Acórdão nº 3410/22.9YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO FERREIRA DA CUNHA
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa promoveu, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31 de agosto, e da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o cumprimento do pedido de extradição do cidadão AA, de nacionalidade brasileira, nascido em .../.../1990, em ..., no Brasil, filho de BB e de CC, titular do passaporte n.º ..., emitido pela República Federativa do Brasil, válido até 16/10/2027, com autorização de residência n.º ..., emitida pelo SEF, em 29/02/2022, sita na Rua ..., ..., ... ..., para cumprimento da pena de 8 anos e 9 meses de prisão, em que foi condenado pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 157.º, parágrafo 2.º, I, II e III e 70.º do Código Penal brasileiro.

  1. O recorrido foi ouvido, não tendo dado o consentimento à sua entrega ao Estado requerente e não prescindindo do princípio da especialidade.

    E deduziu oposição, tendo invocado como fatores impeditivos do cumprimento da extradição a circunstância de ter sido condenado sem ter estado presente em nenhuma das sessões da audiência de discussão e julgamento, nem durante a prolação da sentença, tendo por isso sido julgado e condenado à revelia, o que consubstanciaria fundamento para recusa facultativa da extradição, nos termos do artigo 4.º, alínea e) da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

    Acrescentou também que tem a sua vida organizada em Portugal, vivendo com a sua mulher e os seus filhos e exercendo atividade laboral.

  2. O Ministério Público respondeu, tendo concluído que se mostram preenchidas todas as condições para que seja concedida a extradição, pugnando, assim, pela improcedência da oposição deduzida, considerando dever ser autorizada a entrega do requerido à República Federativa do Brasil, para cumprimento de pena.

  3. Por acórdão de 19 de janeiro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa autorizou o pedido apresentado, tendo determinando a entrega do extraditando às autoridades brasileiras.

  4. Desta decisão, veio o extraditando recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, sem que tenha formulado as necessárias conclusões.

    6. Após ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, a fim de ser corrigida a referida omissão, veio o extraditando apresentar um requerimento, a 2 de março de 2023, tendo formulando as seguintes conclusões ao recurso apresentado: “I. O recorrente foi condenado à revelia, o que restou cabalmente comprovado pelos documentos do processo originário que tramitou no Brasil.

    1. As autoridades brasileiras mentiram descaradamente ao dizer que o recorrente não foi condenado à revelia, quando a própria sentença proferida pelas mesmas autoridades é expressa neste sentido, tendo sido decretada a revelia do recorrente.

    2. A revelia do recorrente foi, inclusive, objeto de promoção do Ministério Público brasileiro, sendo sentenciado pelo Magistrado neste sentido.

    3. A mesma revelia foi confirmada pelo MM. Des. Rel. DD, quando do julgamento do Recurso de Apelação em 2º grau.

    4. As autoridades brasileiras não garantem ao recorrente o direito a um novo julgamento, sendo, inclusive, expressamente declarado pelas mesmas.

