Acórdão nº 08P2864 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 2008
Magistrado Responsável | PIRES DA GRAÇA |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de JustiçaNos autos de processo comum (com intervenção do Tribunal Colectivo) com o nº 1676/06. 0PBLRA do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, após julgamento, por acórdão de 17 de Novembro de 2007, foi o arguido AA, solteiro, agente da Polícia de Segurança Pública, nascido a 4 de Julho de 1971 em Amor, Leiria, filho de BB e CC, residente na Rua ..., n.º 00, Casal ..., Amor, Leiria, com residência profissional na Esquadra da Polícia de Segurança Pública de Marinha Grande, e actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Santarém condenado como autor de: 1) um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo artº 131º do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão e de 2) um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos artºs 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão 3) Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão.
Foi ainda condenado a pagar ao demandante EC, com os demais sinais dos autos: - a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a título de compensação de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até integral pagamento e - a quantia de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), a título de reparação de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que o arguido foi notificado do pedido cível até integral pagamento;---Inconformado com o decidido, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, sendo que anteriormente, em sede de audiência de julgamento, o arguido interpusera recurso interlocutório.
--- Em 7 de Maio de 2008, a Relação de Coimbra proferiu acórdão que decidiu rejeitar, nos termos do artº 420º, n.º 1, alínea b., do Código de Processo Penal, o recurso interlocutório e julgar totalmente improcedente o recurso principal, condenando o recorrente nas custas.
---Inconformado, de novo, vem o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes: "B: conclusões: B1: O recorrente requer a realização de audiência (artº 411º, nº 5 do Código de Processo Penal), pretendendo que nela se debatam todos os pontos da motivação supra.
B2: O recorrente encontra-se em prisão preventiva desde 4 de Novembro de 2006, a qual agora se executa no Estabelecimento Prisional de Évora B3: No que toca o recurso interlocutório, objecto de rejeição pelo Tribunal a quo, nos termos da alínea b) do artigo 420° do Código de Processo Penal - por alegada "falta de interesse em agir" - verifica-se, desde logo, que o tribunal a quo não apreciou da matéria submetida à sua cognição, como se conclui do teor do acórdão à luz das conclusões do mesmo B4:e, bem assim, considerou erradamente a falta do referido pressuposto de admissibilidade do recurso, uma vez que o recorrente tinha carência do recurso para fazer valer a sua pretensão de ver a lei cumprida e, em particular, o disposto no artigo 74°, nº 2 do Código de Processo Penal. Com efeito, B5: por força de tal rejeição, resultaram violadas, por erro de interpretação, as disposições combinadas dos artigos 379°, nº 1, alínea c), 425°, nº 4, 401°, nº 2 e 74°, n° 2, todas do Código de Processo Penal.
B6: No que concerne, propriamente, ao recurso da decisão final em primeira instância, considera o recorrente que o Tribunal recorrido reincidiu no erro da primeira instância, no que concerne a interpretação do disposto no n° 1 do artigo 357° do Código de Processo Penal, pois este normativo tem uma teologia diferente daquela que lhe foi adscrita pelas instâncias. Com efeito, B7: o comando em questão, não pode ser chamado à colação para fundamentação da decisão, antes se limitando à finalidade instrumental de intentar permitir a superação de eventuais contradições ou discrepâncias entre as declarações prestadas pelo arguido, em momento processual anterior, perante um juiz e aquelas que vier a fazer em audiência, isto é, essas prévias declarações, elas próprias, não podem ser havidas como meios de prova validamente assumíveis em julgamento. Acresce que, B8: outrossim errou o aresto recorrido ao considerar que a "linguagem gestual" do arguido durante a audiência, o seu comportamento físico, os seus gestos alegadamente aprovadores ou reprovadores de um determinado depoimento, não podem validamente ser assumidos ou interpretados como meio de prova. Na verdade, B9:o entendimento perfilhado pelo pretório recorrido, viola o princípio da proibição da auto-incriminação, cunhado pela alínea g) do artigo 14° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, sobretudo, no caso, quando lido integrada mente com aquele outro da "lide leal", consagrado no nº 1 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa B10: normas que o Tribunal a quo, pura e simplesmente, desconsiderou. E ainda: B11:o acórdão recorrido considerou que aquele proferido pelo Colectivo de Senhores Juízes da Comarca de Leiria padece - o que é indiscutível! - de equívocos. Ora, 812: não cabe ao Tribunal ad quem desfazê-los, através da mera "correcção" deles por força do entendimento correctivo perfilhado pelos Ex.mos Julgadores acerca do que seria o vero pensamento dos seus Ex.mos Colegas subscritores do aresto de que se recorre.
