Acórdão nº 1758/10.4TBPRD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA e mulher BB instauraram acção popular contra CC, DD, EE, FF, GG e HH.

Pediram a condenação dos réus: 1. A reconhecerem a natureza pública do caminho do ... que liga a Rua de ..., freguesia de ..., à Rotunda dos ..., E.N. 000, freguesia de ..., ambas do concelho de ...; 2. A reporem o caminho no estado em que se encontrava antes da construção do muro; 3. A restituírem ao domínio público a parte do caminho que com a construção do muro se apropriaram; 4. A absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de uso do referido caminho; 5. A absterem-se da prática de quaisquer actos que dificultem ou impeçam a livre circulação pelo caminho.

Como fundamento, alegaram que são donos do prédio rústico descrito no artigo 1° da p.i. e os RR. donos do prédio descrito no artigo 2° do mesmo articulado, sendo que este confronta a norte e poente com caminho público. Desde tempos imemoriais que, pelos prédios dos AA., RR. e demais proprietários de prédios confinantes, existe um caminho com largura de 3,50 a 5 metros, sempre usado pelas gentes da terra, com início próximo à actual rotunda de acesso à A00 e término na Rua de ..., sendo interceptado pela Travessa do ... e reconhecido pelos populares e pela Junta de Freguesia de ... como o caminho de ligação à feira do ..., ..., .... Os RR. construíram um muro de vedação do seu terreno, licenciado pela CM de .... Antes da construção do muro foi explicado e identificado o caminho público aos RR.. Com esta construção, os RR. taparam o caminho, impedindo os AA. e público em geral de por ali circularem. A CM de ... e a Junta de Freguesia de ... inseriram o caminho na toponímia da freguesia de ....

Os RR. contestaram alegando que o prédio identificado no artigo 2° da p.i. não é aquele sobre o qual existe o caminho público alegado pelos AA.; os terrenos contíguos ao terreno de II, S.A., pelo Sul deste, pertencem aos RR., individualmente; o acesso para a feira do ... ou outras é feito há mais de 50 anos pela EN 000, existindo, quando muito, um atravessadouro; há mais de 20 anos que ninguém vai de ... à Feira do ... a pé e se o faz não é pelos terrenos dos RR; o muro foi licenciado junto da CM de ... e da E.P., não havendo vestígio do caminho reivindicado como público na planta fornecida pelo departamento do Urbanismo nem foi catalogado na Toponímia de ... em Maio de 2005 ou anteriores; confirmam a construção do muro de vedação mas alegam a existência de outros acessos aos prédios dos AA., impugnando o demais alegado.

Os AA. replicaram alegando desconhecer as delimitações de cada um dos prédios pertencentes aos RR., não podendo identificar concretamente sobre qual dos prédios dos RR. se situa o leito do caminho público objecto da acção, sendo certo que todos foram objecto de embargo de obra pela Câmara Municipal de ..., registado em todas as descrições prediais, impugnando o demais alegado pelos RR..

Foi admitida a intervenção principal de JJ e mulher KK, LL e mulher MM, NN e FREGUESIA DE ....

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença, julgando-se a acção improcedente e, em consequência, absolvendo-se os RR. do pedido.

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação que a Relação julgou procedente, revogando a sentença recorrida e condenando os Réus a: 1. Reconhecerem a natureza pública do caminho do ... que liga a Rua de ..., freguesia de ..., à Rotunda dos ..., E.N. 000, freguesia de ..., ambas do concelho de ...; 2. reporem o caminho no estado em que se encontrava antes de ser vedado com a construção do muro; 3. restituírem ao domínio público a parte do caminho de que, com a construção do muro, se apropriaram; 4. se absterem da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de livre circulação e uso do referido caminho.

Os réus vêm agora pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: I- Decidiu mal a decisão recorrida ao alterar a resposta à matéria de facto, por insuficiência de fundamentos para essa alteração e violação do principio do contraditório em relação à matéria nova acrescentada à alínea G) dos factos provados com as consequências daí retiradas, e a nosso ver, independentemente dessa alteração ao decidir classificar o caminho em causa, como caminho publico.

