Acórdão nº 5164/07.0TTLSB-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1.

AA deduziu no Tribunal do Trabalho de Lisboa incidente de liquidação contra: BB, Lda.

Pedindo que o valor pecuniário devido pela R. seja fixado em € 63.078,55, acrescido de juros moratórios.

Alegou para o efeito e em síntese que: Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/5/2013, foi a Ré condenada a pagar ao Autor “os valores pecuniários devidos, a título de alojamento, alimentação e viagens ao ..., que tenha efectuado, nos exactos termos e períodos de tempo consignados nos pontos 21 e 22 dos factos provados, a apurar em sede de liquidação”.

E esses valores devidos pela Ré ao Autor correspondem a: - Desde 15/11/2000 até 31/10/2001, o Autor habitou uma casa pagando mensalmente de renda o montante € 598,56; - De 1/11/2001 até Setembro de 2004, o Autor habitou outra casa, pagando mensalmente de renda € 500,00, a que acrescia os custos com o condomínio e consumo de gás; - Entre 15/11/2000 e 28/12/2006, o A. despendeu diariamente a quantia de € 20,00, com alimentação, devendo ser descontado o valor dos subsídios de alimentação pagos pela Ré; - Com a viagem ao ..., entre Fevereiro e Março de 2004, o Autor despendeu € 905,54.

Por conseguinte, o Autor liquida o valor pecuniário devido pela Ré nos seguintes termos:

  1. A título de alojamento: € 26.225,39; b) A título de alimentação: € 35.947,62; c) A título de viagens ao ...: € 905,54.

    Tudo num total de € 63.078,55, a que acrescem os juros moratórios legais vencidos e contados desde a notificação à Ré da presente liquidação efectuada pelo Autor.

    Deve, assim, a Ré ser condenada no pagamento dessa quantia.

    1. A R. apresentou contestação argumentando, em síntese, que: Apenas reconhece que é devedora da quantia de € 13.033,04, nada mais sendo devido ao Autor.

      Acresce que disponibilizou habitação ao Autor e nunca o autorizou a arrendar casa em substituição da habitação que pôs ao seu dispor.

      O Autor nunca lhe solicitou o reembolso das rendas que agora invoca ter pago, nem tão pouco lhe entregou ou mostrou o respectivo contrato de arrendamento, que também só agora alega ter celebrado. E as despesas que apresenta relativas ao condomínio e consumos de gás não estão nem nunca foram incluídos no direito a alojamento contratado.

      Quanto ao valor diário da alimentação a considerar tem que se atender que a Ré, em 2006, pagava a título de subsídio de refeição € 11,00 por dia e não a quantia que é pedida.

      Aceita o valor reclamado pelo Autor relativamente ao custo da viagem ao ....

    2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, em 2 de Junho de 2015, com o seguinte dispositivo: «O Tribunal, considerando o incidente de liquidação parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provado, decide: a) Condenar a Ré pagar ao Autor a quantia de 13.033.04 €, à qual deverão acrescer os juros de mora devidos, à taxa legal em vigor, nos termos do art. 559º do CC, contabilizados desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.» 4. Inconformado, o A. apelou, impugnando a decisão quer quanto à matéria de facto, quer quanto à aplicação do direito.

    3. Mediante Acórdão exarado em 13 de Julho de 2016, o Tribunal da Relação de Lisboa deliberou nos seguintes termos: «Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterando a sentença recorrida, liquidam a dívida da Ré para com o Autor em € 19.713,39 (Dezanove Mil, Setecentos e Treze Euros e Trinta e Nove Cêntimos), condenando-se a Ré a pagar essa quantia ao Autor, acrescida de juros de mora devidos à taxa legal em vigor, nos termos do art. 559º do CC, contabilizados desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.

      Custas em ambas as instâncias a cargo de Autor e Ré, na proporção de 1/3 para o Autor e 2/3 para a Ré.» 6. Irresignada a R. interpôs recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

      1. Bem andou a Douta Sentença do Tribunal de 1a Instância, ao passo que o Tribunal da Relação condenou aleatoriamente quantias sem para tanto existir nem fundamentação jurídica, nem matéria de facto provada.

      2. O STJ condenou a Ré a pagar as quantias efectivamente pagas, a título de alojamento, e a apurar em sede de liquidação.

      3. A Relação enquanto instância de recurso pode alterar as decisões de facto de 1a instância desde que tal resulte da matéria provada, que pode reanalisar, o que não fez no presente caso, limitando-se a alterar aleatoriamente a decisão de 1a instância e a sua matéria provada.

      4. Condenando, pasme-se! a Ré, na quantia de 17.000,00 €, por 34 meses de renda a 500,00 €, que não resultam de nenhuma matéria provada.

      5. Só havendo contrato de arrendamento e respectivos recibos relativos aos valores pagos é que seria possível ao Autor provar que tinha pago renda por alojamento, que a Ré não lhe tinha facultado, e poderia a Ré ser condenada a pagá-lo.

