Acórdão nº 7613/09.3TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução29 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, BB e outros intentaram esta acção contra CC - SA, pedindo que esta fosse condenada: a encerrar imediatamente as suas instalações ou, em alternativa, a executar nelas obras de insonorização e proteção que eliminem total e efectivamente a produção de ruído na fração dos AA, e que ao máximo evitem a produção de cheiros, insetos e poluição de forma a não prejudicar os direitos ao repouso, sossego, saúde e à qualidade de vida dos mesmos e a fruição do seu direito de propriedade; e a pagar a cada um dos AA a quantia global de € 6.000, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros.

A R contestou, invocando que age no interesse público, que as suas instalações existem no local desde há mais de 20 anos antes das aquisições das frações pelos AA, que o respectivo perímetro está vedado com painéis para proteção do som, que não pode alterar o horário de laboração e que alterou os seus procedimentos para reduzir o som, tendo pedido a condenação dos AA como litigantes de má-fé, por terem distorcido conscienciosamente a verdade.

Foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a R a encerrar imediatamente as suas instalações, entre as 20 horas e as 7 horas, e a pagar à A BB a quantia de € 2.500 e a cada um dos demais autores a quantia de € 1.000, bem como absolvendo a R do restante peticionado e os AA da condenação como litigantes de má fé, tendo sido fixadas as custas na proporção de metade para os AA e para a R.

A Relação de …, julgando a apelação improcedente, confirmou na íntegra a sentença.

A R interpôs recurso de revista excepcional desse acórdão, delimitando o seu objecto com conclusões que colocam as questões de saber se: 1. – O acórdão da Relação sofre de nulidade por omissão de pronúncia sobre as questões versadas nas conclusões R a X da apelação (artigo 13º nº 3 da LGR e abuso de direito).

  1. – A R deve ser absolvida do pedido porquanto: 2.1. – É legítimo um pequeno sacrifício do direito pessoal dos AA (detentores de licença mais recente), só ocasionalmente violado, para que a R possa continuar a exercer diariamente, entre a 5h e as 7h, as suas actividades, porque estas têm em vista a prossecução do interesse público na defesa do ambiente e da qualidade de vida de todos os cidadãos.

    2.2. – É abusivo o exercício do direito invocado pelos AA, perante a desproporção entre os seus interesses, só ocasionalmente violados, e os prosseguidos pela laboração da R no local, há muitos anos, à vista de todos, como era do conhecimento dos AA, antes de comprarem as fracções.

    2.3. – Nos factos provados não se retiram danos susceptíveis de merecerem a indemnização fixada.

    A Formação deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do CPC admitiu o recurso de revista, nos termos do nº 2 b) do mesmo artigo, por considerar estar em causa a relevante ponderação sobre o conflito entre direitos de personalidade e o direito ao ambiente e à qualidade de vida, bem como sobre a necessidade de cedências de um em favor do outro ou da prevalência de um deles.

    * Importa apreciar as questões enunciadas e decidir, para o que releva a seguinte matéria de facto: Dos factos assentes: 1) Por escrito notarial datado de 22 de Abril de 2008, a «DD, S.A.», AA e BB, celebraram um acordo que denominaram de "Compra e Venda", nos termos do qual aquela sociedade declarou vender a estes, a fração autónoma designada pelas letras "DB", correspondente ao quinto andar, lado direito do Bloco H – … – destinado a habitação, do prédio urbano denominado Parque …, sito em …, na Av. …/Rua … e Rua …, freguesia de …, concelho …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n° 0074, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo P00538.

    2) Por escrito notarial datado de 24 de Abril de 2008, a «DD, S.A.», EE e FF, celebraram um acordo que denominaram de "Compra e Venda", nos termos do qual aquela sociedade declarou vender a estas, a fração autónoma designada pelas letras "CU", correspondente ao segundo andar, lado esquerdo do Bloco H – ... – destinado a habitação, do prédio urbano denominado Parque …, sito em …, na Av. …/Rua … e Rua …, freguesia e concelho …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n°0074, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo P00538.

