Acórdão nº 927/13.0TBMCN.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | FÁTIMA GOMES |
Data da Resolução | 14 de Maio de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de JustiçaI. Relatório 1.
AA E BB, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, que veio a assumir a forma de ACÇÃO POPULAR, contra CC, peticionando o seguinte:
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Que seja declarado que o caminho ou rua ... é um caminho público, que se inicia na EN 108 ou rua ... e faz a ligação à Travessa ..., para a qual dá acesso, tendo o seu leito a dimensão média de 4 metros, sendo que junto à casa do réu atinge a largura de 8 metros e atrás da casa forma um largo com a dimensão de 20 metros aproximadamente; b) Que o réu seja condenado a reconhecer a existência do aludido caminho público denominado rua ..., com as descritas características e a proceder à imediata desobstrução do caminho, bem como à imediata demolição das construções que implantou sobre parte do seu leito, retirando as pedras, rede, esteios, arbustos e árvores e genericamente qualquer bem que constitua obstáculo à passagem sobre esse leito e/ou de algum modo perturbe a passagem para os prédios dos autores, com as legais consequências; c) Que o réu seja condenado a proceder à restituição do trato de terreno aludido, demolindo as construções que construiu e obstáculos que impedem o trânsito sobre o mesmo, retirando ainda a parte de cimento que junto à sua residência colocou sobre o leito do caminho, o qual era em terra batida e a abster-se de sobre o mesmo praticar quaisquer actos que diminuam ou impeçam a sua normal fruição; d) Que seja declarado que, em consequência da ocupação e obstrução criadas pelo réu sobre o leito do caminho, os autores ficaram impossibilitados de usufruir, cuidar e cultivar os seus prédios normalmente, o que foi gerador de prejuízos patrimoniais, os quais só serão totalmente conhecidos quando o caminho estiver totalmente livre à passagem; e) Que o réu seja condenado a indemnizar os autores pelos prejuízos por estes sofridos em consequência da privação de passagem e a liquidar em execução de sentença; f) Que o réu seja condenado a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante de € 50,00, por cada dia que decorra, transitada em julgado a sentença, sem que se mostre cumprido o que se estabelece nas alíneas anteriores.
Como fundamentos de tais pretensões, invocaram, em suma, que são donos e legítimos possuidores da quinta ..., da vinha ... e de um prédio urbano, respectivamente inscritos nas matrizes prediais sob os artigos 312.°, 314.° e 207.° e descritos a seu favor na Conservatória do Registo Predial do ... sob os n.°s 1939/20130502, 1938/20130502 e 1928/20130502, respectivamente, todos adquiridos por sucessão hereditária; o réu é proprietário do prédio misto denominado "cerrado do ... ou leira dos ...", inscrito na respectiva matriz sob os artigos 990.° e 315.° e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.° 421/19920930; este prédio confronta a poente com caminho público, embora o réu tenha ardilosamente participado às Finanças, em 2008, que o mesmo confrontava com caminho e DD, apropriando-se assim indevidamente de terreno público; o acesso aos prédios dos autores sempre foi feito através de um caminho público que nasce na EN 108 e liga o lugar de ... ao do ..., o qual passa junto ao prédio do réu, com o qual é confinante do lado poente, seguindo em direcção à travessa do ...; tal caminho é denominado de "caminho do ..." e tem desde 2007 a designação toponímica de "rua do ..."; essa rua é delimitada por muros de ambos os lados e na sua parte final é interceptada por outro caminho público, designado por travessa do ..., o qual tem início na rua do ... e segue em direcção ao lugar de ..., ficando transversal à rua do ..., permitindo, no entanto, apenas a passagem a pé, por nele existir uma forte levada de água; sempre os autores, seus ante possuidores, caseiros, trabalhadores agrícolas e qualquer pessoa que pretendesse deslocar-se aos prédios daqueles utilizavam o indicado caminho do ..., ininterruptamente e sem oposição de ninguém, estando no uso directo e imediato desde tempos anteriores à memória das pessoas vivas; tal caminho foi mantido sob jurisdição e administração da Junta de Freguesia de ..., estando afecto ao uso público e satisfazendo interesses colectivos relevantes, como meio de aceder do lugar do ..., ... e ..., além do acesso a propriedades privadas e também aos moinhos e até para aceder ao rio ...; o mesmo sempre esteve cotiado, fruto do trânsito de pessoas a pé e com carro de bois/tractor e até veículos ligeiros de mercadorias; o réu, beneficiando da inércia das autoridades administrativas, foi, desde finais de 2005, colocando obstáculos sobre o leito desse caminho, na parte em que o mesmo conflui com a travessa de ..., aumentando cada vez mais a zona da sua ocupação, com arbustos, pedras, rede e esteios, tendo ainda colocado cimento e procedido à ampliação da sua casa; com tal ocupação, os autores ficaram privados da passagem sobre o caminho público, o qual é o único acesso não pedonal possível às suas propriedades; o que lhes tem causado milhares de euros de prejuízos anuais, por estarem impossibilitados de cultivar a quinta e arrendar as suas casas.
