Acórdão nº 599/15.7T8CLD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2]) 1 - RELATÓRIO AA instaurou a presente ação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB, S.A.

pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento.

Na audiência de partes, não tendo sido possível a composição amigável do litígio, ordenou-se a notificação da R. para apresentar o articulado motivador, o que fez, alegando que a A., sendo responsável pela elaboração dos inventários das secções do talho e da charcutaria e competindo-lhe inserir no sistema os valores que decorriam das contagens e das pesagens efetuadas pelos trabalhadores das respetivas secções, adulterou os valores nos inventários de 30 de Outubro de 2014 (inventário geral ao talho), de 7 de Novembro de 2014 (inventário ao suíno), de 14 de Novembro de 2014 (inventário ao bovino) e de 17 de Novembro de 2014 (inventário ao suíno), de forma a obter excesso na carne de maior valor que, no final e atento o valor de stock apresentado pelo sistema, ia apresentar um benefício maior no inventário.

Por outro lado, a A. comunicou à responsável pelo talho para não lançar a quebra diária, o que lhe permitia controlar os valores de inventário.

Na secção de restaurante, pela qual também era responsável, o empadão de alheira entrado na loja em Setembro e com um prazo de validade de 3 dias, manteve-se em inventário até Novembro.

Notificada do articulado da R., a A. apresentou contestação, sustentando a ilicitude do despedimento por não se verificarem os motivos justificativos do mesmo e deduziu reconvenção, peticionando a condenação da R. a pagar-lhe a quantia € 44.932,80, assim discriminada: “a. indemnização calculada nos termos do art.º 391.º do Código do Trabalho no montante de € 41.932,80; b. o montante referente a retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do mesmo acrescido de juros à taxa legal até ao efectivo pagamento; c. indemnização por danos morais no montante de € 3.000,00, conforme peticionado supra”.

Notificada, a R. respondeu impugnando os factos alegados, defendendo a improcedência da reconvenção.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento foi proferida a sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência:

  1. Declaro lícito e regular o despedimento da A., AA Ramos, efectuado pela R., “BB, S.A.”; b) Absolvo a R. do pedido reconvencional contra si formulado pela A.» Inconformada, a A. apelou impugnando, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto.

    A Relação escusou-se de apreciar o recurso no que tange à reapreciação da matéria de facto por considerar não terem sido cabalmente cumpridos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, tendo sido proferida a seguinte deliberação: «Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente, com integral confirmação da decisão impugnada.

    Custas a cargo da recorrente».

    Desta deliberação recorreu a A. de revista excecional para este Supremo Tribunal, por considerar haver relevância jurídica e por se impor uma melhor apreciação do direito. Arguiu também a nulidade do acórdão, invocando que o mesmo não especificava os fundamentos de facto e de direito que justificavam a decisão e por omissão de pronúncia.

    O recorrido contra-alegou.

    O Tribunal da Relação deliberou «julgar improcedente a invocada nulidade do acórdão».

    Neste Supremo Tribunal, conhecendo do recurso de revista excecional, a formação prevista no art. 672º, nº 3 do CPC considerou não existir uma situação de dupla conforme pelo facto da Relação ter rejeitado o recurso no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto por inobservância dos requisitos expressos no art. 640º do CPC, e proferiu a seguinte deliberação: «Termos em que se acorda:

  2. Indeferir o interposto recurso de revista excepcional, por falta dos respectivos pressupostos; b) Determinar que os autos prossigam como recurso de revista, nos termos gerais.» Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista.

    Notificadas, as partes não responderam.

    Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: ”33. Urge o presente Recurso de Revista excepcional pois que é necessário uma melhor aplicação do direito no sentido estrito, de forma a permitir o acesso à justiça plena no presente caso.

    1. O Recurso ora interposto configura recurso de revista de carácter excecional, previsto no art. 672º, nº 1 do CPC, uma vez que se entende em nosso modesto entender estar em causa apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para melhor aplicação do direito, até porque estão em causa interesses de extrema relevância social.

    2. Em 1ª instância e após realização de Audiência de discussão e Julgamento foi proferida sentença que de acordo com a fundamentação aduzida entendeu que o despedimento do Autor foi lícito e regular.

