Acórdão nº 986/18.9T9CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução21 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.

No processo comum singular nº 986/18.9T9CHV, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Chaves, em que é arguido J. F.

, assistente / demandante M. J.

, demandadas X, SA, e Y Leasing Group, SA, e interveniente principal W, Companhia de Seguros, SA, todos com os demais sinais nos autos, foi proferida sentença depositada em 05.05.2022, de cujo dispositivo consta, no que para aqui releva, a decisão com o seguinte teor (transcrição) (1): a) como explanado supra, declarar a ineptidão parcial do pedido de indemnização civil formulado, na parte em que pugna pela condenação da demandada Y LEASING GROUP, S.A.

no pagamento de uma indemnização no valor global de 100.000,00€, por total falta de causa de pedir e, em consequência, absolver da instância cível a referida demandada; b) absolver o arguido J. F. da prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal; c) julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil formulado por M. J. contra J. F. e, em consequência, absolver o demandado do pedido; d) julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por M. J., por parcialmente provado e, em consequência, condenar X, S.A. e W, COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. no pagamento solidário de uma indemnização a favor do demandante que se fixa em 4.500,00€ (quatro mil e quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos, a título de responsabilidade civil pelo risco, nos termos do artigo 503.º, n.º 1 do Código Civil, devidamente reduzida tendo em conta a contribuição do lesado M. J. em 70% para a produção do acidente, indemnização aquela acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; 2.

Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o assistente /demandante M. J.

, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição): 1 - O ponto C dos factos não provados diz-nos que “O ofendido não circulou pela zona amarela, uma vez que a mesma encontrava-se totalmente ocupada com paletes de material”.

2 - O depoimento da testemunha A. T., 2022022810722_1393142_2871894, que ofereceu credibilidade ao tribunal para motivar muitas das suas conclusões parece-nos suficiente para justificar que o facto não provado do nº anterior deve, pelo contrário ser dado como provado, na medida em que: A 3:00 a testemunha diz: “fazíamos o corredor pela linha amarela”; a 4:26: “ as linhas depois das máquinas estavam impedidas com paletes de corda”; em 9:16 a instâncias do senhor Procurador que pergunta: “Onde estavam essas paletes que obrigaram…?”, ao que a testemunha respondeu “O corredor vira à esquerda e continuam as linhas amarelas, ele teve de contornar as paletes e ir para fora das linhas.” Em 45:00 a testemunha repete que o corredor para peões estava ocupado com 3 paletes em linha.

3 - Impõe-se a adição ao rol dos factos provados, o seguinte: Quando o ofendido virou à esquerda para se dirigir ao portão de saída verificou que o local para travessia de peões estava completamente ocupado com paletes e tendo-as contornado, invadiu o espaço destinado à circulação do empilhador.

4 - Na página 29 da sentença de que se recorre diz a Excelentíssima Juiz a quo: “ Ora, como exposto supra, entendemos que não resultou da prova produzida que o arguido tenha violado o cuidado que lhe era exigível e/ou a atenção, a perícia e a diligência exigíveis. De facto, importa notar que não decorreu da prova produzida que o arguido tenha conduzido o empilhador com velocidade excessiva, que tenha realizado a manobra de carregamento das paletes de forma repentina e brusca, nem tão pouco resultou da prova produzida que o arguido tenha ultrapassado as linhas amarelas que delimitam os percursos de circulação exclusiva para os empilhadores.” Mais à frente já na página 30 a senhora juíza justifica o facto de o arguido não ter visto o ofendido na medida em que este estava localizado no “ângulo morto”, atrás dos postes do empilhador. Com tudo o explanado nos dois parágrafos precedentes, estas alegações de recurso em nada discordam do que aí é dito. Todavia tendo em conta os factos adjacentes que de seguida se explicarão, teria o arguido, em pleno conhecimento dos ditos, que ter moldado a sua conduta e ter conduzido o empilhador com cuidados redobrados pois assim lhe era exigido pela situação concreta? Entendemos que sim.

5 - O arguido sabia que a testemunha A. T. e o ofendido se encontravam na fábrica pois tinha -os visto entrar cerca de uma hora antes do acidente. Sabia também o arguido que tanto o ofendido como A. T. se encontravam em plena ação de reposição das máquinas de vending com circulação entre o carro estacionado à porta da entrada e as máquinas de vending, com várias idas e vindas como era habitual por duas vezes por semana. Segundos antes do acidente o arguido tinha cumprimentado “de cabeça” a testemunha A. T. quando este se dirigia para a saída. Encontrava-se o arguido consciente que o corredor destinado a peões de acesso à porta de saída estava completamente ocupado com paletes de corda. Encetou a manobra de recolha de palete que se encontrava no corredor destinado a peões. Encontrava-se a conduzir de lado em direção às paletes que se encontravam no corredor destinado a peões, com visão para o seu lado direito onde estavam as paletes e onde foi atropelado o ofendido.

