Acórdão nº 9103/17.1T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução12 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

(…), (...), (…), (…), (…), intentaram a presente acção declarativa de processo comum contra Companhia de Seguros (…), S.A, peticionando a condenação da R. no pagamento aos AA. na qualidade de herdeiros de (…) da quantia de € 426.056,20, sendo € 415.000,00 a título de danos morais, € 7.000,00 respeitantes a danos patrimoniais, € 4.056,20 decorrentes de despesas de funeral, acrescida de juros vincendos calculados à taxa legal até efectivo e integral pagamento; bem como em eventuais danos futuros materiais ou morais nos quais os AA venham a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos nomeadamente, condenação da R. a suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo, com actualização à taxa da subida de custo de vida e da expectativa de maior ganho do A. a saber a prestação mensal (12 meses ao ano) de € 100,00 aos pais e de € 150,00 à viúva .

Para tanto alegaram, em suma, que (…) foi vítima de atropelamento por veículo conduzido por (…), tendo, a responsabilidade civil emergente da circulação de veiculo sido transferida, através de contrato de seguro, para a R. (…), Companhia de Seguros, SA.

A Ré devidamente citada, contestou, alegando que não pode ser imputado ao seu segurado qualquer responsabilidade na produção do acidente, que se deve totalmente ao comportamento do sinistrado.

Foi citado o Instituto de Segurança Social, IP, nada tendo sido peticionado.

Em sede de audiência de discussão e julgamento foi pelos AA. reduzido o pedido de € 4.056,20, referente às despesas com o funeral em € 3.689,00, correspondente ao montante recebido pela A. (…) a título de despesas de funeral, mantendo o restante pedido.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformados com a sentença, vieram os AA. interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): 1. Entendeu o Tribunal que os seguintes factos não estão provados: “O condutor (…) ia desatento e não viu o triângulo”.

“O condutor do veículo circulava desatento e não conseguiu parar a sua viatura, indo embater no peão”.

  1. Os factos supra mencionados decompõe-se em vários elementos, um primeiro elemento referente ao condutor e um segundo elemento referente é um embate no peão.

  2. Segundo o Tribunal recorrido o condutor nada poderia fazer.

  3. Discordamos em absoluto com esta tese por várias razões: 5. Uma primeira razão decorre do senso comum e da constatação que a circulação de um peão na via pública não causa um acidente.

  4. Indicamos como prova a gravação de (…) – Cabo GNR – Destacamento de Trânsito de Setúbal de minutos 6.20 a 13.20, que anexamos.

  5. Indicamos a declaração do condutor a minutos 8.46 a 9.20 onde diz em resposta ao mandatário dos AA: ”O senhor chegou a ver o triângulo?”: “Não, eu na altura não cheguei a ver o triângulo, vi logo o camião”.

  6. Por outro lado, sempre haveria velocidade excessiva, ou seja o condutor que não consegue parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente ainda que, note-se, não tenha excedido a velocidade permitida para a via onde circula.

  7. A forma como ocorreu o acidente é evidente a velocidade excessiva por parte do condutor do veículo segurado na Recorrida, independentemente da velocidade a que circulava, contribuindo para o malogrado e infeliz acidente.

    Da especial obrigação de indemnizar os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas 10. Em virtude da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho o seguro automóvel passou a o cobrir os danos dos peões com base na responsabilidade objectiva.

  8. Como em muitas matérias referentes ao seguro automóvel a redacção da lei é complexa. É curioso como o legislador usa frequentemente formulações complicadas para dizer aquilo que é simples.

  9. O n.º 2 artigo 11.º da DL 291/2007 é um desses casos. Citamos: Artigo 11.º Âmbito material 1 - O seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º abrange: a) Relativamente aos acidentes ocorridos no território de Portugal a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil; b) Relativamente aos acidentes ocorridos nos demais territórios dos países cujos serviços nacionais de seguros tenham aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros, a obrigação de indemnizar estabelecida na lei aplicável ao acidente, a qual, nos acidentes ocorridos nos territórios onde seja aplicado o Acordo do Espaço Económico Europeu, é substituída pela lei portuguesa sempre que esta estabeleça uma cobertura superior; c) Relativamente aos acidentes ocorridos no trajecto previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, apenas os danos de residentes em Estados membros e países cujos serviços nacionais de seguros tenham aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros e nos termos da lei portuguesa.

    2 - O seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º abrange os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas quando e na medida em que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine o ressarcimento desses danos.