    3. Desde logo se entendeu no Acórdão recorrido, não proceder à apreciação da matéria de facto impugnada, com alegada inobservância do disposto no art. 640º, nº 2, al. c).

    4. Não aceita a recorrente tal conclusão pois que, especificou os concretos depoimentos em que fundou a sua discordância, o facto de ter indicado a totalidade do depoimento de cada testemunha não se encontra destituído de senso, pelo contrário, a matéria impugnada reveste alguma complexidade e saberes técnicos, pelo que o depoimento quanto à matéria impugnada e bem assim os factos que assentam na discordância da mesma, sustentam a invocação lógica de que assume relevo a audição de todo o depoimento invocado e não só de alguns concretos excertos do mesmo, sendo que descontextualizado não se alcançará o concreto facto que se pretende impugnar.

    5. Assim, não se poderá de modo algum assumir que a recorrente não indicou as concretas passagens que pretendia fossem ouvidas e que constituíam fundamento da sua discordância, pelo contrário a recorrente indicou concretamente quais as concretas passagens a analisar, especificando-as.

    6. De modo nenhum à recorrente está vedado o recurso a impugnação da matéria de facto com base em partes de depoimento de cada testemunha, é pertinente como o foi no concreto causa que para impugnação de determinada matéria de facto seja imprescindível a audição do depoimento concreto ainda que total de determinada testemunha.

    7. A acrescer a tal a recorrente indicou sempre para cada uma das testemunhas as concretas passagens dos seus depoimentos, não se limitando a indicar o início e o fim da audição da prova gravada.

    8. A recorrente indicou, especificando quais as concretas passagens que pretendia fossem ouvidas a fim de sustentar a sua pretensão de impugnação da matéria de facto.

    9. Em lado nenhum lhe está vedada a pretensão de pretender justificadamente a audição da totalidade do testemunha, sendo que somente tal permite sustentar idoneamente em sua opinião a impugnação da matéria de facto realizada.

    10. Assim não podemos aceitar a consideração de que a recorrente não cumpriu o ónus previsto no art. 640º, nº 2, al. a) do C.P.C, pois que o cumpriu devidamente conforme supra argumentado.

    11. Em conformidade impõe-se assim a reapreciação da matéria de facto impugnada nos termos requeridos.

    12. Além disso cremos que da factualidade provada não é possível estabelecer o nexo causal entre o grau de culpa do trabalhador, a prática de infracção disciplinar, os advenientes prejuízos graves e por último a impossibilidade de manutenção da relação laboral.

    13. A lei exprime-se através de uma cláusula geral e de conceitos indeterminados para assim permitir uma adaptação do direito às particularidades de cada caso.

    14. A noção de impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho é um conceito normativo-objectivo.

    15. Assim, e conform[e] aludido já supra, a justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de três requisitos ou pressupostos: - a existência de um comportamento culposo do trabalhador (requisito subjectivo); - a verificação da impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (requisito objectivo); - a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

    16. Para legitimar um despedimento, não basta alegar a perda de confiança da entidade patronal no trabalhador, sendo necessário, produção de prova, de que a violação dos deveres laborais seja objectiva e subjectivamente grave, no domínio da ilicitude e da culpa, como é próprio do direito sancionatório, o que não sucede in casu.

    17. A justa causa de despedimento pressupõe, portanto, a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador, a título de culpa, violadora de deveres emergentes, do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.

    18. Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-‑se ao entendimento de critérios objectivos razoáveis, em face do circunstancialismo concreto.

    19. A prova carreada, quer para os autos de processo disciplinar, quer posteriormente em sede judicial, não demonstrou que a trabalhadora tivesse actuado de forma dolosa, sendo que a conduta reportada nos autos não pode nunca justificar o despedimento, não se adequando à mesma a sanção última do ordenamento disciplinar.

    20. O tribunal a quo limitou-se a fazer uma descrição genérica dos factos, partindo inclusive de factos dado como provados, que cremos, não o podiam ter sido, determinando que a sanção aplicada é proporcional à conduta perpetrada pela A., referindo a existência de perda de confiança sem no entanto o fundamentar adequadamente.

    21. Parece resultar da...

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