Acórdão nº 1331/17.6YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1.

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa promoveu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 50.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto ‒ Lei da Cooperação Judiciária Internacional ‒, o cumprimento do pedido de extradição do cidadão de nacionalidade brasileira AA, nascido a ...1956, no Brasil, filho de ..., com último domicílio conhecido na ..., Brasil, actualmente detido à ordem destes autos no Estabelecimento Prisional de Lisboa, para procedimento criminal pela prática de factos praticados em 2015, puníveis como crimes de fraude, apropriação indevida e lavagem de activos, previstos e puníveis pelos artigos 347° (pena de 6 meses a 4 anos de prisão) e 351° (pena de 3 meses a 4 anos de prisão), ambos do Código Penal do Uruguai, artigo 8° da Lei n.º 18.494, artigos 54° a 58° do Decreto-Lei 14.294, na redacção dada pelo artigo 5° da Lei 17.016 (pena de 20 meses a 10 anos de prisão), a que corresponde no ordenamento jurídico português nos crimes de burla qualificada, p. e p. nos artigos 217º e 218º do Código Penal, a que corresponde a pena de prisão de 2 a 8 anos, e no crime de branqueamento, p. e p. no artigo 368-A do Código Penal, a que corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 6 meses a 5 anos.

2.

O Requerido deduziu oposição ao pedido de extradição, formulando as seguintes conclusões: «Assim, e por todos os fundamentos supra invocados: a) Por violação das normas constantes na Constituição da República Portuguesa; b) Por violação das normas constantes dos Artigos 3.º, 6.º al. a), 18° n.º 2, todos da Lei 144/99 de 31 de Agosto; c) Por não observação do disposto no Artigo 368°-A do Código Penal e da Lei n.° 36/94, de 29 de Setembro; d) Por violação do artigo 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Artigo 7° n.º 1 e Artigo 16° n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Deverão Vossas Excelências: 1) Conhecer da preliminar suscitada quanto ao descumprimento do Estado Requerente quanto a não entrega das garantias decorrentes da regra da especialidade, exigidas no despacho de 26 de Outubro de 2017, e consequentemente arquivar o presente processo e por o Extraditando em liberdade; 2) Caso não seja conhecida a preliminar arguida, negar o pedido feito pelo Estado Requerente para extradição do Extraditando, porquanto o pedido de cooperação: 3) Não cumpre os pressupostos de extradição (recusa obrigatória); 4) Cumpre os requisitos da denegação facultativa de extradição (Cláusula Humanitária); 5) Não satisfaz as exigências constitucionais, no que concerne aos Direitos Fundamentais; 6) Nem satisfaz as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; 7) E, em consequência, a recusar o pedido de cooperação internacional apresentado ao Estado Português.» 3.

O Ministério Público respondeu, tendo concluído que se mostram preenchidas todas as condições para que seja concedida a extradição pelos factos imputados ao Requerido pela República do Uruguai, 4 Por acórdão de 29 de Novembro de 2017, o Tribunal da Relação de Lisboa autorizou a extradição de AA para a República Oriental do Uruguai para procedimento penal pelos indiciados factos integradores dos crimes de fraude, apropriação indevida e lavagem de activos, previstos e puníveis pelos artigos 347° e 351°, ambos do Código Penal do Uruguai, artigo 8° da Lei n.º 18.494, artigos 54° a 58° do Decreto-Lei 14.294, na redacção dada pelo artigo 5° da Lei 17.016.

5.

Desta decisão recorre o Extraditando para este Supremo Tribunal, alegando (transcrição): «OBJETO DO RECURSO Interpõe-se recurso contra o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, que julgou procedente o pedido de extradição do Recorrente feito pela República Oriental do Uruguai, 1 - DA FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO RECORRENTE E DO DEFENSOR SOBRE A SECÇÃO DE JULGAMENTO DO MÉRITO.

  1. O Acórdão ora recorrido foi proferido em 29/ 11/2017, contudo sem que o Recorrente ou o seu Defensor tivessem sido notificados que fora marcado o dia e hora da audiência de julgamento, facto este que resultou em julgamento sem a presença do Recorrente ou a do seu Defensor.

  2. A falta de notificação para audiência de julgamento contraria o disposto no Artigo 32° números 1, 2, 3, 5, 7 e 10 da Constituição portuguesa, bem como nos Artigos 64° n.º 1 alíneas c, d, g e h), 312° n.º 1 alínea b) e 332° n.º 1 todos do Código de Processo Penal.

  3. Originariamente processos de extradição tem como tramitação inicial o Tribunal da Relação, deste modo, mesmo sendo uma instância superior deve ser aplicado o princípio geral do processo penal, ou seja, por ser equivalente a 1ª instância nesse tipo de matéria processual, as partes devem ser intimadas a comparecer a secção de julgamento, e não apenas sobre o teor o acórdão.

  4. Até a data da prisão e o pedido de extradição do Recorrente Portugal não possuía nenhum acordo de extradição com a República Oriental do Uruguai, de modo que no caso em tela as legislações aplicáveis são a Lei 144/99 de 31 de Agosto, Constituição da República Portuguesa, os Códigos de Processo Penal e Penal Português e os tratados e convenções humanitários que Portugal é signatário.

  5. Não devemos confundir o Auto de Audição do Detido constante nas fls. 33 e 34 com a Audiência de Julgamento de Mérito, pois conforme os diplomas já citados o Recorrente tem o direito de estar presente e acompanhado por seu Defensor no dia em que foi julgado o mérito do pedido de extradição.

  6. Embora a Lei 144/99 de 31 de Agosto não seja específica quanto à realização de Audiência de Julgamento do Mérito, não é admitida uma interpretação isolada e unicamente por este diploma, pois no Artigo 3° n.º 2 da Lei em comento, diz que serão aplicadas de forma subsidiária as disposições do Código de Processo Penal.

  7. Sendo assim, na falta de uma previsão específica de Audiência de Julgamento do Mérito, como já dito no parágrafo acima devem ser aplicadas as previsões do Código de Processo Penal e ser garantido à presença do Recorrente e do seu Defensor na secção que julgou procedente o pedido de extradição, e não apenas notificar quanto ao teor do acórdão que decidiu pela extradição.

  8. Sendo certo ainda que na jurisprudência convencional, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - TDEH tem afirmado que o direito a um processo contraditório constitui uma das principais garantias de um processo judicial, e implica, em princípio, a faculdade de as partes num processo, criminal ou civil, tomarem conhecimento prévio dos actos a serem praticados no curso do processo.

  9. Deste modo, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem associa o direito ao princípio da igualdade de armas, sendo esse um dos elementos do conceito mais amplo de processo equitativo, reclamando que a cada parte deva ser dada uma oportunidade razoável para apresentar o seu caso em condições que a não coloquem numa situação de clara desvantagem em relação ao seu adversário.

    2 - DAS CLÁUSULAS HUMANITÁRIAS, DAS FALHAS PROCESSUAIS E INCERTEZAS JURÍDICAS DO ESTADO REQUERENTE.

    a) DA FORMAÇÃO DO PROCESSO NO ESTADO REQUERENTE: 10º O processo em trâmite na justiça da República Oriental do Uruguai se deu por meio de denúncias, 1ª da Srª BB, e 2ª por meio do Representante da Empresa CC Limitada.

  10. Contudo, a justiça do Estado Requerente em total afronta aos princípios do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, não efetuou uma investigação mínima para ver se os factos imputados ao Recorrente são procedentes, sendo certo que o primeiro despacho proferido foi o da prisão preventiva do Recorrente.

  11. Com relação à 1ª denunciante além de inverídicos os factos narrados por ela, ela omitiu em seu depoimento de fls. 146 que mantinha um relacionamento amoroso público e notório com o Recorrente, que incluía viagens em família conforme demonstrados na troca de e-mails e fotos colacionados ao processo.

  12. Diante da omissão de tais factos que são pertinentes e importantes para qualquer investigação imparcial e equitativa, pois quais pontos narrados pela 1ª denunciante são verdadeiros e quais pontos são falsos ou omissos? 14º Já no que concerni a 2ª denunciante, em momento algum foi trazido aos autos que tal empresa tenha efetuado qualquer transação em solo Uruguaio, apenas que teve uma reunião em Montevidéu capital do Estado Requerente, ou seja, todas as transações teriam sido feitas de contas bancárias sediadas no Chile para contas bancárias sediadas nos Estados Unidos da América. 15º Deste modo, quanto à 2ª denunciante nunca foi praticado nenhum crime em solo Uruguaio quiçá em outro país, contudo mesmo que tivesse ocorrido à prática delituosa não seria o Estado Requerente competente para julgar, pois a materialidade teria ocorrido em outra jurisdição, sendo a empresa denunciante omissa em seu depoimento que o valor depositado partia como já dito de contas sediadas no Chile com destino a contas nos Estados Unidos da América.

  13. Quanto à tipificação de lavagem de dinheiro é pertinente afirmar que além de não ter harmonia com a mesma tipificação dada pelo ordenamento jurídico do Estado Português, o crime não se caracteriza, pois como já defendido anteriormente, uma vez que não faz parte dos crimes subjacentes a esse ilícito, pois o ilícito tipificado na lavagem de dinheiro se dá quando se usa de subterfúgio para fazer com o dinheiro amealhado pareça ser de fonte licita.

  14. Nesse diapasão não há como sustentar que se deu lavagem de dinheiro, pois os depósitos foram efetuados de conta sediada no Chile em nome da 2a denunciante para conta sediada nos Estados Unidos da América a favor da empresa registrada em nome do Recorrente, sem que houvesse qualquer manobra para que fosse camuflada ou dissimulada a origem do dinheiro, sendo certo ainda que não a dinâmica para lavagem dinheiro é completamente adversa da forma como foi narrada e tipificada pela justiça do Estado Requerente.

    b) REQUISITOS GERAIS NEGATIVOS DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL (ARTIGO 6º, N° 1...

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