a doutrina e jurisprudência maioritárias têm defendido que a aquisição originária por usucapião prevalece sobre as regras de fracionamento dos prédios rústicos.

  15. - Isto é, a prescrição aquisitiva prevalece sobre a nulidade.

  16. - De entre muitos outros possíveis, menciona-se decidido nos seguintes Acórdãos: Ac. do STJ de 12.07.2018, no âmbito do processo nº 7601/16.3T8STB.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 04.02.2014, no âmbito do processo nº 314/2000.P1.S1., disponível in www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 06.04.2017, no âmbito do processo nº 1578/11.9TBVNG.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt; A. do TRG de 01.02.2018, no âmbito do processo nº 290/15.4T8PRG.G1, disponível in www.dgsi.pt; e, Ac. do TRE de 02.05.2019, no âmbito do processo 941/17.6T8BNV.E1, disponível em www.dgsi.pt; 22ª - Sendo esta jurisprudência pacífica e dominante, entende-se que se impõe uma alteração ao direito aplicado na douta...

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