Acórdão nº 98/14.4TBMTR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMI
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente(s): -B.; * B. veio intentar a presente acção que segue a forma de processo comum contra C., representada por D., com sede em .... terminando pedindo que: -a presente acção seja julgada provada e procedente, e consequentemente, impugnada a deliberação registada em acta da Assembleia de Condóminos, por não corresponder ao que sucedeu em Assembleia, e por enfermar dos vícios que alegam na petição inicial, sendo a mesma, revogada com os devidos e legais efeitos.

* Devidamente citado, o réu apresentou contestação, onde termina da seguinte maneira: “deverá: a) ser julgada provada e procedente a excepção peremptória de abuso de direito, por parte da autora, na modalidade de “venire contra factum próprium”, extintiva do direito exercido, com as legais consequências daí resultantes; b) se assim não se entender, ser a presente acção julgada improcedente, por provada e, em consequência, ser o réu absolvido do pedido, com as legais consequências daí emergentes;” * Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, e logo designada data para a realização da Audiência de Julgamento.

* Iniciada a Audiência Final, e não tendo sido lograda a conciliação das partes, foi suscitada com a concordância dos Exmos. Mandatários das partes, a questão da excepção de ilegitimidade passiva do Réu.

Nessa sequência o Tribunal de Primeira Instância proferiu a seguinte decisão (reproduzindo-se aqui integralmente apenas a parte da decisão que se afigura relevante para a questão aqui em apreciação): “ (…) Considerando estes prolegómenos, a questão que, agora, verdadeiramente se coloca prende-se em saber se o condomínio, representado pelo seu administrador, no exercício das respectivas funções, tem legitimidade passiva para intervir numa acção que visa a impugnação, mais concretamente a declaração de nulidade, de uma deliberação aprovada pela Assembleia de Condóminos do respectivo condomínio.

De outro modo, questionar-se-á se esta acção deveria ter sido instaurada contra todos os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações alegadamente inválidas ou, pelo menos, que se tenham abstido.

Ora, a questão suscitada não é nova no contexto da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, bem como na doutrina de referência sobre o tema, sendo motivo de uma profunda divergência, ainda que se nos afigure que a posição que aqui acolhemos é a que tem vindo a ser maioritariamente defendida.

Importará chamar, assim, desde logo, os dispositivos legais eventualmente aplicáveis à situação dos autos. Assim, dispõe o artigo 1433.º n.º 6 do Código Civil que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”.

Ainda com relevância para este efeito, estabelece o artigo 1437.º do mesmo diploma que: “1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.

  1. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.

  2. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.”.

Refere-se, ainda, no artigo 12.º alínea e) do Código de Processo Civil, com pertinência para a apreciação da presente questão, que “têm ainda personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”. E, finalmente, no artigo 22.º do mesmo diploma, dispõe-se, sob a epígrafe “representação das entidades que careçam de personalidade jurídica”, que “salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores”.

Pensamos, assim, que é ponto assente que, em termos jurisprudenciais e doutrinais, face ao regime legal e processual regulador da propriedade horizontal, que o condomínio não possui personalidade jurídica (cfr., por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/1999, in BMJ, 492, pág. 406), muito embora possa demandar e ser demandado, nos termos descritos nos supracitados artigos 1437.º do Código Civil e 6.º alínea e) e 22.º do Código de Processo Civil.

