Acórdão nº 849/20.8T8PRT.P1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023
Magistrado Responsável | JORGE LEAL |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I.
RELATÓRIO 1.
AA intentou ação declarativa de condenação na forma comum contra Liberty Seguros, S.A.
O A. alegou, em essência, os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude de acidente de viação ocorrido no dia ...de julho de 2017, em que foram intervenientes o motociclo com a matrícula ..-GC-.., conduzido por si e a si pertencente, e o veículo automóvel com a matrícula ..-..-LZ, pertencente a BB e na ocasião conduzido por CC, cuja ocorrência imputa à conduta culposa deste último, mais alegando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por este veículo LZ estava transferida para a R., mediante contrato de seguro.
O A. concluiu pedindo a condenação da R.:
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A pagar-lhe a quantia de € 263 448,75, a título de danos patrimoniais futuros e dano biológico; b) A pagar-lhe a quantia de € 25 000,00, a título de danos de natureza não patrimonial; c) A pagar-lhe a quantia de € 3 145,48, a título de outros danos patrimoniais; d) A pagar-lhe os juros moratórios, calculados à taxa legal anual de 4% sobre o montante global a indemnizar, contados da data da citação até integral e efetivo pagamento.
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A R.
apresentou contestação, impugnando a dinâmica do acidente descrita pelo A. e imputando a este culpa exclusiva pela ocorrência do sinistro. Mais impugnou, por desconhecimento, os danos alegados na petição inicial. Concluiu pela sua absolvição dos pedidos.
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Os autos prosseguiram os seus termos e, concluída a audiência final, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção intentada pelo autor AA e, em consequência, condeno a ré Liberty Seguros, SA, a pagar-lhe: - a quantia de € 22.750,00 (vinte e dois mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e - a quantia de € 53.629,66 (cinquenta e três mil, seiscentos e vinte e nove euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da data citação e até integral pagamento; - absolvendo-a do restante pedido; As custas serão suportadas por autor e ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC)”.
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Tendo a R. interposto recurso de apelação e, subordinadamente, também o A., veio a ser proferido acórdão que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acorda-se no seguinte: - em não admitir o recurso subordinado interposto pelo autor; - em julgar procedente o recurso interposto pela ré e, revogando a sentença recorrida, absolver a ré do pedido.
Custas da acção, do recurso da ré e do recurso subordinado a cargo do autor”.
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O A.
interpôs recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões: A – O recurso subordinado não é um recurso autónomo, embora tenha regras próprias, é sempre dependente do recurso principal, como se extrai do disposto pelo n.º 3 do art.º 633º do Cód. Proc. Civil.
B – Dispondo o recorrente no recurso principal do prazo de 40 (quarenta) dias para recorrer, por ter impugnado a decisão de facto com recurso a reapreciação de prova gravada, dispõe o recorrido de igual prazo para responder às alegações do recurso e, simultaneamente, interpor o recurso subordinado, ainda que nesse recurso subordinado não esteja em causa a reapreciação de prova gravada, pois o prazo para a sua interposição só se inicia com a notificação da apresentação do recurso principal (artigo 633º n.º 2 do C.P.C.).
C – O créscimo do prazo de recurso a que alude o n.º 7 do artigo 638º do C.P.C., apenas se refere ao prazo de interposição do recurso principal e não ao prazo de interposição do recurso subordinado.
D – Com efeito, o prazo para a interposição do recurso subordinado, com respectivas alegações e conclusões, tem de ser igual ao prazo de resposta às alegações do recorrente principal, ou seja, se o prazo de recurso é de 40 dias, por incidir sobre a reapreciação da matéria de facto, é igualmente de 40 dias o prazo para o recorrido apresentar as suas contra-alegações e interpor o recurso subordinado, tendo em conta os princípios da igualdade das partes e de economia processual, contando-se a partir da data da notificação da interposição do recurso à parte contrária.
E – Este entendimento é o que resulta da vontade do legislador expressa no preâmbulo do Cód. Proc. Civil, o qual tem por finalidade a concentração em momentos processuais únicos dos atos processuais de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso, sendo o mais consentâneo com a aplicação concertada do regime legal decorrente dos artigos 130º, 633º e 638º do Cód. Proc. Civil.
F - Seria absolutamente desprovido de senso obrigar o recorrido a apresentar duas peças processuais, em dois momentos processuais distintos, podendo até levar a apreciações contraditórias entre si se não fossem apreciadas em conjunto pela sua globalidade. O que violaria, igualmente, o espírito da Lei e o carácter dependente (ao recurso principal) do recurso subordinado.
