Acórdão nº 3499/11.6TJVNF.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – Relatório 1. AA e BB, instauraram ação declarativa de condenação contra a sociedade, CC, Lda, pedindo: a) A condenação da Ré a encerrar as suas instalações fabris, em virtude da construção do novo edifício ser ilegal e não possuir licença de construção; b) Caso improceda este pedido, a condenação da Ré a não laborar nas ditas instalações, por os níveis de ruido e vibração provocados na sua casa serem superiores aos legalmente admissíveis; c) Se assim não for entendido, que se condene a Ré a eliminar ou reduzir para valores legalmente admissíveis os níveis de ruido e vibração causados na sua habitação.

d) Em qualquer caso, pedem que a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de 100 mil euros (atenta a ampliação do pedido admitida), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

Alegam, para tanto e em síntese, que são donos do prédio urbano que habitam há mais de 20 anos e que é contíguo ao prédio pertença da ré e onde a mesma desenvolve a sua atividade industrial no ramo têxtil e tecelagem de fio.

Inicialmente, as instalações fabris da Ré situavam-se a 50 metros de distância da morada dos autores, mas, depois, foram ampliadas, com a construção de pavilhão de 1.300 m2 de área, situado a 14 metros de distância da sua referida morada, no qual a Ré passou a exercer a sua atividade de forma continua e sem para isso estar licenciada.

Sucede que a potência, o número e a proximidade dos teares provocam na sua habitação um ruído e vibrações permanentes que os impedem de levar uma vida normal, designadamente, de ali dormir e descansar, o que lhes causa um enorme desgosto, irritação e nervosismo, afetando a sua saúde psicológica e física, assim como do seu agregado familiar.

O ruído e vibrações indicados provocaram, por outro lado, rachadelas na sala, quartos, cozinha e corredores da sua mencionada habitação.

Acresce ainda o facto do segundo edifício mandado construir pela Ré cortar parte da exposição solar de que beneficiava a sua casa.

  1. A Ré contestou, alegando que, para além das suas construções e atividade estarem licenciadas, a sua laboração não provoca os alegados ruídos e vibrações.

    Concluiu pela improcedência desta ação e pela sua absolvição do pedido.

  2. Na sua resposta, os autores reafirmaram a sua posição inicial.

  3. Proferido despacho saneador, foram selecionados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

  4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a pretensão dos autores parcialmente procedente, por provada, e consequentemente, condenou a Ré a cessar a sua atividade no período noturno, que se situa entre as 22,00 horas e as 06,00 horas, bem como no dia de descanso semanal, o domingo, condenando-a ainda a indemnizar cada um dos autores em 10.000,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos.

  5. Inconformada com esta sentença, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 08.02.2018, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença recorrida.

  6. Mais uma vez inconformada, a ré interpôs recurso de revista, por via excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « I. Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, Acórdão da Relação de … que, negando provimento à Apelação da ora recorrente, veio confirmar a sentença recorrida.

    1. Não obstante o condicionalismo legal que, nos termos do n.° 3 do artigo 671° do Código de Processo Civil, sobremaneira limita o alcance ao terceiro grau de jurisdição, demonstram-se, observados os pressupostos legais que regem, condicionam e justificam o acesso à presente instância recursiva, recorrendo-se às previsões que se consignam nas alíneas a), respeitante à relevância jurídica da questão a apreciar e b), respeitante à convocação de interesses de particular relevância social, ambas as alíneas do n.° 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil, enquanto fundamentos da respetiva admissibilidade.

    2. Enquanto justificação da relevância jurídica, por esta convocada, enunciam-se, com brevidade, as seguintes razões: i. A Revista interposta pela recorrente, resulta de uma decisão judicativa, indevidamente confirmada pela veneranda Relação de …, e passível de colocar termo ao um litígio que veio opor, em rota de colisão, titulares de direitos fundamentais.

      ii. Pugnando por uma decisão que enunciava a concordância prática dos referidos direitos colidentes, a verdade é que a referida decisão não veio obedecer sequer à fundamentação de direito com que a veio justificar e o propósito que veio de augurar, colocando em risco os mais elementos imperativos de Justiça.

      iii. Contrariamente aos próprios fins enunciados, peca a referida decisão, indevidamente confirmada pela venerada Relação de …, por flagrante insuficiência de fundamentação, exigível pelo princípio constitucional de proporcionalidade com que a veio conformar.

      iv. Interpretando e aplicando uma norma legal alegadamente sob tal égide, a decisão que ora se censura, porque infundamentada - desatendendo a matéria de facto que se reputaria imprescindível à respetiva conformação, alegada ab initio pela recorrente, e decidindo, até mesmo, sem sentido diametralmente oposto a esta última - colocará em causa a supressão de um direito fundamental.

