Acórdão nº 953/09.3TASTR.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Como informa o relatório do acórdão recorrido: “Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº 953/09.3TASTR, da Comarca de Santarém (Santarém - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 2), foi acusado o arguido AA como autor material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, al. a), e 184º - com referência ao artigo 132, nº 2, al. l) -, todos do Código Penal.

Constituiu-se assistente BB.

A assistente deduziu pedido de indemnização civil, solicitando a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu nos seguintes termos (em transcrição): “Pelo exposto e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal decide julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e pela assistente e, consequentemente:

  1. Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.ºs 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, al. a) e 184º, com referência ao art. 132º, nº 2. al. l), todos do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 08,00 (oito euros), o que perfaz a pena de € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros); b) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização cível e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar à demandante/assistente, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

  2. Condenar o arguido AA, em custas criminais, fixando a taxa de justiça em 04 (quatro) UC’s, nos termos do art.º 513º do C. P. Penal e art.º 8º, nº 9, com referência à Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

  3. Condenar o arguido/demandado AA em custas cíveis, na proporção do respetivo decaimento.

  4. Determinar o conhecimento público da sentença mediante a afixação do texto da mesma no local aonde são afixados os editais neste tribunal, modo que se tem por adequado a publicitar a mesma, nos termos do disposto no artigo 189º, nºs 1 e 2, do Código Penal”.

    * Inconformados, interpuseram recurso quer a assistente, quer o arguido, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: {…]” Por acórdão de 10 de Maio de 2016, o Tribunal da Relação de Évora proferiu a seguinte: “III - DECISÃO Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

  5. Negar provimento ao recurso interposto pela assistente.

  6. Conceder provimento ao recurso (visando a sentença) interposto pelo arguido, revogando-se a sentença condenatória revidenda, e, em consequência, absolvendo-se o arguido da imputada comissão de um crime de difamação, e absolvendo-se o arguido do pedido de indemnização civil contra ele formulado.

  7. Não conhecer dos “recursos intercalares” interpostos pelo arguido.

    Custas, do recurso interposto pela assistente, a cargo da assistente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça.

    Sem custas os recursos encabeçados pelo arguido.” Inconformada. recorreu a assistente ”ao abrigo, nomeadamente, do disposto nos arts. 400.º, n.ºs 2 e 3, 401.º, n.º 1, als. b) e c), 402.º, n.º 1, 406.º, nº 1, 407.º, 408.º, 410.º, n.º 1 e 411.º, n.º 1, alínea a), 432.º, n.º 1, alíneas b), do Código de Processo Penal conjugados com os artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 (este conjugado com o artigo 644.º, n.º 1), e 674.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil”, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso: 1.

    Tendo em atenção o pedido civil da assistente / demandante civil, a sentença condenatória da primeira instância, o recurso interposto pela assistente contra essa decisão na parte relativa ao montante da indemnização civil e o acórdão absolutório de 10-5-2016, é admissível recurso quanto à matéria civil para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo legitimidade para o efeito a demandante civil, atento o disposto, nomeadamente, nos arts. 400.º, n.ºs 2 e 3, 401.º, n.º 1, als. b) e c), 402.º, n.º 1, 406.º, nº 1, 407.º, 408.º, 410.º, n.º 1 e 411.º, n.º 1, alínea a), 432.º, n.º 1, alíneas b), do Código de Processo Penal conjugados com os artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 (este conjugado com o artigo 644.º, n.º 1), e 674.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil).

    1. Erro de direito do acórdão recorrido ao proferir decisão absolutória do demandado civil 2.

    O acórdão recorrido ao absolver o arguido e demandado civil do pedido civil violou o disposto nos artigos 1.º, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da Constituição, e nos artigos 70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 484.º, n.º 1, 496.º e 563.º do Código Civil e, na medida em que o relevou para esse efeito, o disposto nos artigos 180.º, nºs 1 e 2, 182.º, 183.º, n.º 1 a) e b), 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (C.P.), pois absolveu o arguido do pedido civil com o argumento, juridicamente errado na perspetiva da recorrente, de que «não existe um facto ilícito praticado pelo demandado» (p. 56 do acórdão recorrido).

    1. Na matéria de facto enunciam-se várias imputações formuladas pelo arguido ofensivas da honra da assistente (cf. factos 4, 5, 6, 7, 9, 27, 29, 30, 35) tendo sido também provada a falsidade das imputações do arguido (factos 8, 10, 21, 22, 23, 24, 25 e 26), bem como o dolo directo e muito intenso do arguido (factos 28, 30, 33, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 56 e 57) e os danos sofridos pela demandante civil em virtude da calúnia (factos 30, 31, 32, 33, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 54, 56, 57, 58, 59).

