Acórdão nº 511/14.0T8GRD.D1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO I. AA e BB, em representação do seu filho menor, CC, vieram intentar acção contra DD - Companhia de Seguros, S.A.

, alegando, em suma, que - No dia 17/12/2009, ocorreu um acidente de viação por via do qual o veículo de matrícula QM-...-... – seguro na Ré – atropelou o A., Leandro (que, à data, tinha dez anos), quando este, após sair do portão da escola, fazia a travessia da via; - o acidente é imputável a culpa do condutor do veículo, o qual circulava a velocidade superior à que era permitida no local, ao telemóvel e com desatenção; - por força do acidente, o A. (menor) sofreu lesões que motivaram o seu internamento hospitalar e a realização de intervenção cirúrgica relacionada com a fractura de fémur direito; - após a alta, manteve-se em casa com movimentos restritos durante vários meses, tendo realizado diversos exames; - foi submetido a segunda cirurgia, além do mais, ostentando um encurtamento inferior do membro direito e cicatrizes que muito o desgostam e inibem, bem como diversas outras limitações, sendo ainda e que em consequência do acidente danificou irremediavelmente as roupas, calçado e óculos.

Com estes fundamentos, pedem que a Ré seja condenada a pagar ao A.:

  1. A título de danos não patrimoniais, nos termos nos art.sº 84.º e 85.º, quantia nunca inferior a 60.000,00€, acrescido do montante calculado em função da IPP que venha a ser determinada e se relega para liquidação de sentença; B) A título de danos não patrimoniais, nos termos descritos nos artigos 86.º e 87.º a quantia de 5.000,00€.

  2. A título de danos emergentes como danos futuros 440,00€ como se discrimina no art.º 81.º; D) A título emergente como danos futuros a quantia de 45,70€, como se discrimina no art.º 88.º; E) Todas as despesas necessárias que o A. terá que efectuar, futuramente, e tendentes ao tratamento de lesões que lhe foram causadas por força do acidente de viação aqui em questão, designadamente eventuais intervenções cirúrgicas, estadia em estabelecimentos de saúde para o efeito, medicamentos, transporte, etc., despesas essas que não podem, nesta data, determinar-se, pelo que relegam para execução de sentença o respectivo cálculo e liquidação das mesmas.

  3. Juros de mora legais e vincendos sobre a quantia peticionada a título de danos patrimoniais futuros, contados a partir da data da citação até efectivo e integral pagamento, nos termos do art. 805.º, n.º3, do Cód. Civil.

  4. Juros de mora vincendos sobre a quantia indemnizatória que vier a ser arbitrada a título de danos não patrimoniais, contados desde a data da sentença em 1.ª instância até efectivo e integral pagamento, nos termos conjugados dos art.s 566.º n.º 2, 805.º n.º 3 e 806.º n.º 1, todos do Cód. Civil.

A Ré contestou, impugnando, por desconhecimento, os factos alegados na petição inicial.

Foi citado o Ministério Público.

Teve lugar a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, sendo fixado o objecto do litígio e, bem assim, delimitados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença finda com o dispositivo que segue: “Pelo exposto, o tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo a ré do demais peticionado, condena a ré a pagar ao autor: a) a quantia de 4 165,35€ (quatro mil cento e sessenta e cinco euros e tinta e cinco cêntimos - sendo 165,35€ relativamente às despesas com óculos e medicação e 4000,00€ relativamente ao dano biológico), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento; b) a quantia de 25 000,00€ (vinte e cinco mil euros - a título de danos não patrimoniais), acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento; c) a quantia que se liquidar em execução de sentença, na proporção de 50% do seu valor, relativamente a todas as despesas necessárias que o autor venha a efetuar e tendentes ao tratamento de lesões que lhe foram causadas por força do acidente de viação em questão, designadamente eventuais intervenções cirúrgicas, estadia em estabelecimentos de saúde para o efeito, consultas de ortopedia, tratamentos de fisioterapia, medicamentos e transportes”.

Inconformada com esta decisão, a Ré veio interpor recurso de apelação, cuja alegação findou a propugnar no sentido de ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, a substituir por outra que absolvesse do pedido a Recorrente; ou, quando assim se não entendesse, deveria reduzir-se o montante fixado, a título de danos não patrimoniais, para um valor não superior a 2.500,00€ (50% de 5.000,00€).

O A. Apresentou, por sua vez, contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

Conhecendo do recurso, a Relação, por douto acórdão de fls. 240 e ss., concedeu-lhe provimento, em consequência revogando a decisão recorrida e absolvendo a Ré/Apelante do pedido.