  10. No n.º 2, a lei não se limita a remeter para a lei aplicável à responsabilidade civil, a indemnização devida a esta especial categoria de vítimas. Por que razão deveria fazê-lo apenas para estas vítimas? As outras vítimas terão um regime diferente? 14. Interpretar o artigo desta forma, seria retirar qualquer sentido útil ao preceito pois, tal como qualquer outro lesado, os peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas estão abrangidos pelo seguro, que indemniza nos termos gerais da responsabilidade civil.

  11. De facto, o legislador, no n.º 2 do artigo 11.º quis e veio dizer algo de novo que, na nossa opinião, consiste em duas regras: 1 - O princípio geral de que o seguro automóvel abrange os danos sofridos por peões, tal como acontece com os passageiros.

    2- Os danos cobertos são aqueles que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine deverem ser ressarcíveis.

  12. Ou seja, todos danos dos peões, que a lei determina serem ressarcíveis, estão cobertos e abrangidos pelo seguro automóvel.

  13. Um exemplo prático de danos não ressarcíveis, seria o caso de um peão apanhar um susto por um condutor ter buzinado, e ter um eventual dano. Ora, este dano não será digno de ser ressarcível e por isso não está abrangido. Será um mero incómodo, eventualmente.

  14. Dito de outra maneira, os danos dos peões encontram-se sempre cobertos e abrangidos pelo seguro, desde que tais danos mereçam a tutela do direito.

  15. Reconhecemos que a formulação da lei não é a mais clara, mas parece-nos a interpretação possível e mais conforme à Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio.

    Da responsabilidade da Ré 20. Por outras palavras, se a presença da vítima na via pode ser imputável a culpa desta, o embate do veículo seguro na R. com a vítima é imputável também a culpa, ainda que mais reduzida, do respectivo condutor.

  16. Deste modo, conclui-se pela existência de concorrência de culpas entre o referido condutor e a vítima em proporção a determinar de x para o condutor e de y para a vítima.

  17. Por outro lado, sempre será de aplicar a responsabilidade pelo risco, prevista no artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil com uma interpretação actualizada, no sentido de – de acordo com a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça – se admitir a concorrência entre a responsabilidade objectiva e a culpa do lesado; 23. Na nossa opinião a condução do veículo seguro na Ré era uma circulação em velocidade excessiva.

  18. Muito modestamente não podemos aceitar a conclusão de que o veículo seguro na R. não contribuiu “com risco relevante para o acidente” e para a morte da vítima.

    Os AA. impugnam a decisão recorrida com 3 fundamentos distintos, a saber: (i) erro na matéria de facto, devendo ser dado como provado que o condutor não viu o triângulo; (ii) de acordo com uma interpretação actualista do regime do artigo 505.º do CC, imposta pela exigência de uma interpretação conforme ao direito da União Europeia em matéria de seguro automóvel, é de admitir o concurso entre a responsabilidade pelo risco e a culpa do lesado, tese que, devidamente aplicada ao caso sub judice, levará a concluir que os riscos próprios do veículo seguro na R. contribuíram para a ocorrência do sinistro; (iii) além disso, não foi devidamente apreciada a questão da velocidade do veículo seguro na R. que, em função do regime do artigo 24.º do Código da Estrada, deve ser tida como excessiva, bem como o facto de este não ter visto o triângulo por ir desatento, implicando assim que se reconheça a negligência do respectivo condutor.

    Temos nos quais deve ser revogada a presente decisão.» Nas contra-alegações, a (…) concluiu nos seguintes termos (transcrição): «Do recurso sobre a matéria de facto Pretende o recuso que a sentença recorrida deu como não provados os seguintes factos: - O condutor (…) ia desatento e não viu o triângulo.

    - O condutor do veículo circulava desatento e não conseguiu parar a sua viatura, indo embater no peão.

    Não é verdade.

    A sentença recorrida deu como não provado, com alguma conexão com o invocado, apenas o seguinte: - o condutor do veículo com matrícula (…) circulava desatento, não tendo visto o peão.

    De resto, não foi alegado que o condutor não tivesse visto o triângulo, pelo que tal nem sequer poderia ser dado com provado.

    Como também não foi alegado que o condutor circulasse desatento e por isso não tivesse conseguido parar a sua viatura. Com o que tal não poderia também ser dado como provado.

    De qualquer modo, resulta manifesto do depoimento da testemunha (…), mesmo na parte para que se remete na apelação, que o mesmo seguia com muita atenção.

    Assim, o que o recurso pretende que seja dado como provado está em manifesta contradição com o que ficou demonstrado...

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