Acórdão nº 750/16.0T8SJM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório[1] «AA[2] intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Centro de Investimento de … do Banco BPI, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 405.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em decorrência do comportamento do R. na execução de contrato de intermediação financeira com ele celebrado.

Alegou para tanto, e em síntese, ser titular de conta no Banco de que o R. é agência, idoso e de baixa escolaridade, tendo sempre e em todos os investimentos das suas poupanças revelado não pretender assumir quaisquer riscos. Foi indevida e deliberadamente aconselhado por funcionário do R. à investir um montante de €400.000,00, em dois produtos financeiros de capital e juros garantidos que, todavia, desvalorizaram até ao valor residual que hoje têm, sendo-lhe já impossível recuperar o capital junto das entidades emitentes. E que nunca teria celebrado este contrato se tivesse sido devidamente esclarecido.

Acrescentou, ainda, que nunca celebrou com o R. contrato de intermediação financeira por escrito, invocando a nulidade do mesmo por falta da forma exigida.

Contestou o R., excepcionando a prescrição do direito do A., impugnando o essencial dos factos que aquele alegou como causa de pedir e afirmando que foi por livre e esclarecida vontade e iniciativa do A, que este subscreveu as obrigações que são objecto da acção, bem sabendo o tipo de produto que adquira e os riscos a ele inerentes.

Sustentou, ainda, que nunca prestou qualquer serviço de consultoria para investimento ao A., tendo-se limitado a prestar um serviço de execução de ordens.

Finalmente aduziu que o A. preencheu ficha de informação de perfil de investimento de que resulta a sua familiaridade com vários tipos de instrumentos financeiros entre elas acções, obrigações e fundos especiais de investimento.

Realizou-se a audiência prévia, na qual se afirmou da validade e regularidade da instância, se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida decisão que julgou nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre A. e R,, que deu origem à ordem de subscrição das obrigações Banco Espírito Santo, com o código ISIN PT…12 que tinham como data de maturidade … de Novembro de 2023 e as obrigações subordinadas ESFG, com o código ISIN XS…71, e, em consequência, condenou o R. a restituir ao A. o valor de € 400.000,00 acrescidos de juros, à taxa legal, desde … .12.2016 e até efectivo e integral pagamento.

Inconformado, apelou o R., tendo a Relação do Porto julgado procedente a apelação e revogado a sentença, por ter concluído que «não se tendo demonstrado o facto ilícito, soçobra a pretensão indemnizatória do apelado.

Sempre se dirá que, ainda que tivesse logrado provar que lhe fora dada a informação tal como foi desenhada na petição inicial, faltaria o nexo de causalidade entre a conduta e o alegado dano.

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado estabelece-se quando é possível concluir que, se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, aqueles investimentos não teriam sido feitos (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina, pg. 49).

Ora, como resulta da alínea I) dos factos não provados, não logrou o apelado demonstrar que Caso o A. soubesse que os produtos financeiros referidos em 5 e 6 não apresentavam garantias de reembolso de capitai e juros nunca teria procedido à sua subscrição, bem sabendo, o R. e seus funcionários, que a garantia de capital e juros no âmbito dos mesmos era decisiva para efeitos de subscrição por parte do A».

* Inconformada com o decidido vieram os herdeiros habilitados, representados pela cabeça de casal interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos que julgou a apelação do Réu procedente e revogou a decisão recorrida.

  1. Não se conformando vem a aqui Recorrente interpor recurso de revista, 3. De toda a prova feita e carreada para os autos, resulta que não foi reduzido a escrito qualquer acordo entre as partes 4. A sentença proferida em primeira instância decidiu e bem, nos termos do art.º 321º e seguintes do Cód. dos Valores Mobiliários (abreviadamente CVM), pela declaração de nulidade, por vício de forma, do contrato de intermediação financeira que as partes celebraram, o que acarretou, consequentemente, a nulidade subsequente do negócio de subscrição das obrigações subordinadas do BES, com o ISIN PT…12 e as obrigações subordinadas ESFG, com o ISIN X…71.

  2. A decisão do Acórdão ora em crise que determina que “as operações em causa se enquadram numa relação de clientela” não colhe fundamento, destinada que está a soçobrar, pois a decisão do Tribunal de primeira instância, sopesou adequadamente os elementos existentes nos autos e os normativos legais aplicáveis, prolatando uma sentença, que, no nosso modesto entendimento, não merece qualquer censura.

