Acórdão nº 1112/15.1T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução01 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA intentou acção de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e “CC SEGUROS, S.A.", pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 150 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, já vencidos e vincendos, a contar da citação e até efectivo pagamento.

Alega, em síntese, que, no dia 3 de Dezembro de 2010, pelas 08h 50m, ocorreu um acidente de viação, na Rua …, junto ao nº ..., em …, concelho de Ponte de Lima, nas seguintes circunstâncias fundamentais: o veículo ligeiro de passageiros de marca e modelo Ford Transit" e matrícula nº ...-GQ-..., objecto de seguro na 2ª Ré, parou no lado oposto da faixa de rodagem para recolher uma criança; a Ré BB, que o conduzia, sem previamente ter verificado se existia alguém, designadamente alguma criança, na frente da viatura que conduzia reiniciou a marcha do veículo, tendo atropelado o seu filho, DD, provocando-lhe lesões que determinaram directa e necessariamente a sua morte - sustentando que a responsabilidade das Rés resulta da violação do dever de cuidado por parte da 1ª Ré, condutora do mesmo.

A 1ª Ré veio contestar, excepcionando a sua ilegitimidade para os termos da acção. Supletivamente, defende que não teve qualquer responsabilidade pelo acidente e impugna a essencialidade dos factos alegados.

Também a 2ª Ré veio contestar, aceitando a ocorrência do acidente e a vigência do contrato de seguro, impugnando a demais factualidade alegada, defendendo não poder ser assacada à condutora do veículo seguro qualquer culpa ou comportamento, activo ou passivo, determinante para a produção do acidente.

No despacho saneador, julgou-se a 1ª Ré parte ilegítima, com a respectiva absolvição da instância.

Realizou-se o julgamento e proferiu-se sentença que, concluindo no sentido da existência de concorrência entre a culpa do lesado e os riscos concretos da circulação do veículo, computada em 70% e 30%, condenou a Ré a pagar à Autora as quantias de €36 000,00 e € 295,50, acrescidas de juros de mora.

  1. Inconformadas, apelaram ambas as partes, tendo a Relação começado por definir o seguinte quadro factual subjacente ao litígio: 1. DD nasceu no dia 27.03.2009, conforme documento de fls. 115 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  2. E era filho da autora AA e de EE, já falecido.

  3. No dia 03.12.2010, pelas 8.50 horas, na Rua da Aldeia, da freguesia de …, do concelho de Ponte de Lima, ocorreu um embate em que foram intervenientes: o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-GQ-..., conduzido por BB e o menor, DD.

  4. O aludido veículo, da marca “Ford”, modelo “Transit”, tem a lotação de 9 lugares (incluindo o condutor) e pertence à Junta de Freguesia de Navió, destinando-se ao transporte colectivo de crianças.

  5. A referida via é um arruamento com dois sentidos de circulação, cuja largura da via varia entre os 4,4 metros e os 4,8 metros.

  6. No local do sinistro a estrada tem cerca de 4,75 metros e apresenta-se em recta, em patamar e ladeada de casas.

  7. O pavimento da estrada no referido local é em asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação, evoluindo para empedrado na Rua da Igreja.

  8. Aquela via não tem qualquer marcação, quer para delimitar a faixa de rodagem, quer para separar os sentidos de trânsito e não se encontra dotada de passeios ou bermas ou sequer valetas.

  9. O local do sinistro caracteriza-se por uma zona com tráfego reduzido, quer de peões, quer de veículos.

  10. Nas sobreditas circunstâncias de lugar e tempo, o veículo ...-GQ-... circulava por aquela via, no sentido Rua da Aldeia/Rua da Igreja, isto é, no sentido Sul/Norte.

  11. Entretanto, e porque a condutora necessitou de ir recolher uma criança ao nº 16 da aludida artéria, imobilizou a sua viatura perto dessa habitação e a cerca de 1,70m da extremidade esquerda da via, atento o respectivo sentido de marcha.

  12. O portão do nº de polícia … abre directamente para a faixa de circulação rodoviária.

  13. Do lado direito à casa de habitação nº … existe um muro que suporta o arruamento paralelo a esta rua e que se encontra num plano mais elevado.

  14. Depois de imobilizar a viatura, a condutora permaneceu sentada no lugar do condutor e aguardou que a avó da aludida criança a fizesse entrar no dito veículo e que esta colocasse o cinto de segurança.

  15. Entretanto, o menor DD, que também se encontrava aos cuidados da sua avó materna, saiu sozinho do interior da aludida habitação nº … e precipitou-se para a faixa de rodagem, sem que ninguém se apercebesse desse facto, tendo-se colocado na frente do veículo seguro.

  16. Após a outra criança ter entrado no veículo seguro, a respectiva condutora reiniciou a marcha, embatendo no menor DD, provocando-lhe várias lesões que lhe determinaram a morte.