II- Nada nos autos permite concluir que a mata dos ... que os autores identificam na petição seja precisamente a mata de entre as várias dos RR, no local, por onde o traçado do caminho objecto da reivindicação se desenvolve, antes pelo contrário, não se podendo por isso retirar qualquer conclusão com relevância para a decisão a respeito de antigas confrontações indicadas na descrição predial.

III- Assim da matéria provada não resulta que sobre a faixa identificada na petição a norte dos prédios dos AA, houvesse qualquer posse desde tempos imemoriais há mais de cinquenta anos de forma livre por todas as pessoas da terra muito menos que esse uso satisfizesse interesses colectivos relevantes.

IV- A primeira e segunda conclusão do recurso constituem jurisprudência pacífica e unânime em inúmeros acórdãos do STJ , muitos dos quais citados na decisão recorrida de que salientamos os referidos no artigo 1º e no plano dos tribunais administrativos o referido no artigo 2º destas alegações, após a prolação do assento n.º 4/89, que constituindo a interpretação mais merecida do referido assento não merece crítica, antes pelo contrário, não permitindo contudo a classificação do caminho dos autos como público.

IV- Segundo Paulo Pimenta, Factos Essenciais (artigo 5° n.º 1 e 5° n.º 2 alínea b) são aqueles de cuja verificação depende a procedência das pretensões deduzidas; Factos Instrumentais são aqueles que permitem a prova indiciária dos factos essenciais.

De entre os factos essenciais distingue os seguintes: Nucleares - Constituem o Núcleo Primordial da Causa de Pedir (ou da excepção) desempenham uma função individualizadora ou identificadora ao ponto da respectiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial (ou nulidade da excepção) Complementares - São os cumprimentadores de uma causa de pedir (ou de uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos uns constitutivos do núcleo principal outros complementares daquele.

Acrescem aos factos nucleares, preenchem em conjunto com a fatispecie normativa do efeito pretendido, com a acção ou com a excepção; é de natureza do que é complementar acrescentar algo ao que pré existe, no caso pré-existe o facto nuclear.

Concretizadores - Tem por função pormenorizar ou explicitar o quadro fáctico exposto, sendo exactamente essa concretização dos factos anteriormente alegados que se toma fundamento para procedência da acção ou da excepção.

Pormenorizam, minuciam, explicitam ou particularizam factos (nucleares ou complementares) já alegados; daí resulta a plena assunção do facto nuclear ou complementar; Campo de Aplicação: alegações vagas, genéricas, imprecisas ou dúbias V- Pessoalmente cremos que os factos novos acrescentados na alínea G) dos factos provados pela segunda instância, pela importância e significado que lhe foi dado para a decisão da causa, constituem factos nucleares dentro da categoria de factos essenciais, por nos parecer que tais factos não complementam nem concretizam nada do que os autores tenham alegado na PI, não encontrando abrigo na referência a alegação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5° do NCPCivil, porém, VI- Seguindo o pensamento de Paulo Pimenta, nomeadamente olhando aos exemplos que dá, tender-se-á a considerar que os referidos factos constituem factos essenciais complementares, portanto não precludidos pela não alegação na petição desde que resultem da instrução do processo e às partes tenha sido dada a oportunidade para sobre eles se pronunciarem (artigo 5° n.º 2 al b) do NCPCivil).

VII- A apreciação de factos essenciais ainda que complementares só pode ser feita se tiver sido dada à contraparte a oportunidade de sobre eles se pronunciar nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5° do NCPCivil.

VIII- O facto essencial para a decisão da pretensão jurídica solicitada que não foi alegado pela partes na primeira instância não pode ser tido em conta em sede de recurso. (cf. Acórdão Relação de Coimbra de 22/09/2015, processo 60/14.7TBSAT.Cl).

IX- O principio do contraditório na apreciação de matéria nova, ou factos essenciais ainda que complementares não alegados nos articulados, não é respeitado...

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