  3. Para efeitos probatórios, o tribunal de primeira instância fixou como provado, sob o ponto n.º 17, o seguinte: “17. Nunca, em momento algum, fosse aquando da subscrição dos ditos produtos financeiros, fosse até posteriormente, foi entregue ao Autor um contrato escrito de intermediação financeira relativa a tais serviços prestados ao ora A. ou sequer por este assinado qualquer documento a este respeito”.

  4. E a prova deste facto foi motivada pela Mma. Juiz de primeira instância nos seguintes termos “resultou desde logo da incapacidade do Banco réu provar tal entrega por qualquer forma o que com certeza faria caso tal documento existisse (…) resultou dos depoimentos dos próprios funcionários do Banco que o Autor ali se deslocava amiúde procurando conselhos dos seus funcionários, mesmo sobre aplicações que tinha noutros bancos, além de ir inteirar-se da sua situação (…) Ou seja, a relação entre as partes foi descrita pelos referidos funcionários do Réu como de confiança entre um cliente bem informado e com capacidade de decisão e um gestor de conta que aquele procurava para aconselhamento e sugestão sobre produtos, cotações, rentabilidades e riscos”.

  5. Desde logo, não pode considerar-se que as meras ordens de subscrição dos valores mobiliários aqui em causa constituem, na perspetiva do Réu, o contrato de intermediação em si. Se assim fosse, no caso sub judice ter-se-ia eliminado, por completo, a justificação e razão de ciência do art.º 321º e 321º A ambos do CVM, porquanto as ordens de compra que o Réu deu ao A., para este assinar, pouco mais contêm do que a identificação (denominação comercial) do valor mobiliário, respetivo preço de aquisição, prazo de maturidade e taxa de juro. Quanto às demais informações é completamente omisso.

  6. Dispõe, a este propósito, o art.º 321º nº 1 do CVM, que “Os contratos de intermediação financeira relativos aos serviços previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 290.º e a) e b) do artigo 291.º e celebrados com investidores não qualificados revestem a forma escrita e só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma.” 10. Enquanto investidor não qualificado, o contrato de intermediação financeira, que vincula o recorrido, tem, obrigatoriamente de conter os seguintes elementos: 11.“(…) a) Identificação completa das partes, morada e números de telefone de contacto; b) Indicação de que o intermediário financeiro está autorizado para aprestação da actividade de intermediação financeira, bem como do respectivo número de registo na autoridade de supervisão; c) Descrição geral dos serviços a prestar, bem como a identificação dos instrumentos financeiros objecto dos serviços a prestar; d) Indicação dos direitos e deveres das partes, nomeadamente os de natureza legal e respectiva forma de cumprimento, bem como consequências resultantes do incumprimento contratual imputável a qualquer uma das partes; e) Indicação da lei aplicável ao contrato; f) Informação sobre a existência e o modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber as reclamações dos investidores bem como da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.” 12. Considerando a ratio desta norma, pode afirmar-se que as ordens de subscrição das obrigações e a própria relação de cobertura que permitiu serem executadas (as ordens) não contêm todos estes elementos, pelo que, consequentemente, não podem ser consideradas como contratos de intermediação financeira, para efeitos, de precludir a invocação da sua nulidade, por vício de forma, ou, no limite, saná-la.

  7. Com efeito, o art. 289º, nº 1, a), do CVM estabelece que são atividades de intermediação financeira os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros.

  8. Por sua vez, intermediários são, nos termos do art. 293º, nº 1, a), do mesmo diploma, as instituições de crédito que estejam autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal.

  9. São serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art. 290º, nº 1, a) e b), do mesmo código, a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

  10. O falecido A., depois de para tanto procurar aconselhamento / informações, deu instruções ao Réu, através de um seu funcionário, para aquisição das obrigações acima referidas nas alíneas 5 e 6 dos factos provados.

  11. Dentro da execução desse mandato, o Banco Réu, de facto, subscreveu em nome do Autor as obrigações BES e ESFG que aqui se discutem.

  12. Tal operação, bem ao contrário do que sustenta o Banco Réu, consubstancia a execução de contrato de intermediação financeira – cfr. artº 289º, nº 1 a) do Código dos Valores Mobiliários (na sua versão em vigor em fevereiro de 2014) -, na medida em que consubstancia investimento em valores mobiliários – cfr. artigo 1º, número 1 b) do...

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