Acórdão nº 247/19.6T8FVN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução28 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO AA, intentou a presente ação declarativa em processo comum contra BB, F... Lda., CC, e DD, formulando os seguintes pedidos principais: i. Ser declarado nulo o contrato de arrendamento (ou de cedência) industrial de restauração que celebraram entre si, do rés do chão e da garagem anexa, do estabelecimento sito na Rua ..., ..., em ..., dos dois prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os números ...04 e ...44, da freguesia ... e o consequente encerramento definitivo do estabelecimento composto por ambos os prédios (de habitação e de garagem).

ii. Serem os Réus BB, F... Lda. e CC condenados, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização de €22.860,00 (vinte e dois mil, oitocentos e sessenta euros) pelos danos morais causados no período compreendido entre 13-01-2016 e 01-03-2019.

iii. Serem os Réus BB e DD condenados, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização de €50,00 (cinquenta euros) diários desde o dia 01-03-2019 até ao dia do encerramento definitivo do estabelecimento, por danos morais e por perda de chance de não poder a Autora a arrendar a sua casa.

A título subsidiário peticionou a Autora a condenação do Réu DD a: iv. Retirar a esplanada e o toldo que ocupa a rua em frente ao estabelecimento.

  1. Manter a porta de entrada do bar com um sistema que a feche automaticamente após a entrada/saída dos clientes.

    vi. Não manter qualquer instalação sonora no interior do estabelecimento.

    vii. Encerrar o estabelecimento às 20h00 nos meses de janeiro, fevereiro, março, outubro, novembro e dezembro e às 22h00 nos meses de abril, maio, junho, julho e agosto, pagando uma indemnização pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) no primeiro mês e de €150,00 (cento e cinquenta euros) nos meses seguintes, por cada dia de atraso no cumprimento da presente decisão.

    viii. Insonorizar, no prazo de 60 (sessenta) dias, todo o interior do estabelecimento com isolamento acústico total, de forma a não serem audíveis na rua os ruídos e/ou barulhos nele produzidos.

    Para o efeito alegou a A., em síntese, ser comproprietária de uma casa de habitação sita na Rua ..., ..., em ..., em frente da qual se situa o prédio urbano propriedade do 1º Réu, que o cedeu em arrendamento aos 2º e 3º RR. e posteriormente ao 4º R., para o exercício da actividade de restauração e lazer, quando o fim a que se destina este prédio urbano é exclusivamente habitacional.

    Mais alega que o exercício da actividade comercial de café/bar no prédio em apreço a impede, a si aos seus filhos, netos e bisnetos, de usufruir de qualidade de vida, de sossego, de descanso e de tranquilidade nas temporadas que passam na casa sita em ..., tendo-se desvanecido a alegria que sentiam de vir à vila gozar férias, feriados, aniversários e dias festivos e impedindo-a de arrendar parte do seu prédio, em consequência do ambiente degradado que se manifesta na rua em que ambas as habitações se situam e do ruído que advém do prédio em frente.

    * Regularmente citados, todos os RR. contestaram invocaram a excepção de ilegitimidade activa da A. para a presente acção, por preterição de litisconsórcio necessário.

    O 1º R. invocou, ainda, a ilegitimidade activa da A. para formular o primeiro pedido principal e a ininteligibilidade do segundo e terceiro pedidos principais formulados contra si. Peticionou ainda a condenação da Autora em multa e indemnização a seu favor, em quantia não inferior a € 5.000 (cinco mil euros), com fundamento em litigância de má-fé.

    Por sua vez, os demais RR. invocaram a ilegitimidade passiva do 3º R., a ineptidão da petição inicial, por ser ininteligível a indicação do pedido ou causa de pedir e por o pedido estar em contradição com a causa de pedir.

    Vieram ainda deduzir pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização condignas.

    * Dispensada a audiência prévia, fixou-se o valor da causa em € 30.000,01 e proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa da Autora para o primeiro pedido principal (ser declarado nulo o contrato de arrendamento celebrado entre o 1º e os demais RR.) e, em consequência, se absolveram todos os RR. do referido pedido.

    Conheceu-se, igualmente, da manifesta inviabilidade do segundo e terceiro pedidos formulados contra o 1º R. BB, absolvendo-o dos mesmos.