      v. Impondo-se, nos termos do artigo 682.° do Código de Processo Civil, por um imperativo de Justiça e a bem da decisão da causa, a remessa dos autos para a Relação e, se necessário, para o Tribunal de primeira instância, com vista ao apuramento, em audiência de julgamento, de toda a matéria de facto imprescindível à boa decisão da causa, segundo as várias soluções possíveis da questão de direito, anulando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo em matéria de facto, sem prejuízo do já decidido, no demais, a fim de proceder à ampliação da matéria de facto, imprescindível à decisão conscienciosa, com devida obediência ao princípio da proporcionalidade, sem a qual não se reputará possível IV. Por sua vez, enquanto justificação da relevância social, por esta convocada, serão de elencar, com igual brevidade, as seguintes razões: i. A presente Revista convoca interesses "iminentes da comunidade", ultrapassando, os interesses em jogo, significativamente os limites do caso concreto[1].

      ii. A questão que se coloca em causa, a seguinte: cumpre o desígnio do princípio constitucional da proporcionalidade e da proteção da confiança, uma decisão jurisdicional que apesar de propugnar, ao abrigo da aplicação do artigo 335°, n°s 1 e 2 do Código Civil, uma interpretação e aplicação da referida norma legal no sentido da prevalência, no estritamente necessário, dos direitos de personalidade[2] sobre o conteúdo essencial da liberdade de iniciativa económica[3], que veio pugnar por uma delimitação da matéria de facto que desconsiderou factos essenciais à boa decisão da causa, determinando uma solução que, além de distinta do pedido realizado pelos demandantes e, em momento algum, aceite ou veiculado por quaisquer dos litigantes em última análise, veio colocar em risco, ao contrário do que se propunha, um dos referidos direitos a salvaguardar, colocando, deste modo, em risco a subsistência de uma empresa? iii. Sob o desígnio dos limites da conformação do direito à livre iniciativa económica, e a respetiva salvaguarda constitucional, enquanto instrumento do progresso coletivo, caberá referir, tendo por apreço o exemplo dos autos, consubstanciando-se, a recorrente, uma empresa com décadas de atividade, que se desenvolveu, ao longo dos anos, de forma tímida e sustentada, seria de evitar, até às últimas consequências, que esta fosse, desta forma colocada em causa - dado atentar-se contra o progresso coletivo que constitucionalmente se lhes arroga - se coloque em causa o sacrifício do direito à livre iniciativa privada, quando o propósito, conforme decorre da sentença e do acórdão que bem assim a confirmou, se reputava a salvaguarda do exato contrário.

      iv. Não se adequando, por isso, a acórdão ora sob censura - que veio impor à ora recorrente a proibição de prosseguir a respetiva laboração durante o turno da noite, sacrificando assim, a respetiva subsistência em laboração contínua - ao fundamento que, em si mesmo, as recorridas instâncias se propunham salvaguardar, quando haveria outras opções, que vieram ser deliberadamente desatendidas apesar de oportunamente alegada a inviabilidade prática da opção que veio de vencer - que permitiriam evitá-lo sem, com isso, colocar em causa os interesses e direitos dos recorridos: isto é, competiria às instâncias recorridas ter interpretado e aplicado a norma legal convocada, designadamente o n.° 2 do artigo 335.° do Código Civil, sob a égide do princípio da proporcionalidade, devendo para o efeito, ter considerado, devidamente, a opção menos intrusiva.

    3. A razão que reclama tal admissibilidade será, nesta senda, a seguinte: a indevida confirmação da decisão da primeira instância pela veneranda Relação de …, na medida em que veio desatender, numa situação que acusava imprescindibilidade, matéria de facto que urgia apreciar e dar resposta, indispensável, no entender da recorrente, à boa decisão da causa, que se consubstancia na própria sobrevivência económica desta.

    4. Factualidade que se viu, apesar de oportunamente suscitada nos autos, indevidamente julgada como conclusiva pelas instâncias recorridas e, mais perniciosamente ainda, interpretada a contrario, uma vez que desta não se deixaram de imiscuir, dela fazendo o verdadeiro cerne da decisão alcançada: a possibilidade (sempre contraposta pela recorrente) de a CC, Lda. persistir a sua atividade sem ser em regime de laboração contínua.

    5. Sem qualquer fundamento que legitimasse tal hipótese, assim a pressupuseram, não obstante a recorrente - muito antes de se colocar em...

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