    3) Por escrito notarial datado de 22 de Abril de 2008, a «DD, S.A.», GG e HH, celebraram um acordo que denominaram de "Compra e Venda", nos termos do qual aquela sociedade declarou vender a estes, a fração autónoma designada pelas letras "CN", correspondente ao quinto andar, lado esquerdo do Bloco G – … – destinado a habitação, do prédio urbano denominado Parque …, sito em …, na Av. …/Rua … e Rua …, freguesia e concelho …, descrito na 1.a Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n° 0074, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo P00538.

    4) O prédio urbano Parque … situa-se numa área residencial da cidade de …; 5) Na Rua …, existem umas instalações da ré que servem de ponto de apoio destinado à limpeza urbana e recolha de Resíduos da Baixa de ….

    6) Entre o prédio e as instalações da ré, existe apenas uma rua de poucos metros que os separam.

    7) A ré utiliza as suas instalações, quer durante o período diurno, quer durante o período noturno, de segunda-feira a domingo.

    8) Os autores solicitaram à «II, Lda» um estudo de monitorização de ruído ambiente na habitação do 5.° Direito do Condomínio do Parque …, sito no n° 043 da …, cujo relatório se encontra junto a fls. 84-93.

    9) Os autores AA e BB habitam na fração referida em 1) desde o dia 25 de Abril de 2008.

    10) As autoras EE e FF habitam na fração referida em 2) desde o dia 1 de Maio de 2008.

    11) Os autores GG e HH habitam na fração referida em 3) desde 20 de Junho de 2008.

    12) As instalações referidas em 5) não têm qualquer proteção ao nível da insonorização.

    13) Quer durante o dia, quer durante a noite, movimentam-se dezenas de pessoas afetas à Ré, nas instalações referidas em 5).

    14) Quer durante o dia, quer durante a noite camiões, carros, carrinhas e máquinas da ré deslocam-se no interior e exterior das instalações referidas em 5).

    15) Quer durante o dia, quer durante a noite, ocasionalmente, o pessoal que trabalha para a ré movimenta-se de forma ruidosa.

    16) Ocasionalmente, usando um tom de voz alto e por vezes gritando.

    17) São depositados pela ré nas instalações referidas em 5), caixas e contentores com lixo, essencialmente papel e cartão.

    18) Nas instalações referidas em 5), são efetuados procedimentos de lavagem de carros e contentores do lixo durante o dia.

    19) O carregamento dos contentores e equipamentos nos camiões gera ruído audível nas frações dos Autores, mesmo que estejam de janelas fechadas.

    20) Por vezes o barulho dos motores dos camiões, veículos e máquinas pertencentes à ré causa desconforto auditivo aos autores.

    21) Atualmente, no período noturno, a fase de maior atividade no estaleiro ocorre entre cerca das 5h e as 7 horas.

    22) Período esse que corresponde a tempo de descanso dos autores.

    23) Por força das movimentações de viaturas e do pessoal da ré, nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, os autores e seus filhos acordam várias vezes a meio da noite.

    24) Alguns dos Autores trabalham.

    25) Os barulhos produzidos à noite nas instalações da Ré acordam os Autores e prejudicam o seu sono e adormecer, o que lhes causa irritabilidade e ansiedade, provocando à A BB profunda ansiedade e angústia.

    26) A diferença entre o valor do indicador L (índice Aeq) do ruído ambiente, incluindo o causado pelas máquinas pertencentes à ré e pelos trabalhadores afetos à mesma, nas instalações referidas em 5), e o valor do indicador L (índice Aeq) do ruído residual, no período noturno, não ultrapassa o valor de 2 dB.

    27) Os autores fizeram diligências junto da ré e da Câmara Municipal de …, com vista a solucionar a situação.

    28) Não foi possível chegar a algum tipo de acordo sobre a forma de salvaguardar o interesse de ambas as partes.

    29) As instalações referidas em 5) servem de apoio a cantoneiros de varredura manual que ali iniciam e terminam o seu serviço, a 3 varredoras, a 3 carrinhas de apoio ao transporte de funcionários, e duas esfregadoras lavadouras.

    30) No local referido em 5) encontram-se cerca de uma ou duas dezenas de contentores de resíduos sólidos urbanos, iguais aos que se encontram na via pública, uma...

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