    5. Essa situação de nebulosidade e de cerceamento de defesa, que colocam em dúvida, inclusive a efetiva participação do recorrente no crime em que foi condenado revelia, não satisfaz as condições mínimas do processo no âmbito do qual o presente pedido de cooperação foi formulado, sendo que não oferece garantias de um procedimento que respeite as condições internacionalmente indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem, não satisfazendo, igualmente, as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais VII. Assim, pelo acima exposto, deve ser reformada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, para não conceder a extradição do recorrente às autoridades brasileiras, uma vez que este foi condenado à revelia pelo Estado requerente, com fulcro no art. 4.º, al. e) da Convenção de Extradição Entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na cidade de Praia, a 23 de Novembro de 2005.” 7. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, concluindo nos seguintes termos: “1. O acórdão recorrido autorizou a extradição do recorrente para a República Federativa do Brasil, para cumprimento da pena de 8 anos e 9 meses de prisão e na pena de 21 dias de multa, ao mínimo legal, pela prática de um crime de roubo p. e p. pelos arts. 157º, parágrafo 2º, I, II e 70º, do C. Penal Brasileiro, em que foi condenado no processo nº ...28, que corre termos na 1ª Vara Judicial da Comarca de ...,Tribunal de Justiça do Estado de ...; 2. O recorrente no final da motivação de recurso não formulou as respetivas conclusões, como impõe o art. 412º, nº 1, do C.P.P. ex. vi art. 25º, nº 2, da Lei 144/99, de 31 de agosto; 3. O presente recurso foi admitido sem que lhe tenha sido feito o convite para formular as conclusões, nos termos do art. 414º, nº 2, do C.P.P.; 4. Pelo Exmª Sr. Conselheiro relator deverá, em nossa opinião, ser efetuado o convite ao recorrente para apresentar as conclusões, sob pena de rejeição do recurso – art. 417º, nº 3, in fine, do CP.P. ex. vi. art. 25º, nº 2, da Lei 144/99, de 31 de agosto; 5. A sentença condenatória brasileira já transitou em julgado, quanto ao recorrente a19 deoutubrode2021 e quanto ao Ministério Público a 4 de fevereiro de 2021; 6. Conforme o despacho de 2 de fevereiro de 2023, proferido pela Srª Juíza da 1ªVara Judicial da Comarca ... “não há que se falar em revelia, uma vez que o réu foi patrocinado por Advogado Constituído, durante todo o processo criminal, sendo-lhe assegurados o contraditório e a ampla defesa, conforme previsto pelo artigo 5o, inciso LIV, da Constituição Federal, que garante que indivíduo só será privado de sua liberdade ou terá seus direitos restringidos mediante um processo legal, exercido pelo Poder Judiciário, por meio de juiz natural”; 7. No processo brasileiro o recorrente não foi julgado à revelia para os efeitos do art. 4º, e), da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, já que constitui advogado, este apresentou resposta e esteve presente no julgamento, onde proferiu alegações finais e interpôs recurso, não tendo os direitos de defesa do recorrente ficado prejudicado e garantido que foi o contraditório; 8. De resto a revelia a que se refere o do art. 4º, e), da Convenção tem de ser a absoluta/operante, como bem se decidiu no acórdão recorrido, ou pelo menos em sentido próprio, o que não se verifica no caso do recorrente; 9. Mesmo que assim se não entenda, a causa de recusa em apreço é apenas facultativa, não devendo ser atendida, pois o recorrente embora julgado na sua ausência, constitui mandatário judicial, exerceu no processo os seus direitos de defesa, alegou, recorreu, tendo sido garantido o contraditório e a sentença condenatória já transitou em julgado; 10. Não é atendível o acórdão STJ de 19 de setembro de 2007, invocado pelo recorrente; 11. Este acórdão tem data anterior à entrada em vigor a da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, que só foi assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008, de 18 de julho de 2008, publicada no DR de 15 de setembro de 2008 e promulgada no Brasil pelo Decreto 7935, de 19 de fevereiro de 2013; 12. E a alínea a), do n.º 1, do art. 6º, da Lei nº 144/99, sob a epígrafe de requisitos gerais negativos da cooperação internacional, que estabelece que o pedido de cooperação é recusado “quando o processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal”, não é aplicável; 13. Pois, na “Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tal como ocorre relativamente ao Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu, encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas” – acórdão do STJ, de 30 de outubro de 2013, no proc. 86/13.8YREVR.S1 e “O princípio de confiança mútua que subjaz e constitui o cerne da cooperação judiciária internacional funda-se na convicção de que todos os subscritores dos instrumentos daquela cooperação comungam de um conjunto de valores nucleares tributários dos direitos do Homem, estando sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores” – Acórdão do STJ de 22 de abril de /2020, Proc. 499/18.9YRLSB.S1; 14. A República Federativa do Brasil é um Estado soberano de democracia institucional instituída e consolidada, cuja Constituição garante ser um Estado de Direito Democrático e o respeito pelos direitos humanos; 15. Ademais, a República Federativa do Brasil é um país reconhecido como integrado nas nações democráticas, membro da O.N.U., que subscreveu convenções internacionais respeitantes aos Direitos Humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradante e que se reclama da tradição constitucional humanista e de princípios que são inerentes e imanam da própria ideia de Estado de direito democrático e do respeito mútuo pelos compromissos assumidos internacionalmente com os outros Estados, como é o caso da Convenção da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT