Acórdão nº 488/21.6T8CNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Carlos Moreira Adjuntos: João Moreira do Carmo Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

L..., LDA. instaurou contra E-REDES –DISTRIBUIÇÃO DE ELECTRICIDADE S.A., ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

Alegou, em síntese: Explora um lar de idosos, cujo fornecimento de energia é efetuado pela ré, enquanto concessionária do respetivo serviço público, tendo ali instalado um elevador residencial elétrico, que é periodicamente sujeito a inspeção e manutenção e que é diariamente utilizado para deslocação dos 36 idosos que residem naquelas instalações, cujos quartos se sitiam no 1.º piso.

Há vários meses que têm ocorrido inúmeras avarias na instalação elétrica do Lar, devido à oscilação da corrente e baixa tensão verificada na rede de corrente elétrica que alimenta o edifício, impedindo nomeadamente a utilização do elevador.

Essa situação, que nunca obteve resolução por parte da ré, levou a que a autora se visse forçada a reforçar a atividade e carga horária dos seus funcionários, por forma a colmatar as falhas decorrentes da impossibilidade de usar o elevador, através do transporte dos idosos pelas escadas, o que lhe importou um custo acrescido de € 8 355,84.

Por outro lado, a autora já suportou o pagamento de € 1 484,77 pelos serviços prestados com vista à reativação do funcionamento do elevador, sendo ainda necessário proceder a uma intervenção técnica no mesmo que custa € 4 694,92.

As referidas avarias têm provocado na autora constantes preocupações e incómodos, merecedores de uma compensação, por danos não patrimoniais.

Pediu: Que a ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor global de € 19 521,25, bem como na reparação definitiva da tensão na rede de corrente eléctrica que alimenta o elevador.

A ré contestou.

Alegou que na sequência das reclamações da autora, tomou as providencias necessárias à indagação do problema, concluindo que não existiam quaisquer anomalias no fornecimento da energia elétrica conduzido até à instalação de consumo da ré, não se verificando oscilações de tensão fora dos parâmetros regulamentares; Impugnou os valores indicados a título de prejuízo patrimonial e rejeitou a existência de danos não patrimoniais na esfera jurídica da autora.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Face ao exposto, julgo totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo a ré E-Redes – Distribuição de Electricidade S.A. dos pedidos contra si formulados pela autora.».

  2. Inconformada recorreu a autora.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I. A Apelante, não se conformando com a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, vêm dela interpor o presente Recurso de Apelação assente, essencialmente, em três pontos: a. Nulidade da Sentença nos termos da alínea c), do número 1, do artigo 615.º do CPC. b. Impugnação da matéria de facto – erro na apreciação da prova – artigo 662.º do CPC. c. Omissão de Pronúncia – alínea d), do número 1, do artigo 615.º do CPC.

    II. Concretamente, a Douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância enferma de vícios e contradições na exposição dos factos que a Meritíssima Juíza deu como provados e não provados, nomeadamente, nomeadamente, quando dá como provado, por um lado, que ocorreram inúmeras avarias no elevador existente nas instalações da Apelante, motivadas por uma interrupção da corrente elétrica que alimenta o seu funcionamento e, por outro lado, que os registos de valores de tensão da corrente elétrica que alimenta o edifício estão acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector, mas não dá como provado que aquelas avarias decorressem das oscilações de corrente e baixa tensão provenientes da rede elétrica explorada pela Apelada.

    III.

    Em face do exposto, verificamos uma clara contradição entre a factualidade dada como provada e a sua subsunção ao direito, com especial relevo para a decisão da causa, assim discordando da Douta Sentença, pelas razões que infra melhor se descrevem.

    Nulidade da Sentença nos termos da alínea c), do número 1, do artigo 615.º do CPC: IV. Neste aspeto, começa a Meritíssima Juíza a quo por referir na Douta Sentença, relativamente aos factos que resultaram provados da discussão da causa, descritos nos pontos 1 a 8, consensualmente aceites e documentalmente provados, que “a demonstração dos factos relativos ao funcionamento do Lar explorado pela autora e aos constrangimentos decorrentes das avarias ocorridas no elevador, assentou, sobretudo, no depoimento testemunhal da directora técnica daquela instituição, AA, que explicou ao tribunal, num tom sereno e esclarecido, a forma como o Lar está organizado, e fez uma resumida caracterização da sua ocupação, dizendo que a maioria dos utentes que ali residem dependem da prestação de cuidados por terceiros, locomovendo-se através de cadeira de rodas, o que implica uma afectação de funcionários 24h/dia.” (sublinhado nosso).

