Acórdão nº 596/09 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução18 de Novembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 596/2009

Processo n.º 951/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A., S.A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2008, que negou a revista pedida pela ora recorrente e a concedeu parcialmente no recurso interposto pela Autora B. do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, decidindo o recurso de apelação, condenou o ora recorrente no pagamento à mesma A. dos danos que se apurarem em execução de sentença, decorrentes de esta A. ter ficado privada de utilizar o automóvel, desde 21 de Dezembro de 2002 até Maio de 2004, tendo que socorrer-se de transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos, e manteve a condenação da mesma R. no pagamento à A, da importância de € 6.122,30, relativa ao custo da reparação do veículo, acrescida de juros de mora desde a citação.

2.1 – A recorrida B. propôs acção com processo ordinário contra A., S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia global de € 32.872,30 (ou pelo menos € 9. 122,30 atento o pedido subsidiário), a título de indemnização e compensação pelos danos sofridos pela A. em consequência directa do acidente de viação, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que, no dia 21/12/2002, por volta das 23:50 horas, na auto-estrada A4, ocorreu um acidente de trânsito que envolveu o veículo automóvel n.º ..-..-…, de marca Wolswagen Golf, sua pertença e que era conduzido pelo seu filho C., e uma raposa que se intrometeu na faixa de rodagem por onde o condutor circulava, em virtude de a rede de protecção não estar totalmente vedada, apresentando uma abertura no local do acidente.

A R. contestou alegando efectuar inspecções periódicas da rede de vedação da auto-estrada e consertar imediatamente qualquer anomalia que detectasse, que na data do acidente não era de prever que a rede estivesse danificada, tanto mais que na inspecção realizada pouco antes do acidente acontecer, a vedação estava em bom estado e que só o facto da rede ter sido vandalizada determinou que se encontrasse rompida no dia do acidente, pelo que não houve qualquer culpa sua na eclosão do acidente.

Foi requerida e admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros C., S.A., em virtude de a R. haver transferido para ela a responsabilidade civil que, de conformidade com a lei, lhe possa ser exigida por prejuízos causados a terceiros na qualidade de concessionária da exploração e manutenção das auto-estradas.

Efectuada audiência de julgamento para apuramento da matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenou a R. a pagar à A. a quantia de 6.122,30 €, a título de indemnização correspondente ao custo de reparação do veículo, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde 16/12/2005 até integral e efectivo pagamento, e na indemnização a liquidar em execução de sentença correspondente à quantia despendida pela A. na obtenção de viatura de substituição do OG no período de 21/12/2002 até 01/05/2005. No mais, absolveu-se a R. do pedido.

2.2 – Não se conformando com esta decisão, dela recorreram tanto a A. como a R. para o Tribunal da Relação do Porto, tendo este Tribunal julgado parcialmente procedentes os recursos, pelo que, revogando em parte a sentença recorrida, julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar à A. a quantia de 6.122,30 € acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e no mais absolveu a R. do pedido.

2.3 – Não aceitando, uma vez mais, o decidido, dele recorreram a A. e a R., esta subordinadamente, para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

A revista da A. foi julgada parcialmente procedente, tendo-se condenado a R. no pagamento à A. dos danos que se apurarem em execução de sentença, decorrentes do facto de a A. ter ficado privada de utilizar o veículo automóvel, desde 21 de Dezembro de 2002 até Maio de 2004, tendo que socorrer-se de transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos, e mantido a condenação da R. no pagamento à A. da importância de 6.122,30 €, relativa ao custo de reparação do veículo, acrescida de juros de mora desde a citação.

Por seu lado, foi negado provimento à revista interposta pela R.

