Acórdão nº 3726/22.4YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO BRANQUINHO DIAS
Data da Resolução29 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Pela ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido acórdão, em 27/04/2023, com o seguinte dispositivo, que passamos a transcrever:

  1. Autorizar a extradição do requerido AA para a República da Índia, para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, com respeito pela protecção prevista nos artigos 5.º e 6.º do Acordo de Extradição entre a República de Portugal e a República da Índia; b) Nos termos do art. 35º/2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto sujeitar a entrega do extraditando, na sua execução, à condição de o procedimento criminal em curso em Portugal contra o requerido ser decidido definitivamente, isto é, se for condenado em pena privativa de liberdade, ao cumprimento da respectiva pena e, em caso de absolvição, ao trânsito em julgado da decisão, diferindo-se assim a entrega do extraditando.

    2.

    Inconformado, o requerido interpôs, em 16/05/2023, recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões (Transcrição): 1. Os factos dados como não provados foram incorretamente julgados; a. A prova documental junta e analisada pelo acórdão recorrido permite dar como provados os factos descritos nos pontos 107 a 116 da oposição; b. Ambas as entidades citadas e com publicações nesta matéria, são imparciais e objetivas; c. Os factos aqui alegados na oposição e citados nos estudos das universidades indianas não foram impugnados pelo MP na resposta à oposição; 2. As garantias agora prestadas não podem ser aceites a. Desde logo por que não se trata de um ato irrevogável e vinculativo para os tribunais; b. As garantias apenas enunciam os poderes de clemência e que estes podem ser usados pelo presidente e governo; c. Acresce, que um ministro não vincula o governo e muito menos o presidente da índia; d. De nenhum modo vincula os tribunais; e. A garantia prestada não pode ser aceite; 3. As garantias prestadas são extemporâneas e não pode ser repetido um novo pedido de extradição com o mesmo objeto a. O n.2 do artigo 45 da lei 144/99 não se aplica à fase judicial, mas sim à fase administrativa da extradição; b. Como bem se percebe pela redação do nº2 do artigo 48 da mesma lei; c. Em anterior processo de extradição, exatamente com o mesmo objeto, os tribunais portugueses por decisão transitada em julgado já decidiram recusar a extradição: 4. Existe violação do princípio da confiança a. O estado requerente, como já foi apontado pelo TRL e STJ noutras ocasiões, violou claramente decisões dos tribunais portugueses; 5. Do respeito pela convenção europeia dos direitos humanos a. Entre outras disfunções do sistema prisional indiano, apontadas em variados estudos internacionais e independentes, tem uma taxa de ocupação prisional de cerca de 13%; b. O que significa, só por si, que a vida nas prisões indicanas decorre em total violação do artigo 3º da CEDH; c. O cumprimento de pena nas prisões Indianas corresponde à submissão a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.

  2. Ou, ao menos, ao risco sério e real de submissão àqueles tratamentos.

    6. Devendo assim, e nesta linha de argumentação, ser recusada extradição do requerido para o estado requerente e a consequente rejeição da entrega do requerido AA ao Estado Indiano.

    NORMAS VIOLADAS: · Art.3º da CEDH; · Artigos 6.º, 32º, 43º e 48º da Lei 144/99 de 31.08; Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exa se digne a não conceder a extradição requerida, revogando o acórdão recorrido.

    3.

    Por despacho da Senhora Desembargadora relatora, de 29/05/2023, foi o recurso admitido, com efeito suspensivo.

    4.

    O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso do requerido, em 15/06/2023, concluindo da seguinte forma: 1. O acórdão recorrido autorizou a extradição de AA para a República da Índia, para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, diferindo a entrega devido a procedimento criminal contra aquele pendente em Portugal.

    2. O recorrente alega que o Estado requerente não cumprirá as garantias formais que prestou nem a regra da especialidade, que morrerá se tiver que cumprir pena na Índia, discorda da decisão sobre a matéria de facto, invoca a violação do princípio da confiança e do respeito pela CEDH (Convenção Europeia dos Direitos Humanos). A motivação de recurso e suas conclusões são a repetição dos argumentos apresentados em sede de oposição.

    3. Na medida em que tais argumentos foram todos apreciados e doutamente decididos no acórdão ora recorrido, mantemos a posição assumida nos autos no sentido de que as garantias de não execução de pena de prisão perpétua foram oportuna e devidamente prestadas, sendo de considerar suficientes, o mesmo sucedendo com as garantias de aplicação e respeito dos princípios da reciprocidade, especialidade e não reextradição consagradas no Acordo Bilateral de Extradição ao abrigo do qual foi apresentado o pedido de extradição contra o recorrente.

