Acórdão nº 111/12.0TBAVV.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução14 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA e mulher, BB, residentes no lugar de …, Ponte da Barca, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC e mulher, DD, residentes no lugar de …, Arcos de Valdevez, alegando, em síntese, que: Por contrato celebrado em 31 de Janeiro de 2005, os réus prometeram ceder ao autor, que prometeu adquirir-lhes, as quotas de que cada um era detentor na EE -Sociedade Hoteleira, Lda, tendo-lhes entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, 40.000,00 €uros.

Ficou acordado que a escritura do contrato prometido seria realizada, no prazo máximo de um ano, mas tal não ocorreu, nem poderá já suceder, por exclusiva responsabilidade dos réus, que cederam as suas quotas nessa sociedade a terceiros, por escritura pública de 27 de Janeiro de 2012.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir a declaração de incumprimento desse contrato promessa, por causa exclusivamente imputável aos réus, e a condenação destes a pagar ao autor a quantia de 80.000,00 €uros, correspondente ao dobro do sinal prestado.

Os réus apresentaram contestação a contrapor diferente versão factual, sustentando, em resumo, que existe caso julgado, formado no procedimento cautelar e acção que correu termos entre as mesmas partes e não há motivo para a devolução do sinal em dobro, pois o incumprimento da promessa de cessão de quotas não lhes é imputável.

Concluíram, desse modo, pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Os autores responderam a pugnar pela inverificação da excepção de caso julgado.

Foi proferido despacho saneador, a refutar tal excepção, seguido da identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Realizada a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos aí prestados, foi proferida sentença (em Maio de 2015) que, na procedência da acção, condenou os réus a pagarem aos autores a quantia de € 80.000,00.

Os réus apelaram (impugnando de facto e de direito), sem êxito, tendo a Relação de Guimarães confirmado o sentenciado na 1ª instância, depois de rejeitar o recurso atinente à matéria de facto, e, persistindo inconformados, interpuseram recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem: I. O recurso é interposto da decisão de rejeição da apelação na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, indeferindo-a e mantendo a factualidade provada nos termos decididos pela 1ª instância.

II.

A decisão do Tribunal da Relação não encontra correspondência na decisão da 1ª instância sobre tal matéria, independentemente da convergência sobre as questões de direito em apreço, não se perfilando, portanto, quanto a tal matéria um problema de “dupla conformidade”.

III.

Entendem os Recorrentes que a imposição legal – alíneas a), b) e c) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do art.º 640º do CPC, quanto ao ónus da impugnação da decisão relativa à matéria de facto foi cumprida, ainda que de forma não completamente explícita e compartimentada.

  1. Quer quanto à especificação dos concretos pontos de facto que consideraram incorrectamente julgados, quer ainda quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de matéria de facto diversa da recorrida, transcrevendo e indicando as respectivas passagens das gravações em que se fundou o recurso, bem como à decisão que, no entender dos Recorrentes, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.

  2. Estando consequentemente cumprido o ónus dos Recorrentes concernente à impugnação da matéria de facto.

  3. Devendo-se, em razão do alegado, por que reunidos os requisitos consagrados pela referida disposição legal, antes de mais, conhecer da impugnação da matéria de facto colocada em crise no recurso.

  4. Sem prejuízo, cautelarmente, entendem os Recorrentes que, afastando-se a nulidade do acórdão recorrido pelas razões explanadas, que o Tribunal recorrido cometeu manifesto erro de julgamento por violação da lei processual.

  5. Neste alcance, pese embora o acórdão recorrido ter negado provimento à sua apelação, assim confirmando a sentença da 1ª instância, entendem os Recorrentes que este tribunal superior, não obstante o elevadíssimo respeito que tal decisão lhes merece, pugnou por uma desacertada interpretação do art.º 640º do CPC.

  6. Conforme é consabido, à interposição de um recurso, em sede processual civil, incumbirá a quem dele faz uso o ónus de alegar, arregimentar conclusões e ainda, paralelamente, individualizar cada um dos pontos da discórdia com a decisão impugnada, designadamente, as normas jurídicas que se entendem violadas, por errada interpretação e aplicação, ou, em caso de invocação de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que devia ser aplicada, assim o preceitua o art.º 639º, n.º 2, a), b) e c) do CPC.

  7. Ao recorrente impor-se-á, na eventualidade de ser impugnada a decisão sobre matéria de facto, o ónus de especificar, conforme decorre das alíneas a), b), e c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, no que respeita aos meios probatórios invocados para fundamenta eventual erro na apreciação da prova produzida, designadamente a gravada, impende sobre o recorrente indicar com exactidão as passagens temporais da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

  8. Para o que interessa, reitera-se que, no âmbito da impugnação sobre matéria de facto, os pressupostos constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC devem ser obrigatoriamente especificados pelo recorrente, sob pena de rejeição.

  9. No entanto, a cominação de rejeição do recurso, prevista para a falta dessas especificações, ao contrário do que acontece quanto à matéria da alínea b) do n.º 2 do art.º 640º do CPC, não funciona automaticamente.

  10. O Tribunal deve convidar os recorrentes a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação, de modo a evitar uma radicalidade ou resultado que se considera desmesuradamente grave e nefasto para os recorrentes.

  11. De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 639º do CPC, não obstante inexistir uma disposição legal específica sobre a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, onde textualmente se consagre a possibilidade da prolação do despacho de aperfeiçoamento, o melhor e mais sábio entendimento doutrinal e jurisprudencial, fundado até mesmo em exigências de ordem constitucional, tem vindo a considerar que, em tais casos, o convite ao aperfeiçoamento se demonstra, para todos os efeitos, um dever a ser demonstrado pelo Tribunal ad quem e não, tão só, uma mera possibilidade a ser colocada em questão in casu.

  12. A interpretação do art.º 640º do CPC feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães é violadora do direito ao recurso, direito que em matéria de facto integra o núcleo essencial do direito de acesso à justiça consagrado no art.º 20º da CRP.

  13. A resposta a dar não caberá, conforme decorre e bem de tal entendimento doutrinal e jurisprudencial, ao circunstancialismo de cada caso, mas antes da estrita obediência a princípios que se querem estruturantes do processo civil e que retêm no seu retinir, ecos de prerrogativas de ordem constitucional.

  14. Neste sentido, verificando-se a ausência de especificações quanto a factos e meios probatórios, as conclusões revelam-se naturalmente deficientes.

  15. Facto que confere cobertura legal ao sobredito convite ao aperfeiçoamento, sustentado no preceituado pelo art.º 639º, n.º 3, 1ª parte e ainda cimentado no princípio da promoção oficiosas das diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, a que se reportam os art.ºs 6º, n.ºs 1 e 2 e 411º, do CPC.

  16. Contudo, mesmo a entender-se que as...

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