Acórdão nº 08A1755 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelMOREIRA CAMILO
Data da Resolução24 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - No Tribunal Cível da Comarca de Vila Franca de Xira, "AA - GESTÃO IMOBILIÁRIA QUINTA DO ......., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA", intentou a presente acção declarativa comum sob a forma ordinária contra os Condóminos das fracções designadas pelas letras "C" e "D"; "B", "E" e "J"; "H" e "I" e "K", "L", "M" e "N", do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Alverca do Ribatejo, Lugar da Caldeira, Estrada Nacional 10, km 106,05, pedindo que, com a procedência da acção, sejam anuladas as deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos realizada no dia 9 de Fevereiro de 2006 e mediante as quais foram aprovados os pontos constantes da ordem de trabalhos: 2 - Aprovação das contas do 4º trimestre 2005 e orçamento de 2006; 3 - Deliberação de aprovação e ratificação da pala efectuada na fachada das fracções K, L, M e N.

Em representação dos condóminos, e como administradora do edifício, contestou SS&LL - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., invocando, além do mais, as excepções dilatórias da litispendência e da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial.

Houve réplica.

Foi proferido despacho saneador, onde, após se decidir que a petição não é inepta, se decidiu julgar a Autora parte ilegítima para a acção e, consequentemente, se absolveu os Réus da instância.

Após recurso da Autora, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão a negar provimento ao agravo e a confirmar, consequentemente, a decisão recorrida.

Ainda inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso de agravo em 2ª instância, o qual foi admitido.

A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Vem o presente recurso de agravo interposto do acórdão recorrido e que julgou a recorrente como parte ilegítima para a presente acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, sustentando que só o locador, por ser o proprietário, pode ser considerado parte legítima para a acção.

  1. - Provado está que a recorrente é locatária de uma fracção designada pela letra F do condomínio, cujos condóminos são aqui réus, e que o locador é o Banco Comercial Português, S.A., bem como de que nessa qualidade intentou a presente acção de impugnação pedindo a anulação da deliberação de 09 de Fevereiro de 2006.

  2. - Ao caso sub judice aplica-se o disposto nos decretos-lei nº 149/95, de 24 de Junho, e 265/97 de 2 de Outubro, sendo que este último revogou o decreto-lei nº 10/91, de 09 de Janeiro.

  3. - Conforme resulta do disposto no artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, o locatário exerce, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos. Ora, 5ª - O direito de participar, votar e impugnar as deliberações da assembleia, que não importem a perda da coisa, nos termos do artigo 9º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, pertencem ao locatário, nos termos da supra citada disposição legal, dado que não se trata de um direito que pela sua natureza só possa ser exercido pelo locador.

  4. - Note-se que o uso, gozo e fruição da coisa, pertence, em exclusivo, ao locatário, sendo que as questões entre condóminos são, essencialmente, e, como é o caso, respeitantes àqueles e aos quais, aliás, o locador, enquanto entidade financeira, é alheio, sendo um absurdo conceber-se ser este a intervir nas relações de «vizinhança», participando e votando e, eventualmente, impugnando assuntos que lhe não dizem respeito.

  5. - O facto do legislador não ter transposto para o actual regime jurídico uma norma de conteúdo idêntico à do artigo 9º do Decreto-Lei nº 10/91, de 09 de Janeiro, não significa que tenha querido a eliminação pura e simples do seu instituto no ordenamento jurídico, posto que a transpõe para a citada norma do artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, a qual é suficientemente ampla para a sua previsão e, consequente, aplicação ao caso concreto.

  6. - O tribunal a quo interpretou o citado artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, no sentido de que só o locador, enquanto proprietário, tem legitimidade activa substantiva. No entanto, 9ª - Tal norma deve ser interpretada e aplicada no sentido de que o locatário, no contrato de locação financeira imobiliária, tem legitimidade substantiva para não só participar e votar nas deliberações de condóminos, como, se for caso disso, intentar acções de impugnação das deliberações dos condóminos.

