Acórdão nº 1848/19.8T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO AA e BB, vieram intentar ação de processo comum contra CC, DD e EE, pedindo: a) que se declarem os Autores únicos e exclusivos proprietários e possuidores do prédio identificado no artigo 1º desta Petição Inicial e, condenando-se os Réus a tal reconhecerem.

  1. consequentemente, que sejam os Réus condenados a retirar ou eliminar do seu prédio as chaminés de que emanam os cheiros, fumo, fuligem e vapores e que atingem o prédio dos Autores e referidos neste articulado. Ou, c) em alternativa – caso assim se não entenda – que se condenem os Réus a elevar as chaminés para o nível adequado, eficiente e suficiente, com vista a evitar no futuro a emanação dos mesmos. Outrossim, d) que sejam condenados numa sanção pecuniária compulsória de € 100 (cem euros) por cada dia de atraso na efetivação das obras necessárias, e a partir do términus da data fixada pelo Tribunal, e) que sejam os Réus ainda, condenados a pagar aos Autores uma indemnização por danos morais, causados e a causar, a liquidar em execução de sentença, uma vez que ainda não cessou na sua eficácia danosa a conduta ilícita dos Réus.

    Para fundamentar os seus pedidos, alegam que são proprietários de prédio confinante com prédio dos RR. e que neste os RR. edificaram sete chaminés, erigidas em desconformidade com as normas constantes do RGEU e que constantemente fumegam e deitam detritos regulares para a casa e piscina erigida pelos AA., pondo em causa a salubridade da sua casa e o seu bem estar físico e psíquico.

    * Contestaram os RR., aceitando a propriedade dos prédios e a sua contiguidade, mas alegam que as chaminés em causa não violam qualquer disposição do RGEU, destinam-se a saída de fumos de uma churrasqueira, um fogão a lenha e uma bailarina para aquecimento de águas, fazendo uma utilização normal das chaminés, utilizando lenha de acácia e pinho.

    Mais alegam que o prédio dos AA. também tem chaminés, sendo uma delas à cota das chaminés dos próprios RR., pelo que a chaminé dos AA. é tão passível de causar problemas quanto a chaminé dos RR.

    * Após, procedeu-se a audiência prévia, na qual se fixou o objecto do litígio e elaborou-se os temas de prova.

    *** Realizada audiência final, foi proferida decisão que julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido.

    * Não conformada com esta decisão impetraram os AA. recurso da mesma, formulando afinal, as seguintes conclusões: “1ª – O presente recurso, porque se não impugna a matéria de facto, diz respeito tão só a matéria de direito.

    1. – Os Autores peticionam na causa o reconhecimento do seu direito de propriedade do prédio identificado na Petição Inicial e, consequentemente, por força dos factos por si alegados que os Réus sejam condenados a eliminar do seu prédio as chaminés de que emanam os cheiros, fuligem e vapores que atingem o seu prédio ou, em alternativa, elevar as chaminés para nível adequado, eficiente e suficiente a evitar no futuro a emanação de idênticos actos.

    2. – E bem assim, que os Réus sejam condenados numa sanção acessória por cada dia de atraso na efectivação das obras necessárias e, finalmente condenados em indemnização por danos morais causados e a causar, bem como nas custas do processo.

    3. – Assim sendo, resultando provado tais alegados factos constantes nos nºs 1 a 18 dos “factos provados” que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que se escusa de repetir, até por questão de economia processual, resultam necessariamente provados os factos constitutivos do direito alegado, designadamente a conduta ilícita dos Réus e o nexo de causalidade entre esse comportamento e os danos sofridos, com total procedência da acção, ao invés do decidido.

    4. – Autores e Réus são vizinhos e os seus prédios urbanos – respectivas casas de habitação – onde todos residem – e a moderna teorização do “direito de vizinhança” não se compadece com uma concepção pandectistica do direito de propriedade, baseando-se antes na função social do direito de propriedade, pelo que a problemática da vizinhança deriva sobretudo da “relação de facto” emergente da utilização da propriedade em consequência do exercício da actividade económica privada, socialmente vinculada, cujo equilíbrio da “coexistência pacífica” é rompido pela perturbação anormal ou excessiva, isto é, intolerável como no caso sub- judice.

    5. – Numa situação de colisão de direitos a aferição sobre os direitos em colisão são iguais ou de espécie diferente, embora não prescinda de uma avaliação em abstracto dos bens jurídicos tutelados pela situação em apreço, tem de ser feita em concreto, consoante as circunstâncias do caso.

    6. – Ainda que as chaminés de que emanam os fumos, cheiros e fuligens se encontrem a altura regulamentar, o direito dos Autores e ora Recorrentes ao repouso, ao sossego e à tranquilidade, emanação dos direitos fundamentais de personalidade, por um lado, e o direito dos Réus à tapagem ou construção previstos nos artigos 1.350º, 1.356º, do Cód. Civil, devem prevalecer os direitos dos Autores, por aplicação do artigo 335º, do Cód. Civil.