    4. O douto acórdão apreciou pormenorizadamente todas as questões relevantes para a decisão que acertadamente proferiu, com análise crítica da prova, da legislação aplicável, recorrendo a estudos, jurisprudência e relatórios que citou, para fundamentar a autorização da extradição, face às garantias prestadas pelo Estado requerente e validadas pelas autoridades portuguesas competentes, não tendo fundamento concreto para as considerar insuficientes ou inválidas.

    5. O acórdão está devidamente fundamentado, o julgamento da matéria de facto não merece censura face à prova produzida, compreendendo-se o raciocínio lógico que levou à formação da convicção do tribunal fez-se correta interpretação e aplicação do direito, pelo que o recurso não deve merecer provimento.

    5.

    Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

    1. Objeto do recurso Considerando o conteúdo das Conclusões da Motivação, que, como é conhecido, delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso, foram colocadas as seguintes questões: - A prova documental junta permite dar como provados os factos descritos nos pontos 107 a 116 da oposição; - as garantias não podem ser aceites, dado um ministro não vincular o governo e muito menos o Presidente da Índia; - são também extemporâneas, uma vez que o art. 45.º n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31/8, diz apenas respeito à fase administrativa e não à fase judicial da extradição; - não pode ser repetido um novo pedido de extradição com o mesmo objeto; - violação do princípio da confiança, uma vez que o Estado requerente já demonstrou que não cumpre decisões dos tribunais portugueses; e - o sistema prisional indiano viola, entre outros instrumentos internacionais, a CEDH, com a submissão dos detidos a penas ou tratamentos cruéis e degradantes.

    2. Fundamentação 1.

    Na parte que ora releva é do seguinte teor o acórdão recorrido (Transcrição): (…) II. FUNDAMENTAÇÃO Factualidade provada com pertinência para a decisão: 1. No âmbito do Processo nº ...20... que corre termos na Agência Nacional de Investigação - NIA, ..., ..., ..., no Punjab, na Índia, o Requerido, AA, encontra-se acusado da prática de factos, que decorreram alegadamente entre 2018 e 2020, por acusação deduzida a 20.10.2020, designadamente e em resumo do seguinte (conforme noticia vermelha na Interpol junta como anexo 7 dos documentos que instruem o presente pedido de extradição): “A investigação revelou que o indivíduo referenciado está profundamente implicado em contrabando de heroína a partir do Paquistão, através da fronteira internacional, e formou um grupo terrorista que se dedicava ao contrabando, distribuição e venda de heroína na India, enviando o produto da heroína vendida aos terroristas da organização terrorista proibida HM... através dos seus ... (...) em Caxemira, com base em instruções de traficantes/terroristas sediados no Paquistão e através dos canais ... no Paquistão. Ele estava em contacto direto com os seus cúmplices sediados no Paquistão que contrabandeavam heroína ilegalmente para a índia sob o pretexto de importar grânulos de sal-gema.

    Factos adicionais do caso: Provas recolhidas durante a investigação revelaram que o arguido AA desenvolveu uma associação criminosa com os principais líderes do HM sediados no Paquistão, nomeadamente com BB, que traficava heroína através da fronteira indo-paquistanesa, e com o vice-dirigente financeiro, CC alias DD, que coordenava o movimento do produto de venda da heroína. AA tratava de todo o movimento (end to end) da heroína e do produto da venda sob a direção dos comandantes do HM sediados no Paquistão, nomeadamente o vice-dirigente financeiro do HM, CC alias DD. CC alias DD coordenava o movimento do produto da venda da heroína de ... até ao comandante do HM, EE (morto em confronto com as forças de segurança). AA estava em permanente contacto com os outros arguidos, bem como com os comandantes de topo do HM no Paquistão, através de comunicações seguras em aplicações de redes sociais, e dava instruções para prosseguir a conspiração com vista ao fortalecimento das atividades terroristas do HM, mediante angariação de fundos”.

    2. No ordenamento jurídico indiano, tais factos são susceptíveis de integrar crimes de associação criminosa, financiamento de organização terrorista, tráfico de estupefacientes e conspiração para cometer crimes e angariar fundos para a prática de atos terroristas bem como de integrar um grupo terrorista, previstos e puníveis pela secção 120B do Código Penal, com pena de prisão perpétua, pela secção 8, combinada com as secções 21 e 23 e pela secção 12, combinada com as secções 24, 27A e 29 da Lei de Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópicas de 1985, com penas até 20 anos de prisão e, ainda, pelas secções 17, 18 e 20 da Lei de Prevenção de Atividades ilegais, de 1967, com pena que pode elevar-se a pena de prisão perpétua.

    3. Nem na República da Indiana ocorreu...

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