  7. - Por todo o exposto, o acórdão recorrido violou o artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, e artigo 26º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Pede, assim, que, concedendo-se provimento ao recurso, seja revogada a decisão recorrida, a fim de ser substituída por outra, que, julgando a recorrente parte legítima para a acção, ordene o normal andamento desta para conhecimento da questão de fundo.

Contra-alegaram os recorridos, defendendo a confirmação do acórdão impugnado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1) Pela inscrição G-1, Ap. 24/20041006, mostra-se registada aquisição a favor de "Banco Comercial Português, SA", por compra a "Totta - Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, SA", da fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Alverca do Ribatejo, Lugar da Caldeira, Estrada Nacional 10, km 106,05, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob a ficha n.º 02864.

2) Pela inscrição F-1, Ap. 25/20041006, mostra-se registada locação financeira a favor de "AA - Gestão Imobiliária Quinta do ......., Sociedade Unipessoal, LDA", pelo prazo de 10 anos, a contar de 2004-08-04, sobre a fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Alverca do Ribatejo, Lugar da Caldeira, Estrada Nacional 10, km 106,05, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob a ficha n.º 02864.

III - 1. A questão a decidir consiste em saber se o locatário de fracção de um imóvel constituído em propriedade horizontal, por força de um contrato de locação financeira, pode impugnar as deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos.

As instâncias responderam negativamente a esta questão. Segundo o nº 1 do artigo 1433º do Código Civil, "As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado".

Assim, e como se refere no acórdão recorrido, os únicos requisitos necessários e suficientes para assegurar a legitimidade activa nas acções de impugnação das deliberações da Assembleia, ou para requerer a respectiva suspensão, são apenas dois: ser titular de uma fracção autónoma, ou seja, deter a qualidade de condómino, e, além disso, não ter aprovado a deliberação que é posta em crise. (cfr. Abílio Neto, "Manual da Propriedade Horizontal", 3ª edição, pág. 348).

Estabelece o nº 1 do artigo 1420º do referido diploma que "Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício".

Logo, atribuem-se aqui ao condómino, em geral, os poderes próprios do proprietário singular, pelo que respeita à fracção que lhe pertence. Assim, tais poderes constituem como que a matriz do direito do condómino (cfr. Luís Carvalho Fernandes, "Lições de Direitos Reais", 3ª edição, pág. 365).

  1. Posto isto, vejamos o que consta do acórdão recorrido, com o qual - dizemos, desde já - concordamos inteiramente: "Sendo cada condómino "proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence" (art. 1420º, n.º 1), nessa qualidade "goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas" (art. 1305º, do CCivil), ou seja, poderá livremente aliená-la, constituir sobre ela uma garantia real de habitação (art. 1484º, do CCivil), um usufruto, dá-lo de arrendamento, introduzir-lhe inovações, proceder à sua junção com outra ou outras,.., e praticar os demais actos consentidos pelo direito de propriedade.

    Está provado que se mostra inscrita a favor da Agravante e relativamente à fracção autónoma designada pela letra "F", uma locação financeira pelo prazo de 10 anos, a contar de 2004-08-04 - facto provado n.º 1.

    Assim, poderá a Agravante, como locatária da fracção autónoma ser considerada sua proprietária, e assim equiparada aos condóminos do imóvel poder impugnar as deliberações aprovadas em Assembleia de Condóminos? (...).

    A locação financeira é um contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, adquirida ou construída, por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável, mediante simples aplicação de critérios fixados - art. 1º, do DL n.º 149/95, de 24/06.

    Estamos perante um contrato de estrutura trilateral - o fornecedor ou construtor da coisa, com quem o locador que contratou; e o locatário que contratou com este último.

    Entre o fornecedor e o locador configura-se uma aquisição de propriedade que passa do fornecedor para a esfera jurídica do locador. E este deve exigir e assegurar-se da verificação...

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