Tinha obrigação de saber que as torres do empilhador obstruem parcialmente a visão devendo ter cuidados redobrados relativamente ao “ângulo morto” do empilhador. Atingiu o ofendido de tal forma que este foi empurrado pelas costas do seu lado direito, tendo caído para a esquerda de encontro às paletes. Atingiu o ofendido nas costas deste, entre a zona lombar e o ombro, ou seja quando o ofendido já se encontrava de costas para o empilhador.

6 - Esta dinâmica do acidente implica que o arguido violou o dever de cuidado relativo à condução de uma máquina perigosa, o empilhador, não tendo atentado que o local destinado à circulação de peões se encontrava ocupado e tendo encetado a manobra sem verificar se alguém se encontrava junto às paletes.

7 - Sendo certo que próprios trabalhadores da empresa invadem a faixa destinada à circulação do empilhador sempre que precisam de se ausentar das máquinas onde laboram para ir à casa de banho ou às próprias máquinas de vending - página 26 do acórdão de que se recorre.

8 - O que se alega é que existe responsabilidade repartida na produção do acidente entre arguido e ofendido, na proporção de 60% para o arguido e 40% para o ofendido.

9 - A folhas 56 da douta sentença de que se recorre é dito: “ A verdade é que ficou este Tribunal convencido, em face da prova produzida, que não fora a própria configuração do empilhador, designadamente as torres pretas que o mesmo apresenta, o arguido podia ter avistado o ofendido que estava à sua frente a cerca de dois metros e teria também evitado o embate, não obstante o ofendido não poder estar a circular, em princípio naquele local. Crê assim, este Tribunal, que quer os riscos próprios do veículo, quer a atuação do ofendido concorreram para a produção do acidente, ainda que não tenham contribuído de forma equitativa”.

10 - Estamos de acordo com esta apreciação do Tribunal, mas entendemos que efetivamente os riscos próprios do veículo contribuíram em 70% para a produção do acidente.

11 - Na responsabilidade pelo risco da demandada civil ocorrem fatores que outros para além da própria configuração do empilhador. Isto porque: Por ordens da demandada civil o espaço destinado à circulação de peões estava ocupado, junto à saída de acesso com paletes, impedindo que tanto trabalhadores, como terceiros não estranhos, fossem obrigados a circular pela zona destinada aos empilhadores.

12 - Relativamente ao facto de o ofendido circular sem botas de biqueira de aço, também aí a responsabilidade é da demandada civil, na medida em que a Lei 102/2009, de 10 de setembro que estabelece o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, prevê no nº 7 do seu artigo 15º, sob a égide Obrigações Gerais do Empregador: “O empregador deve ter em conta na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros suscetíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações, quer no exterior” 13 - O certo é que após a produção do acidente a gestão da demandada X chamou o funcionário do ofendido, A. T., e entregou-lhe umas botas, um protetor de ouvidos e um colete refletor, em clara assunção tardia de responsabilidade a que estava obrigada.

Realmente quando o Senhor Procurador perguntou à testemunha A. T. se depois do acidente havia ocorrido alguma alteração no protocolo de reabastecimento das máquinas de vending, aquela respondeu ao minuto 37:55 “Foi-me proibido entrar pela porta de cargas e descargas, mandaram-me ao escritório para me oferecer umas botas e uns auscultadores e também um colete refletor.” 14 - Em consequência de tudo o que até aqui vem alegado, nomeadamente, circulação do empilhador com limitações o qual se trata de uma máquina perigosa, ocupação do espaço destinado aos peões com paletes, aumentado o risco para trabalhadores e terceiros não estranhos de invadirem a zona de circulação dos empilhadores, não fornecimento dos EPIs adequados como eram sua obrigação, tudo acontecimentos deliberadamente ordenados pela demandada civil que aumentam os riscos para as pessoas, trabalhadores ou não, entendemos que a responsabilidade pelo risco imputada à demandada civil X se deve fixar na ordem dos 70%.

15 - Atribuiu o Tribunal uma indemnização total de € 15.000,00 para ressarcimento dos danos morais sofridos pelo ofendido e que se encontra, elencados nos factos provados números 6 e 7 e 17 a 30.

16 - Para além das 5 intervenções cirúrgicas a que foi...

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