  17. A condutora do veículo não se apercebeu da presença do menor na frente do veículo antes de reiniciar a marcha, nomeadamente, devido à configuração da viatura - frente alta e o volante recuado - e à altura do referido menor.

  18. Depois de percorrer alguns metros após o embate, a condutora imobilizou o veículo seguro, alertada pelos gritos da avó do sinistrado.

  19. O veículo seguro, até ao dia anterior, era habitualmente conduzido por FF, a qual no exercício das suas funções de transporte de crianças, normalmente, saía da viatura, recolhia a criança, acompanhava a mesma até ao interior da viatura onde lhe colocava o sistema de retenção, regressando depois ao seu lugar de condutora e prosseguindo o seu trajecto.

  20. A referida BB não estava habilitada com o certificado de motorista para efectuar o transporte de crianças.

  21. No âmbito do processo crime que correu termos no 1º Juízo, sob o nº de processo 316/10.8GBPTL, foi decidido não pronunciar a condutora, BB, da prática do crime de homicídio por negligência, que lhe tinha sido imputado no requerimento de abertura de instrução apresentado por EE e AA, conforme documento de fls. 66 a 75 dos presentes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

  22. Após o embate, o menor DD ficou inanimado e foi assistido no local por uma equipa de INEM, tendo permanecido inconsciente até falecer, o que ocorreu por volta das 10 horas desse mesmo dia.

  23. O menor DD era uma criança terna e tinha sido um filho muito querido pela autora e pelo seu marido.

  24. Em consequência da sua morte inesperada e prematura, a autora e o seu marido, ainda vivo à data dos factos, sofreram dor, desgosto e angústia, bem como inconformismo perante as circunstâncias em que o falecimento do seu filho ocorreu.

  25. Tendo a autora tido necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica.

  26. Ainda em consequência da morte do seu filho, a autora teve gastos com o funeral no valor de € 985,00.

  27. À data do embate, a responsabilidade emergente de acidentes de viação causados a terceiros com o veículo de matrícula ...-GQ-... encontrava-se transferida para a ré seguradora, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 41….

  28. Passando a apreciar as questões jurídicas que constituíam objecto dos recursos, considerou a Relação no acórdão recorrido: A Autora recorrente advoga que o desconhecimento da condutora do veículo das regras de segurança e dos procedimentos habituais do transporte escolar, foram determinantes para a produção do efeito. Conclui que o acidente se deveu a culpa exclusiva da lesante, “condição sine qua non” da morte.

    A única disposição legal passível de ser violada pela mesma seria a do art. 12.º, n.º 1, do Código da Estrada, do seguinte teor "Os condutores não podem iniciar a marcha ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência e sua intenção e sem adoptarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente." Por outro lado, é manifesto que, tal como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 12/02/1987 , “sendo a condução de veículos uma actividade perigosa, ponto em risco valores elevados como a vida humana, é razoável ter uma especial exigência de comportamento para quem exerce essa actividade.” Apesar deste especial dever de cuidado, não se vislumbra, do conjunto dos factos provados, que a condutora da carrinha tivesse praticado qualquer violação às regras estradais ou sequer omitido qualquer dever de cuidado específico no sentido de tentar evitar o acidente. Com efeito, resulta dos factos provados que, nos momentos que antecederam o embate, esta condutora se encontrava sentada ao volante e a olhar para o lado oposto ao da porta por onde saiu a criança, por estar a acompanhar a entrada da passageira que entrava e se acondicionava no interior da mesma. Assim, é seguro que a mesma não se apercebeu da movimentação do menor em direcção da frente do veículo. Por outro lado, no momento de iniciar a marcha, esta não tinha visibilidade sobre a criança, atentas as dimensões e as características do veículo que tripulava.

    Ora, para que fosse exigível à condutora do veículo ter saído do veículo antes de retomar a marcha teria, por qualquer forma, que ser previsível que o início da marcha seria um especial perigo para os utentes da via em geral ou para o menor em causa em especial.

    Uma vez que esta não estava minimamente consciente dos perigos que poderiam advir da circulação do veículo naquelas circunstâncias, não se lhe pode ser assacada qualquer actuação culposa.

    A Autora recorrente invoca ainda que a circunstância de tal condutora não ter a devida formação para a condução de veículos afectos ao transporte de crianças e não possuir os conhecimentos específicos para tanto revela e explica, só por si, a falta de cuidados na sua actuação.

    É certo que, nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, "A condução de automóveis afectos ao transporte de crianças só pode ser efectuada por motoristas que possuam um certificado emitido pelo IMTT, válido por cinco anos, cujas condições são definidos por portaria do membro do governo que tutela os transportes (...)." Bem como que a respectiva condutora se encontrava habilitada para a...

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