  1. Irresignado, por seu turno, com o assim decidido, o A./Apelado interpôs o vertente recurso de revista, encerrando a sua alegação com as conclusões que seguem:

    1. O Tribunal à quo olvidou uma interpretação progressista e ou atualista dos art.ºs 505.º 570.º do Código Civil, as diretivas comunitárias e a mais recente doutrina (Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2007, Processo n.º 07B1710 – n.º convencional JST000, Relator, Senhor Juiz-Conselheiro, Santos Bernardino, n.º documento SJ200710040017102, in www.dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2012, Processo n.º 100/10.9YFLSB, Relator, Senhor Juiz-Conselheiro Orlando Afonso, in www.dgsi.pt ).

    2. Das sobreditas diretivas ressalta, entre o mais, para o caso sub judice, o art.º 1.º da 3.º Directiva, cujo efeito impõe sempre a indemnização das vítimas causadas por veículos automóveis, exepto se se tratar de passageiros transportados, com seu conhecimento, em veículo roubado.

    3. O modo tradicional de ver as coisas no que respeita a acidentes de viação com veículos sofreu profunda alteração de origem comunitária (Neste sentido, Excelentíssimo Senho Juiz-Conselheiro, João Bernardo; declaração de voto no Acórdão supradito).

    4. Diz ainda o Excelentíssimo Senhor Juiz-Conselheiro, João Bernardo que “Se encararmos a problemática na perspectiva da vítima, vêm ao de cima muitas realidades que a visão do nosso Código Civil deixara obnubiladas. Referimo-nos, por exemplo, aos casos em que o acidente é originado pela vítima mas sem que se lhe possa assacar culpa (porque é inimputável em razão de anomalia psíquica ou da idade).

    5. Resulta incompatível com o direito comunitário a interpretação do art.º 505.º do Código Civil, segundo a qual, verificando-se culpa do lesado e sendo a respetiva conduta causa do acidente é excluída a responsabilidade pelo risco consagrada no art.º 503.º, n.º 1, bem como no art.º 570.º do mesmo Código que permite em tal caso a exclusão da indemnização. (Neste sentido e a propósito desta temática já se pronunciou, em importante estudo o Excelentíssimo Senhor Juiz-Conselheiro, José Carlos Moitinho de Almeida, in “Seguro Obrigatório Automóvel: o direito português face à jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias”, acessível em www.stj.pt (link Estudos Jurídicos).

    6. O Tribunal a quo contrariamente ao da 1.ª instância não foi sensível “…ao alargamento crescente, por influência do direito comunitário – e tendo por escopo a garantia de uma maior proteção dos lesados – do âmbito da responsabilidade pelo risco, que tem tido tradução em vários diplomas…” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já acima citados).

    7. É de salientar que a doutrina hoje dominante admite a concorrência entra a culpa do lesado (art.º 570.º do C.C.) e o risco da utilização do veículo (art.º 503.º do C.C.), resultando tal asserção do disposto no art.º 505.º do Código Civil.

    8. À infeliz criança, menor de 10, não lhe pode ser atribuída <> como a define o Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro, José Carlos Moitinho de Almeida.

    9. O local do embate é bem conhecido do condutor do veículo QM-...-..., pelo que teria ele de ter em conta a notória normal imprevisibilidade de comportamento de crianças que andam sempre no local onde ocorreu o acidente.

    10. Na concreta situação ajuizada, sem prejuízo do supradito na 4ª conclusão, mas a admitir-se a culpa da infeliz criança na eclosão do sinistro, crê-se indubitável que para tal eclosão contribui de forma decisiva o risco próprio do veículo QM-...-....

    11. Dizer que atuação da infeliz criança foi, só por si, idónea para a ocorrência do acidente e que o veículo automóvel foi tal indiferente, é o mesmo que dizer que este não tem uma típica aptidão, para a criação de riscos e, em consequência, não contribuiu para o mesmo acidente.

    12. A estrutura física (as dimensões, a largura) do veículo QM-...-... está inelutavelmente ligada à ocorrência do acidente, tanto mais que no mesmo a sua intervenção não foi amorfa (Neste último sentido, Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador, Américo Marcelino, in “Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil”, 6ª edição, pág. 339).

    13. Ao condutor do QM-...-... era-lhe exigível um especial dever de cuidado e uma conduta meticulosamente prudente, pois que conhecia o local do embate e sabia que havia crianças nas imediações.

    14. Por isso, não podia ele ignorar a imprevisibilidade do comportamento das crianças que frequentam o local, que se situa dentro de uma localidade, porta de uma escola, num meio rural, onde à falta de outros meios, as crianças passam a correr para apanhar os autocarros que os levaram a casa, nomeadamente à hora de saída da escola que aliás é a hora do acidente.

    15. Pelo que, tal comportamento omissivo do condutor do veículo QM-...-..., também não deixa de se repercutir, em sede de causalidade, no processo dinâmico que levou à eclosão do evento lesivo.

    16. Assim e a admitir...

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