      6. Caso contrário, como é o caso, não pode haver condenação da Ré ora Recorrente, sem com isso o Tribunal violar caso julgado firmado pelo Acórdão do STJ, de 22.05.2013, e violar, nomeadamente, o disposto na Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro.

      7. Existe nítida contradição entre a fundamentação e a condenação da Relação, pois se por um lado considera bastante a quantia paga pela Ré, por outro, aumenta-a em 1,50 €, sem qualquer justificação adicional.

      8. Primeiro, diz-se na decisão que: “Socorrendo-nos do disposto no art. 566°, nº 3, do CC, e das regras do bom senso e da experiência comum, é de reconhecer que o valor adiantado pela Ré, tendo em conta uma média dos anos de 2000 a 2006, não se afasta do que é razoável considerar-se, tendo-se presente que os valores a considerar não têm de se referir a preços praticados na restauração", para depois condenar a Ré, aqui Recorrente, em mais 1,50 €. O que não faz sentido.

      9. Note-se que, ainda hoje, em Setembro de 2016, a quantia paga a título de subsídio de alimentação cifra-se por lei em € 4,27, tal como definido pelo Governo. Assim, além de aleatória e contraditória com o que deu por provado, o Tribunal “a quo” não fundamenta a referida alteração.

      10. Quanto à viagem ao ..., a mesma já está contemplada na quantia paga, no montante de 905,54 €, e a liquidação compreende 12.127,50 €, a título de alimentação, acrescida do valor da viagem ao ..., o que dá o valor global de liquidação de 13.033,04 €, pelo que não se percebe a razão da condenação em valor superior.

      Deve, assim, ser revogado o Acórdão da Relação.

    4. O A., por seu turno, apresentou contra-alegações, concluindo: 1. A Relação reapreciou a matéria de facto impugnada e, em conformidade, alterou bem o respectivo nº 3, fundamentando-se expressamente no depoimento da testemunha CC conjugado com os documentos de fls. 16 a 22.

    5. Encontra-se assente o facto do pagamento pelo Recorrido de € 500,00 mensais, durante 34 meses, como contrapartida pela utilização para habitação de um andar.

    6. O que está em causa, e releva, é precisamente esse dano, a diminuição patrimonial correspondente a esse pagamento, e não a invocação de um contrato de arrendamento. Além do mais, mesmo que nulo o contrato de arrendamento, tal nulidade não afasta a obrigação do pagamento pelo inquilino do valor correspondente à utilização factual que fez do locado, conforme art. 289º, n°1, do Código Civil.

    7. Inexiste qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão no que respeita à liquidação em € 12,50, relativamente ao valor diário de alimentação. Entendendo que um valor razoável se afastava, mas não muito, do aceite pela Recorrente, o Acórdão sob recurso aumentou-o apenas em € 1,50. Esta decisão, a pecar, será por defeito, que não por excesso, pelos motivos aduzidos nos nºs 8 e 9 supra das alegações.

    8. O Acórdão sob recurso liquidou os valores devidos ao Recorrido a título de prestações de alojamento, alimentação e viagem ao ..., subtraindo, subsequentemente, ao somatório desses valores o montante pago pela Recorrente, em 28/07/2015, por conta das quantias reclamadas neste incidente de liquidação, pelo que não tem qualquer fundamento a nova condenação invocada pela Recorrente e adição do valor da viagem ao ....

    9. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido, por entender que a decisão fez correcta aplicação do direito – cf. fls. 287 e 288.

    10. O mencionado Parecer, notificado às partes, não obteve qualquer resposta.

    11. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2, e 679º, ambos do CPC.

      Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.

      [1] II – QUESTÕES A DECIDIR: - Em sede recursória as questões suscitadas centram-se em saber: 1. Da nulidade do Acórdão, nomeadamente por contradição entre os fundamentos e a decisão; 2. Da alteração da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação – se podia ter sido alterada a matéria de facto do ponto 3), dos factos provados; 3.

      Do valor a liquidar – se o custo da viagem ao ... (€ 905,54) já está contemplado na quantia paga pela Ré.

      Analisando e Decidindo.

      III – FUNDAMENTAÇÃO: I – DE FACTO - A factualidade considerada provada pelas Instâncias é a seguinte: 1. Por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, proferida em 22.05.2013, foi a Ré condenada a pagar ao Autor: “os valores pecuniários devidos, a título de alojamento, alimentação e viagens ao ..., que tenha efectuado, nos exactos termos e períodos de tempo consignados nos pontos 21 e 22 dos factos provados, a apurar em sede de liquidação”.

    12. Desde 15 de Novembro de 2000 até 31 de Outubro de 2001, o Autor habitou na casa Vivenda “M...”, sita na …., ..., ... – ..., que lhe foi facultada por DD.

    13. Desde 01 de Novembro de 2001, até ter ido viver com a sua...

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