Acórdão nº 247/19.6T8FVN.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-06-2022
Data de Julgamento | 28 Junho 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 247/19.6T8FVN.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
RELATÓRIO
AA, intentou a presente ação declarativa em processo comum contra BB, F... Lda., CC, e DD, formulando os seguintes pedidos principais:
i. Ser declarado nulo o contrato de arrendamento (ou de cedência) industrial de restauração que celebraram entre si, do rés do chão e da garagem anexa, do estabelecimento sito na Rua ..., ..., em ..., dos dois prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os números ...04 e ...44, da freguesia ... e o consequente encerramento definitivo do estabelecimento composto por ambos os prédios (de habitação e de garagem).
ii. Serem os Réus BB, F... Lda. e CC condenados, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização de €22.860,00 (vinte e dois mil, oitocentos e sessenta euros) pelos danos morais causados no período compreendido entre 13-01-2016 e 01-03-2019.
iii. Serem os Réus BB e DD condenados, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização de €50,00 (cinquenta euros) diários desde o dia 01-03-2019 até ao dia do encerramento definitivo do estabelecimento, por danos morais e por perda de chance de não poder a Autora a arrendar a sua casa.
A título subsidiário peticionou a Autora a condenação do Réu DD a:
iv. Retirar a esplanada e o toldo que ocupa a rua em frente ao estabelecimento.
v. Manter a porta de entrada do bar com um sistema que a feche automaticamente após a entrada/saída dos clientes.
vi. Não manter qualquer instalação sonora no interior do estabelecimento.
vii. Encerrar o estabelecimento às 20h00 nos meses de janeiro, fevereiro, março, outubro, novembro e dezembro e às 22h00 nos meses de abril, maio, junho, julho e agosto, pagando uma indemnização pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) no primeiro mês e de €150,00 (cento e cinquenta euros) nos meses seguintes, por cada dia de atraso no cumprimento da presente decisão.
viii. Insonorizar, no prazo de 60 (sessenta) dias, todo o interior do estabelecimento com isolamento acústico total, de forma a não serem audíveis na rua os ruídos e/ou barulhos nele produzidos.
Para o efeito alegou a A., em síntese, ser comproprietária de uma casa de habitação sita na Rua ..., ..., em ..., em frente da qual se situa o prédio urbano propriedade do 1º Réu, que o cedeu em arrendamento aos 2º e 3º RR. e posteriormente ao 4º R., para o exercício da actividade de restauração e lazer, quando o fim a que se destina este prédio urbano é exclusivamente habitacional.
Mais alega que o exercício da actividade comercial de café/bar no prédio em apreço a impede, a si aos seus filhos, netos e bisnetos, de usufruir de qualidade de vida, de sossego, de descanso e de tranquilidade nas temporadas que passam na casa sita em ..., tendo-se desvanecido a alegria que sentiam de vir à vila gozar férias, feriados, aniversários e dias festivos e impedindo-a de arrendar parte do seu prédio, em consequência do ambiente degradado que se manifesta na rua em que ambas as habitações se situam e do ruído que advém do prédio em frente.
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Regularmente citados, todos os RR. contestaram invocaram a excepção de ilegitimidade activa da A. para a presente acção, por preterição de litisconsórcio necessário.
O 1º R. invocou, ainda, a ilegitimidade activa da A. para formular o primeiro pedido principal e a ininteligibilidade do segundo e terceiro pedidos principais formulados contra si. Peticionou ainda a condenação da Autora em multa e indemnização a seu favor, em quantia não inferior a € 5.000 (cinco mil euros), com fundamento em litigância de má-fé.
Por sua vez, os demais RR. invocaram a ilegitimidade passiva do 3º R., a ineptidão da petição inicial, por ser ininteligível a indicação do pedido ou causa de pedir e por o pedido estar em contradição com a causa de pedir.
Vieram ainda deduzir pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização condignas.
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Dispensada a audiência prévia, fixou-se o valor da causa em € 30.000,01 e proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa da Autora para o primeiro pedido principal (ser declarado nulo o contrato de arrendamento celebrado entre o 1º e os demais RR.) e, em consequência, se absolveram todos os RR. do referido pedido.
Conheceu-se, igualmente, da manifesta inviabilidade do segundo e terceiro pedidos formulados contra o 1º R. BB, absolvendo-o dos mesmos.