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Devidamente citado, veio o réu apresentar a sua contestação, pugnando pela total improcedência da acção e consequente absolvição do pedido, bem como pela condenação dos autores como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa e indemnização a seu favor em valor não inferior a €3.000,00.
Em sede de argumentação, descreveu, em súmula, o seguinte: o seu prédio confronta de norte com EE, de sul com caminho público, de nascente com FF e poente com caminho público; o acesso ao prédio dos autores sempre se fez, não pelo caminho que alegam na petição inicial, que é um caminho de servidão, mas através de um de dois caminhos públicos: a) com início, em ..., antes das diversas construções erigidas no local, tinha o seu início em ... e o seu termo em ...; b) junto da EN 108, entrando no caminho público denominado do ..., actual rua do ..., entroncando tal caminho público com o caminho referido em a) e ali direccionando-se quer para ..., quer para o ...; entrando na EN este último situa-se à esquerda, estando o seu leito implantado entre uma corte de gado, propriedade do falecido Sr.
º ... e a propriedade do Sr.
º ..., numa extensão de 110 metros, até entroncar com o outro caminho, vindo do ... e em direcção a ...; actualmente tais caminhos são muito pouco usados; para aceder ao seu prédio urbano, o R utiliza um caminho de servidão que se situa junto à EN ... e do lado direito do indicado caminho do ..., o qual também serve os prédios de EE e mulher, FF e mulher e do falecido GG; nunca os autores ou alguém a seu mando ou a população em geral utilizaram tal caminho, o qual foi implantado em parte dos terrenos cedidos por aqueles, terminando quando começa a propriedade do réu; a Junta de Freguesia apenas deu alguns cubos para o seu calcetamento, por se tratar do ano de eleições, para ali serem colocados, mas o seu reparo e conservação, ao longo dos anos, foi feito pelas referidas pessoas; há mais de 20 anos que a propriedade dos autores está votada ao abandono, não passando os prejuízos alegados de mera fantasia; os autores alegam propositadamente matéria falsa, para tentarem obter um resultado judicial que bem sabem, de outra forma, não o conseguirem, litigando assim de má-fé.
Veio a ser realizada audiência prévia tendo os AA sido convidados a corrigirem a p.i. concretizando os danos alegados, convite que aqueles aceitaram, tendo sido cumprido o contraditório.
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Notificados dos autores para esclarecerem se pretendiam configurar a presente causa como ACÇÃO POPULAR, aqueles responderam em sentido afirmativo, passando os autos seguir a disciplina da acção popular, tendo sido cumprido do disposto nos artigos 15.° e 16.°, ambos da Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto.
Foi citado o Ministério Público.
HH, HH E JJ, vieram declarar aderir à tese dos autores, aceitando o processo na fase em que o mesmo se encontrava e pretendendo ser por aqueles representados.
Foi proferido despacho saneador do processo, que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, prosseguindo a acção para julgamento.
Veio a ser realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
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No final, o tribunal proferiu sentença que decidiu a acção da seguinte forma: "I) Julgar a presente acção totalmente improcedente por não provada e, por via disso, absolver o réu CC de todos os pedidos formulados pelos autores AA e BB; 2) Absolver os autores AA e BB do pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pelo réu CC.
As custas ficam a cargo dos autores, fixando-se a respectiva responsabilidade no montante máximo a que alude o artigo 20. °, n. ° 3, da citada Lei 83/95- cfr. ainda artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil".
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Inconformados com a sentença, os AA AA E BB interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto conhecido do recurso e proferido acórdão em que decidiu: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso e em consequência, decidem: -Alterar a matéria de facto nos termos supra expostos; -Revogar a sentença proferida, declarando-se que o Caminho do ... ou Rua ..., é um caminho público, que se inicia na Estrada Nacional ... e faz ligação á Travessa de ..., para a qual dá acesso, tendo o seu leito a dimensão média de 3 metros; -Condenar o Réu CC a reconhecer o caminho com tais características e a proceder á sua desobstrução, retirando todo e qualquer obstáculo á passagem, nomeadamente as pedras de grandes dimensões, esteios, rede e arbustos, restituindo o trato de terreno de que se apropriou e a abster-se de praticar qualquer acto que impeça a normal fruição do identificado caminho público.
Custas pelo Réu.” 6.
Inconformados, recorreram os RR. e apresentaram as seguintes conclusões (transcrição), pelas quais se delimitam as questões a conhecer no recurso, com eventual...
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