    V. Mais afirmou a testemunha AA (arquivo 20220209095444_2955602_2870746), Diretora Técnica da Instituição, conforme ficou assente na motivação da matéria de facto, “que os quartos se situam, todos, no 1.º piso do edifício, as avarias sofridas no funcionamento do elevador – que disse terem começado a ocorrer, com mais frequência, a partir de 2019 – repercutiram-se na gestão funcional do Lar, havendo necessidade de afectar mais pessoas para realizar o transporte e acompanhamento dos doentes entre os quartos e os espaços de refeições e convívio, o que acontece, por norma, duas vezes por dia, sobrecarregando o trabalho dos funcionários, que nessas ocasiões foram chamados para ajudar, explicando, a esse propósito, a referida directora técnica, que foi colmatando essas necessidades, nomeadamente, através do recurso a pessoal de prevenção, tendo ainda sido instalada uma plataforma/cadeira eléctrica como alternativa, mas que acabou por ser uma solução pouco satisfatória, face ao tempo de duração de cada deslocação.” (destacado e sublinhado nosso).

    VI. Ora, tratando-se de uma Instituição para idosos, questionada a Diretora Técnica sobre a dependência dos idosos, afirmou que se tratam de utentes de idade avançada e que “90% dos utentes são completamente dependentes ou têm uma dependência muito grande”, de “mobilidade reduzida” e “dependendo dos funcionários da instituição a tempo inteiro” (minutos 02’54 a 04’21). Posto isto, afirmou a testemunha que a Apelada, face às avarias do elevador, foi obrigada a adquirir uma cadeira elétrica para deslocação dos idosos, mas que devido ao tempo de duração de cada deslocação acabou por não servir de alternativa (minutos 05’00 a 06’12).

    VII. Pelo que se chegou, assim, e bem, a uma convicção do Douto Tribunal acerca da factualidade descrita nos pontos 9 a 11 e 25 a 30 do elenco da matéria de facto, quendo descreve que “em face da realidade que nos foi dada a conhecer, sendo, por exemplo, inteiramente aceitável e crível que o transporte “a braços” de 36 utentes, entre pisos, demore cerca de 2 horas a ser efectuado (o que pressuporia entre 6 a 7 minutos para transportar cada doente).” (sublinhado nosso).

    VIII. Assim, todos estes factos dados como provados, assentes no depoimento da Diretora Técnica AA, que explicou ao tribunal, num tom sereno e esclarecido, e pela lógica e saber empírico (palavras da Meritíssima Juíza), o funcionamento da Instituição, estão em total contradição com os factos dados como não provados, concretamente o ponto E) quando dá como não provado que “[…] a autora tem vindo a suportar, há vários meses, custos acrescidos com o pagamento do vencimento do trabalho que é desempenhado a mais pelas funcionárias, o qual não seria necessário na hipótese de o elevador funcionar na sua plenitude.” (sublinhado nosso).

    IX. Do mesmo modo, pelo depoimento prestado e pela convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados, acima descritos, estão em completa contradição com o ponto F) dos factos não provados quando refere que “desde o dia 19.09.2020, a autora passou a ter 4 funcionários em simultâneo para prestar o serviço de transporte dos 36 utentes, quer no período da manhã quer no período da tarde, despendendo a mais, com a remuneração daqueles, a quantia diária de € 30,72 por dia, o que totalizou, até à instauração desta acção, a quantia de € 8 355,84.” (sublinhado nosso).

    X. Para que não restem dúvidas, foi dito pela Diretora Técnica, questionada pelo Mandatário da Apelante sobre “quantos funcionários necessitam para fazer essa deslocação dos utentes todos?” (minutos 07’23 a 07’30), que “em períodos normais com elevadores a funcionar nós temos 2 funcionários e quando o elevador está avariado eu tenho de chamar alguém que esteja de prevenção e são 4 funcionários pelo menos”, “porque se não vai implicar os utentes ficarem ali muito tempo por isso enquanto 2 estão a meter na cadeira as outras duas vão deitando para não ser um processo tão longo.” (minutos 07’31 a 07’55).

    XI. Posto isto, não se vislumbra, portanto, qualquer sentido lógico em o Douto Tribunal dar como provado e assente a necessidade de afetar mais funcionários para realizar o transporte e acompanhamento dos doentes entre os quartos e os espaços de refeições e convívio, havendo necessidade de efetuar o transporte “a braços” de 36 utentes, entre pisos, calculando até a Meritíssima Juíza na Sentença recorrida (pág. 11) o tempo que demora o transporte a “braços” de cada utente, para, em manifesta contradição, julgar como não provado os pontos E) e F) dos factos não provados! XII. Por outro lado, os técnicos BB e CC, ambos trabalhadores na área dos serviços de manutenção prestados pela TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda., que por dezenas de vezes tiveram de se deslocar à Instituição para repor o funcionamento do elevador, foram perentórios em afirmar que as quebras de funcionamento do elevador são decorrentes das baixas de tensão verificadas na corrente elétrica que alimenta o...

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