Foram julgadas improcedentes a excepção de ilegitimidade activa da Autora, a excepção de ilegitimidade passiva do 3º R. Réu e a excepção de ineptidão da petição inicial
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, após o qual se proferiu a seguinte
“V. DECISÃO
1. Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
i. Condenar os Réus F... Lda. e CC, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-os do restante peticionado.
ii. Condenar o Réu DD a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do restante peticionado.
iii. Condenar o Réu DD a retirar a esplanada que ocupa a rua em frente ao estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados, a partir das 22h00 todos os dias.
iv. Condenar o Réu DD no encerramento do estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados às 22h00 de domingo a quinta-feira e 24h00 à sexta feira, sábado e vésperas de feriado, todos os meses do ano, mais se fixando a sanção pecuniária compulsória de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de não cumprimento da presente decisão, absolvendo-o do demais peticionado quanto a medidas restritivas de funcionamento do mesmo, quanto ao pedido de arbitramento de indemnização por perda de chance de arrendamento e demais peticionado.
2. Julga-se improcedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pelos Réus, absolvendo-se a Autora do pagamento de uma multa e indemnização.
3. Condena-se a Autora e os Réus litisconsortes F... Lda. e EE no pagamento das custas do processo relativamente ao segundo pedido, na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 98% e 2%, respetivamente.
4. Condena-se a Autora e o Réu DD no pagamento das custas do processo relativamente ao terceiro pedido e às providências destinadas à tutela da personalidade, na proporção de metade.”
***
Não conformada com esta decisão impetrou a A. recurso da mesma, formulando afinal, as seguintes conclusões:
“Primeira
O valor da indemnização por danos morais que os RR, foram condenados deve ser alterado para o valor peticionado de 22.860,00 € porque, salvo o devido respeito, houve uma errada interpretação e aplicação da lei, designadamente o disposto nos artigos 483 e 496.1 do CC e 1, 14.1, 15, 18, 28 do DL 9/2007 de 17.01.
Segunda
Também o valor da sanção pecuniária compulsória deve ser alterado para o valor peticionado de 500,00 € diários (esta sanção não tem a natureza de danos morais). Foi feita uma errada interpretação do disposto no artigo 829-A do CC.
Terceira
Só com a insonorização do estabelecimento serão, efectivamente, respeitados os direitos da A., mormente, tendo em conta o histórico comportamento dos RR. Junta cópia do ocorrido na véspera de Natal passado, com desrespeito total pelas normas sanitárias anti-covid1 19, (ruido excessivo, não distanciamento físico, venda de bebidas alcoólicas) comunicado aos Ministérios da Administração Interna e da Saúde.
Assim, alterando VV. Exas a douta sentença como se pede, será cumprida a vossa alta tarefa de fazer JUSTIÇA.”
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Os RR. CC e F... Lda. vieram interpor recurso independente e subordinado com fundamentos semelhantes, concluindo da seguinte forma:
“B) CONCLUSÕES:
O presente recurso assenta:
A) Na inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil, e caso assim não se considere,
B) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil;
C) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 , alínea e) do Código de Processo Civil;
D) Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto- erro de julgamento.
E) Na Impugnação da matéria de Direito: Da não verificação dos pressupostos da responsabilidade extra contratual- violação do artigo 483.º do Código Civil; Da violação do artigo 165.º do CC.
F) Na Existência de Litigância de Má-fé – violação do artigo 542.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil
Desta feita e concretizando:
A) Da inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil:
1) O douto Tribunal “ a quo” - considera que da senda da Presente Acção de Processo Comum para apuramento de Responsabilidade Extra- Contratual, é possível ocorrer cumulação de pedidos destinados à tutela da personalidade com contemplação na esteira de Processo Especial – artigos 878.º, 879.º e 880.º do C.P.C;
2) A presente acção é uma Acção de Responsabilidade Civil Extra Contratual por violação dos direitos de personalidade (cfr. Artigo 70.º, n.º 2 do CC e artigo 483.º do C.P.C – este apenas contempla a possibilidade de indemnizar), sendo que o meio processual adequado para requerer que sejam decretadas providencias tutelares preventivas ou atenuantes, é o processo especial de tutela de personalidade que se encontra previsto actualmente nos artigos 878.º, 879.º e 880.º do Código de Processo Civil.
3) Os...
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