    7. – Já que, manifestamente, o interesse tutelado pelo direito dos Réus embora sendo uma manifestação do direito de propriedade consagrado no artigo 62º, da CRP é de valor muito secundário em relação ao direito dos Autores ao sossego, ao repouso, à tranquilidade, condições indispensáveis à realização dos direitos fundamentos à saúde e qualidade de vida consagrados nos artigos 26º, 64º e 66º daquela nossa Lei Fundamental.

    8. – Vale tudo por dizer que, pela factualidade provada e já repetida, constitui ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humanamente sadio e ecologicamente equilibrado) e, através destes no direito à saúde e qualidade de vida de acordo com os enunciados princípios da nossa Lei Fundamental.

    9. – Perante a lei civil, o direito de oposição face à emissão de fumo, fuligem e vapores na forma antes enunciada subsiste, mesmo que o nível das chaminés de que emanam tenha sido autorizado pela autoridade administrativa competente, e sempre que implique – como implica – ofensas de direitos de personalidade.

    10. – Recorrendo a ajuda legal, doutrinal e jurisprudencial, atentas as emissões absolutamente anómalas, não podem os Recorrentes aceitar a “violência” das mesmas, sendo mínimo o prejuízo para os Réus com vista a permitir aos Autores uma vizinhança saudável.

    11. – Os aqui Recorrentes são pessoas normais, como os Réus e outros residentes naquela hospitaleira vila, e nem precisam de ser de fina sensibilidade para poderem reclamar o direito de viverem em paz e sossego, manifestação do seu direito à saúde física e mental – como qualquer outro cidadão.

    12. – A emanação de cheiros nauseabundos a queimado, fumo e fuligem que penetra na piscina e na própria casa de habitação têm enorme gravidade justificativa do “prejuízo substancial” exigido na lei.

    13. – O prejuízo substancial para o uso do imóvel deve ser entendido de forma lata, de modo a abranger também as lesões que a conduta do vizinho infractor cause ao morador do imóvel, ou seja, que afectem os seus direitos de formalidade.

    14. – Complementarmente invoca-se para o efeito o Abuso do Direito por banda dos Réus – artigo 334º, do Cód. Civil – porquanto, como é sabido, a concepção do abuso do direito no nosso ordenamento jurídico é objectiva, não sendo necessária a consciência de se excederem, como o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam estes direitos – cfr. Pires de Lima, Antunes Varela C. C. Anotado, 3ª Ed., Vol. I, pág. 296.

    15. – Atenta a factualidade descrita, os Réus agiram excedendo manifestamente os limites da boa-fé e dos bons costumes, na conclusão de que a sua actuação foi chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade envolvente.

    16. – Paralelamente foi violado outrossim o princípio da igualdade – artigo 13º, da CRP – que reclama a procura de igual ou idêntica solução legal para situações iguais ou idênticas, reclamando da mesma fonte, a adopção de soluções diversas quando as soluções sejam elas mesmo dissonantes.

    17. – Por fim, provados que foram os factos ilícitos e culposos pelos Réus, pressupostos da responsabilidade civil, deverão os mesmos ser respeitados, por reclamados nos danos morais, bem como a sanção pecuniária compulsória – tudo e sempre no Douto arbítrio do Tribunal e em equidade.

    18. – Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo, violou entre outras as mesmas contidas nos artigos 70º, 334º, 335º, 483º, 494º, 496º, 563º, 564º, 560º, 566º e 1.346º, do Cód. Civil, 609º, do Cód. Proc. Civil, artigos 13º, 26º, 64º e 66º da Constituição da República, artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

    Termos em que, e no mais sempre com o Douto Suprimento deste Tribunal, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e a sentença em apreço ser revogada e substituída por Acórdão que decida de acordo com tudo o ora exposto nestas alegações e respectivas conclusões, com a total procedência da acção e consequente condenação dos Réus nos pedidos aí formulados pelos Autores, por ser de Verdadeira JUSTIÇA!” * Os RR. vieram interpor contra-alegações delas resultando as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: 1. A tutela do direito de propriedade, do direito à qualidade de vida, direito à tranquilidade, direito à habitação e ao ambiente, com base no artigo 1346º do Código Civil, (emissões de fumos e fuligens) carece, segundo a jurisprudência atual, que ficasse demonstrado e provado um dos dois pressupostos indicados naquele artigo 1346º do Código Civil.

    1. Tendo ficado demonstrado e provado que a atuação dos Réus, no que diz respeito à utilização do seu imóvel com a emissão de fumos e fuligens que fazem da corrente utilização das diversas chaminés que é normal e lícita, restaria aos Autores, em alternativa, a alegação e prova de que tal atuação, ainda assim...

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