G – E mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que nas conclusões de recurso formuladas pelo Autor foi expressamente referido que: “G - Da conjugação do teor das declarações prestadas pelo Autor relativamente às circunstâncias em que ocorreu o acidente com o posicionamento dos veículos retratado no croquis do auto de ocorrência da PSP, em que se denota uma posição ligeiramente oblíqua do LZ a encaminhar-se para a direita da via de rodagem (encontrando-se a roda dianteira da direita a 2,5m e a roda traseira direita a 2,8m da berma do seu lado direito), libertando então parte da hemifaixa mais à direita, atento o sentido em que circulava o motociclo GC, é possível concluir que o condutor do veículo matrícula ..-..-LZ desviou igualmente a trajectória deste para a direita, atento o seu sentido de marcha, vindo a ocorrer o embate entre a parte frontal direita do referido veículo com a frente do motociclo conduzido pelo autor.” H – Ou seja, é manifesto que a apreciação do mérito do recurso subordinado interposto pelo Autor visa igualmente a reapreciação da prova gravada, no que se refere ao depoimento prestado em audiência de julgamento pelo Autor relativamente às circunstâncias do acidente, pelo que sempre seria de admitir o recurso ou convidar o recorrente a identificar o excerto da gravação que pretendia ver reapreciado.
I - Tendo a decisão de não conhecimento do recurso subordinado, com fundamento em extemporaneidade, sido proferida em acórdão da Secção do Tribunal da Relação e não em decisão singular do Juiz Relator, do decidido não cabe reclamação para a conferência da Relação mas sim recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo o Recurso de Revista o meio processual de reação contra o decidido no acórdão.
J - Sem prescindir, e dado que o acórdão recorrido conheceu ainda do mérito do recurso principal, no sentido da sua procedência e pela consequente revogação da sentença proferida na 1ª instância, cabe igualmente recurso de revista do acórdão proferido.
Dito isto, e quanto à bondade do acórdão relativamente ao decidido no recurso principal, salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, o desacerto do decido peca por injusto e irrazoável porquanto: K – Face à dinâmica do sinistro, quando o Autor avistou o veículo ..-..-LZ e tomou a decisão de guinar o motociclo para a esquerda na desesperada tentativa de alcançar a rampa de acesso ao hospital, fê-lo porque não só se apercebeu de que aquele não estava a imobilizar a macha como não tinha espaço livre e disponível para passar prosseguindo para sua hemi-faixa.
L - Da matéria de facto julgada por provada em ambas as instâncias resulta que o veículo automóvel ..-..-LZ seguro pela Ré invadiu a faixa de rodagem do Autor em, pelo menos, 1,20m.
M – No entanto, as medidas obtidas ao local do acidente e constantes do auto da ocorrência elaborado pela PSP foram obtidas após o sinistro e quando os dois veículos já se encontravam imobilizados na via, por isso, atestam apenas a posição final dos veículos após o embate relativamente à via de rodagem e não têm a virtude nem a capacidade de demonstrar a posição inicial, isto é, o ponto ou a medida de ocupação da faixa de rodagem em que cada um circulava no momento em que se avistaram imediatamente antes ao embate.
N – Da conjugação do teor das declarações prestadas pelo Autor relativamente às circunstâncias em que ocorreu o acidente com o posicionamento dos veículos retratado no croquis do auto de ocorrência da PSP, em que se denota uma posição ligeiramente oblíqua do ..-..-LZ a encaminhar-se para a direita da via de rodagem (encontrando-se a roda dianteira da direita a 2,5m e a roda traseira direita a 2,8m da berma do seu lado direito), libertando então parte da hemifaixa mais à esquerda em que circulava o motociclo GC, é possível concluir que o condutor do ..-..-LZ desviou igualmente a trajectória deste para a direita, atento o seu sentido de marcha, vindo a ocorrer o embate entre a parte frontal direita do referido veículo com a frente do motociclo conduzido pelo autor.
O - Ou seja, o automóvel LZ estaria a circular ainda mais à esquerda (atento o seu sentido de marcha), ocupando uma área ainda maior da faixa de rodagem destinada ao sentido da circulação em que seguia o motociclo GC, relativamente àquela cujas medidas da via foram obtidas após a sua imobilização, e a partir das quais é possível determinar o posicionamento de LZ nos cinco metros anteriores ao do ponto do embate, isto é, recuando esta distância e tendo por base o distanciamento de cada um dos eixos relativamente à berma da sua faixa de rodagem teremos uma projeção dessa circulação a 4,18m da berma da direita, atento o seu sentido de marcha.
P – Ora, tendo presente que a largura total da via é de 6,70m, destinando-se 3,35m para cada hemifaixa de rodagem, tal significa que o LZ ao circular a...
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