    2. O acórdão recorrido, embora não tenha procedido à correcta valoração jurídica da matéria de facto, reconheceu que resulta à saciedade que «o arguido afirmou, em suma, que a assistente no exercício das suas funções (de magistrada judicial), e no âmbito de um concreto processo, foi parcial, beneficiando uma das partes no processo e prejudicando a outra, tudo por motivos de amizade e inimizade», contudo acolheu uma peregrina tese de que a ilicitude da conduta do arguido demandado civil devia ser considerada justificada pelo fim prosseguido.

    3. A tese peregrina acolhida no acórdão recorrido foi a seguinte: Apesar de se reconhecer que são «ofensivas da honra e consideração da assistente (enquanto magistrada judicial) as imputações feitas pelo arguido, de parcialidade, de comprometimento com uma das partes envolvidas num processo judicial e de favorecimento dessa mesma» (p. 43 do acórdão), a respetiva ilicitude foi considerada justificada por as imputações falsas e caluniosas terem sido formuladas com o objectivo de remover temporária ou definitivamente a ofendida de um processo em que, por força das regras legais, era a juíza competente e, consequentemente, concluiu que os danos causados na honra e bom nome do lesado não merecem tutela pois prevalece o interesse do visado remover o juiz do processo ainda que com base em calúnia para sustentar a recusa de juiz.

    4. Entende a recorrente que a «original» tese acolhida pelo acórdão recorrido viola as normas citadas na conclusão 2.ª e, de uma forma global, valores constitucionais da ordem jurídica portuguesa, ostensivamente ofendida se se qualificar como legítimo o interesse de um advogado em remover (temporária ou definitivamente) um juiz de um processo (que se lhe encontra distribuído por força das regras legais) através a imputação de factos falsos com ofensa da honra e bom nome do visado, com dolo directo e muito intenso, socorrendo-se da calúnia como meio eficaz para a prossecução de interesses subjectivos contra o Direito.

    5. Acresce que ainda que se estivesse perante o exercício de um interesse que devesse ser qualificado como legítimo, para a ilicitude ser justificada é sempre imposto que, cumulativamente, seja preenchido um outro requisito: O agente provar a verdade da imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira (artigo 180.º/2/b) do C.P.).

    6. No caso dos autos em que o arguido livre e conscientemente criou puras ficções sem qualquer relação com a realidade sabendo dos danos provocados na lesada, com o intuito de conseguir a remoção da mesma de um processo em que intervinha como juíza, mantendo as imputações depois do desmentido veemente da lesada de molde a prorrogar a referida remoção judicial, é manifesto que não preencheu nenhum dos requisitos cumulativos do artigo 180.º, n.º 2, do C.P. que conforme doutrina e jurisprudência pacíficas nem sequer se aplica ao tipo de calúnia (artigo 183.º do C.P.) preenchido pelo arguido.

    7. Da factualidade provada decorre que o arguido proferiu várias afirmações que isoladamente, por si sós, eram caluniosas e consideravelmente ofensivas da honra e bom nome da assistente, e cuja acumulação aumenta a lesão, atenta a montagem de factos e o sentido pretendido pelo arguido, isto é, constitui uma mensagem em que o todo ultrapassa em danosidade a mera soma das partes transmitindo, com base em factos falsos, a ideia de uma atuação desonesta e parcial da lesada, visando beneficiar (falsos) amigos e prejudicar (falsos) inimigos em violação da lei, praticando, consequentemente factos que a serem verdade a constituiriam em autora de crime e infrações disciplinares.

    8. Ofensa da honra e bom nome que não se restringiu a juízos de valor mas compreendeu a imputação de factos reportados relações falsas da assistente (de inimizidade com uma parte e grande intimidade com outra, e como facto instrumental desta, ainda, uma relação falsa entre a assistente e o Conselheiro EE) apresentadas como causa de uma consequência igualmente falsa: uma actuação pretérita parcial e desonesta da assistente num processo em que exercia funções judiciais, deixando dolosamente o menor em risco, discriminando as partes, favorecendo ilicitamente o pai do menor (com quem se afirmou que tinha uma relação de grande intimidade), prejudicando a mãe (que se afirmou ser...

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