813: Um tal entendimento, circunstância da qual o Tribunal da Relação não se deu conta, acarreta a convocação da alínea b) do n° 1 do artigo 380º do Código de Processo Penal e, como consequência disto, no caso, a inobservância do artigo 431º deste diploma. Por outro lado, B14: e no que atine a "discordância do tribunal quanto às conclusões de uma perícia", regularmente determinada, a mera circunstância de os pressupostos de facto nos quais se baseou o Perito para as suas conclusões não coincidirem com a matéria apurada pelo Tribunal, não pode trazer necessariamente conexo, ex adverso do entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido, a invalidade de tal Parecer, uma vez que esse entendimento retiraria, desde logo, o campo de aplicação do artigo 163º do Código de Processo Penal. De resto, B15: ficou por demonstrar, sequer ao nível do mero epifenómeno legal, que esse alegado "erro" seja de molde, face aos conhecimentos da ciência médico-psiquiátrica, a retirar validade às conclusões periciais. Ora, B16: na sequência do referido nas precedentes conclusões, verifica-se que o Tribunal da Relação de Coimbra, omitiu pronúncia sobre a questão que fora convocado para derimir, qual seja a validade do apelo feito pela primeira instância ao artigo 160º do Código de Processo Penal, no que toca ao julgamento sobre o estado mental de determinada pessoa, no caso, o arguido.
B17: O Tribunal da Relação de Coimbra fulminou de invalidade o relatório médico-psiquiátrico e, por conseguinte, também as respectivas conclusões. Com efeito, B18: assim não considerou as coisas o Tribunal Colectivo de primeira instância, que o considerou validamente atendível e, como tal, elemento de trabalho que em muito influenciou as conclusões a que chegaram os Senhores Juízes que o integraram. Ora, B19 :ao assim encarar a realidade, o Tribunal de segunda instância procedeu a uma "operação" que não podia deixar de influenciar a prova, tal como a primeira a julgara B20: termos em que lhe cabia proceder à consequencial revisão da matéria de facto, do que não se apercebeu, o que acarretou conexamente, por inadvertência, a violação do disposto na alínea a) do artigo 431° do Código de Processo Penal e subtraiu ao arguido a garantia da plenitude do seu direito de defesa, com violação do disposto no primeiro sector do nº 1 do artigo 32° da Constituição, norma esta, no que a ele se refere, de resto, de aplicação directa, nos termos do disposto no art. 18° do diploma fundante. Por outro lado, B21: no seu acórdão, o Tribunal a quo limitou-se a referir e a denunciar que a primeira instância, inexplicavelmente, não dera cumprimento ao dever que sobre os juízes impende da investigação esgotante da matéria submetida à respectiva cognição. Porém, B22: uma tal mera constatação/denúncia, sem dela se retirarem consequências, é violadora do princípio da investigação, "pilar" da estrutura acusatória do processo penal português (art. 32°, nº 5, primeira parte da Constituição da República), com densificação, no direito legislado, no artigo 340° do Código de Processo Penal. Por conseguinte, B23: ao não retirar da "inexplicável" omissão do Colectivo da primeira instância as côngruas consequências - anulação do julgamento para que outro Tribunal proceda a essa actuação, nos termos constitucionais e legais - a Relação de Coimbra, no seu acórdão sub iuditio, violou os comandos legais acabados de referir.
B24: O Tribunal a quo, ao exprobrar os esquecimentos alegados pelo arguido e ao paraninfar aqueles da testemunha RM, fez apelo a dois pesos e duas medidas, violando, no que toca o arguido, o disposto nos artigos 343° e 345°,ambos do Código de Processo Penal, nos quais, pura e simplesmente, não atentou.
B25: Quanto à errada integração jurídica dos factos, no concernente ao homicídio, o Tribunal incorreu em nova omissão de pronúncia, com violação do disposto nas disposições combinadas dos artigos 379°, nº 1, alínea c) e 425°, nº 4, ambos do Código de Processo Penal. Semelhantemente B26: impõe concluir-se no que respeita à matéria abordada no ponto A8 da motivação, relativamente ao qual se verificou a violação do nº 2 do artigo 374° e nº 5 do artigo 97°, ambos do Código de Processo Penal e 205°, nº 1, da Constituição.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve ser anulado o julgamento e o acórdão da primeira instância, como decorrência da inexorável revogação daquele ora recorrido.
---Respondeu o Dig.mo Procurador-Geral Adjunto à motivação de recurso, emitindo douto Parecer onde conclui que nenhuma censura lhe parece merecer, quer o acórdão da 1ª instância, quer o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que o confirmou, devendo manter-se a decisão...
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