2.4 – O acórdão recorrido negou provimento ao recurso da R., por entender, em resumo, que, conquanto a doutrina e a jurisprudência se dividissem quanto à natureza da responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas por acidentes nelas ocorridos em razão de animais que nelas se introduzem – defendendo uns a sua natureza extracontratual, com os consequentes corolários da exigência de prova da culpa por parte do titular do direito, e outros uma natureza de responsabilidade contratual, assente, ora num contrato existente entre o utilizador e a concessionária das auto-estradas, atributivo àquela parte de um direito subjectivo à prestação do serviço com certas qualidades ou características, evidenciado pelo pagamento de uma taxa pela sua utilização, ora num contrato firmado entre a concessionária e o Estado (o contrato de concessão), mas atributivo ao utilizador de um direito subjectivo que este pode autonomamente exercer contra a concessionária – o certo é que a questão do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança das concessionárias das auto-estradas havia sido resolvida pelo artigo 12.º n.º 1, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, em termos correspondentes aos que já eram postulados pela tese contratualista da responsabilidade, ou seja, no sentido de que incumbia ao devedor a prova de que agiu sem culpa na determinação do dano, por força do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 799.º, 342.º, 344.º, n.º 1, e 350.º do Código Civil).

Por outro lado, este critério normativo tinha natureza interpretativa, porquanto o preceito que o explicitou mais não fizera do que eleger, entre as duas soluções antes aventadas pela doutrina e pela jurisprudência, aquela que vinha sendo acolhida, no quadro do pertinente sistema jurídico, por vários arestos do STJ, designadamente, a partir da prolação do Acórdão de 22/06/2004, relatado pelo Conselheiro Afonso Correia.

Ora, de acordo com o princípio de que cabe ao devedor fazer a prova de que o incumprimento das obrigações de segurança, instituídas no contrato de concessão das auto-estradas, não basta ao devedor fazer a prova do cumprimento genérico desses deveres, mas sim o cumprimento dessas obrigações em concreto.

Não tendo essa prova sido feita, era a R. responsável pelos danos advenientes do acidente ocorrido entre o veículo que circulava na auto-estrada e uma raposa que se havia intrometido na faixa de rodagem por onde circulava o mesmo veículo.

Considerou, ainda, o acórdão recorrido que a aplicação da referida disposição do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, aos processos pendentes de apreciação judicial não atingia o alegado princípio de separação de poderes, nem a solução nele consagrada violava os princípios do processo equitativo, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça ou afrontava o direito fundamental à propriedade privada garantido no artigo 62.º, n.º 1 e 2, da Constituição, este consubstanciado, no caso, na titularidade de obrigações contratuais com valor económico.

3 – No requerimento de interposição do recurso constitucional, a recorrente disse pretender a “apreciação das questões de inconstitucionalidade das normas que se obtêm, pela interpretação, do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho (define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, e ainda as constantes dos artigos 4.º a 12.º da mesma Lei, na medida em que, com as normas directamente visadas, tenham relações sistemáticas de aplicação”.

4 – Porém, em sequência de convite efectuado à recorrente, a coberto do n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, foi, por despacho do relator, fixado como objecto do recurso de constitucionalidade a norma constante do artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, na interpretação segundo a qual, “em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento”, por alegada violação dos artigos 2.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

5 – Alegando sobre o objecto do recurso, a recorrente condensou nas seguintes proposições conclusivas o seu discurso argumentativo:

1ª A A. é uma sociedade concessionária da construção, manutenção e exploração de auto-estradas, caindo nos deveres previstos nas bases anexas ao Decreto-Lei nº 247-C/2008, de 30 de Dezembro.

2ª Na sequência de obras de alargamento na A1 (auto – estrada do Norte), a Assembleia da República aprovou a Resolução nº 14/2004, de 31 de Janeiro (DR I Série-A, Nº 137, de 31-Jan.-2004, p. 550), na qual pede ao Governo a alteração das bases da concessão, de modo a suspender as portagens nas vias em obras e a melhor informar os utentes da sua ocorrência.

3ª Seguiram-se negociações entre o Governo e as concessionárias: inconclusivas, por falta de disponibilidades orçamentais.

4ª Posto o que foram, no Parlamento, apresentados dois projectos de Lei: Projecto nº 145/X (PCP) e nº 164/X (BE); veio a ser aprovado o primeiro (Decreto nº 122/X), o qual deu...

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