    Foram julgadas improcedentes a excepção de ilegitimidade activa da Autora, a excepção de ilegitimidade passiva do 3º R. Réu e a excepção de ineptidão da petição inicial * Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, após o qual se proferiu a seguinte “V. DECISÃO 1. Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: i. Condenar os Réus F... Lda. e CC, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-os do restante peticionado.

    ii. Condenar o Réu DD a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do restante peticionado.

    iii. Condenar o Réu DD a retirar a esplanada que ocupa a rua em frente ao estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados, a partir das 22h00 todos os dias.

    iv. Condenar o Réu DD no encerramento do estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados às 22h00 de domingo a quinta-feira e 24h00 à sexta feira, sábado e vésperas de feriado, todos os meses do ano, mais se fixando a sanção pecuniária compulsória de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de não cumprimento da presente decisão, absolvendo-o do demais peticionado quanto a medidas restritivas de funcionamento do mesmo, quanto ao pedido de arbitramento de indemnização por perda de chance de arrendamento e demais peticionado.

    1. Julga-se improcedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pelos Réus, absolvendo-se a Autora do pagamento de uma multa e indemnização.

    2. Condena-se a Autora e os Réus litisconsortes F... Lda. e EE no pagamento das custas do processo relativamente ao segundo pedido, na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 98% e 2%, respetivamente.

    3. Condena-se a Autora e o Réu DD no pagamento das custas do processo relativamente ao terceiro pedido e às providências destinadas à tutela da personalidade, na proporção de metade.

    ” *** Não conformada com esta decisão impetrou a A. recurso da mesma, formulando afinal, as seguintes conclusões: “Primeira O valor da indemnização por danos morais que os RR, foram condenados deve ser alterado para o valor peticionado de 22.860,00 € porque, salvo o devido respeito, houve uma errada interpretação e aplicação da lei, designadamente o disposto nos artigos 483 e 496.1 do CC e 1, 14.1, 15, 18, 28 do DL 9/2007 de 17.01.

    Segunda Também o valor da sanção pecuniária compulsória deve ser alterado para o valor peticionado de 500,00 € diários (esta sanção não tem a natureza de danos morais). Foi feita uma errada interpretação do disposto no artigo 829-A do CC.

    Terceira Só com a insonorização do estabelecimento serão, efectivamente, respeitados os direitos da A., mormente, tendo em conta o histórico comportamento dos RR. Junta cópia do ocorrido na véspera de Natal passado, com desrespeito total pelas normas sanitárias anti-covid1 19, (ruido excessivo, não distanciamento físico, venda de bebidas alcoólicas) comunicado aos Ministérios da Administração Interna e da Saúde.

    Assim, alterando VV. Exas a douta sentença como se pede, será cumprida a vossa alta tarefa de fazer JUSTIÇA.” * Os RR. CC e F... Lda. vieram interpor recurso independente e subordinado com fundamentos semelhantes, concluindo da seguinte forma: “B) CONCLUSÕES: O presente recurso assenta:

    1. Na inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil, e caso assim não se considere, B) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil; C) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 , alínea e) do Código de Processo Civil; D) Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto- erro de julgamento.

    2. Na Impugnação da matéria de Direito: Da não verificação dos pressupostos da responsabilidade extra contratual- violação do artigo 483.º do Código Civil; Da violação do artigo 165.º do CC.

    3. Na Existência de Litigância de Má-fé – violação do artigo 542.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil Desta feita e concretizando: A) Da inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil: 1) O douto Tribunal “ a quo” - considera que da senda da Presente Acção de Processo Comum para apuramento de Responsabilidade Extra- Contratual, é possível ocorrer cumulação de pedidos destinados à tutela da personalidade com contemplação na esteira de Processo Especial – artigos 878.º, 879.º e 880.º do C.P.C; 2) A presente acção é uma Acção de Responsabilidade Civil Extra Contratual por violação dos direitos de personalidade (cfr. Artigo 70.º, n.º 2 do CC e artigo 483.º do C.P.C – este apenas contempla a possibilidade de indemnizar), sendo que o meio processual adequado para requerer que sejam decretadas providencias tutelares preventivas ou atenuantes, é o processo especial de tutela de personalidade que se encontra previsto actualmente nos artigos 878.º, 879.º e 880.º do Código de Processo Civil.

      3) Os Recorrentes consideram que o artigo 546.º do C.P., determina as formas de processo (comum ou especial) e por seu turno nos termos conjugados do artigo 555.º e 37.º do...

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