A redacção do primeiro dispositivo legal citado (o artigo 1437.º do Código Civil) parece permitir sustentar que o Administrador do Condomínio pode accionar e ser accionado, enquanto órgão executivo e representativo do Condomínio e a título pessoal, sem necessidade da presença em juízo deste último (neste sentido, cfr., por exemplo, MOITINHO DE ALMEIDA, Luís Pedro, in Propriedade Horizontal, 3.ª edição, Almedina, 2001, pág. 123), mas julgamos que o verdadeiro sentido e alcance das normas em análise deve extrair-se de uma leitura conjugada com as outras duas disposições de natureza adjectiva (o artigo 6.º alínea e) e o artigo 22.º do CPC) e que apontam em direcção diversa, ou seja, que é o Condomínio que recorre a Tribunal ou aí é interpelado, muito embora seja devidamente representado pelo dito Administrador (neste sentido parece ir MILLER, Rui Vieira, in A propriedade horizontal no Código Civil, Almedina, 1998, págs. 321 e 322 e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 06/07/2000, proc. 9920855, Luís Antas de Barros, do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/04/2005, proc. 381/05, Coelho de Matos e do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/03/2004, proc. 10066/2003-4, Sarmento Botelho, todos in www.dgsi.pt). A não ser assim e atendendo ao regime acima reproduzido, teriam de coexistir acções judiciais propostas pelo Administrador e outras instauradas pelo Condomínio, embora representadas por aquele, com as inerentes dificuldades em dividir as matérias que poderiam ser alvo de umas e outras, num regime confuso e dúplice, que não pode ser o perseguido pelo legislador que, segundo o artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, consagrou, presumivelmente, “as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Mas tal problemática não se confunde com a específica questão da impugnação das deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, visto que, para esta, existe uma norma especial, que se encontra estabelecida no supra mencionado n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil: a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.

A legitimidade activa está definida no n.º 1 da mesma disposição legal (qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação susceptível de ser anulada), ao passo que a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente ou, pelo menos, que se abstiveram na votação, muito embora estes sejam representados judiciariamente pelo Administrador do Condomínio, na pessoa do qual deverão ser citados.

Sandra Passinhas (in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2002, págs. 346 e 437), defende que é o Condomínio que deve ser demandado, na pessoa do seu administrador, citando ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/05/1998, in CJ, Tomo III, págs. 96 e segs. (cf., também nesse sentido e por todos, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 07/01/1999, proc. 9831363, Oliveira Vasconcelos e de 06/02/2006, proc. 0650237, Caimoto Jácome e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/04/2014, proc. 1360/10.0TBVCT.G1, Isabel Rocha, todos in www.dgsi.pt), mas tal posição, salvo melhor opinião, impõe uma interpretação do regime legal aplicável que conflitua com o estatuído nos n.ºs 1 e 6 do artigo 1433.º do Código Civil, que coloca, claramente, nas correspondentes posições judiciais antagónicas os condóminos que não votaram as deliberações e aqueles que o fizeram (cfr., neste sentido, entre outros, NETO, Abílio, Manual da Propriedade Horizontal, 3.ª edição, Outubro de 2006, Ediforum, págs. 348 e 349 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2006, proc. 05B4296, Moitinho de Almeida e de 29/11/2006, proc. 06A2913, Moreira Alves, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 31/03/2011, proc. 1842/05.6TVLSB.L1-6, Márcia Portela, de 13/07/2010, proc. 1063/09.9TVLSB.L1-6, Olindo Geraldes, de 12/02/2009, proc. 271/2009-6, José Eduardo Sapateiro e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/10/2012, proc. 1371/11.9TJPRT.P1, Leonel Serôdio, todos in www.dgsi.pt. Cfr., ainda, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/02/2003, in CJ, 2003, Tomo I, páginas 99 e seguintes; do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/06/2001, in CJ, 2001, Tomo III, páginas 27 e seguintes; e do Tribunal da Relação de Évora de 02/07/1998, in BMJ n.º 479, pág. 730).

Ainda que, “de jure constituindo”, se possa admitir tal solução, na medida em que a deliberação impugnada, caso não seja suspensa e enquanto não for declarada inválida pelo Tribunal, representa a vontade colectiva dos condóminos e, nessa medida, vincula juridicamente o condomínio e deve ser executada pelo administrador, que está obrigado a cumpri-la, já em termos de “jure constituto” e atendendo aos preceitos citados, parece-nos difícil, por falta de suporte normativo, poder sustentar que, do lado passivo, é legítimo o conjunto dos condóminos ou o condomínio.

Poder-se-ia chamar à colação o estatuído nos artigos 6.º e 22.º do Código de Processo Civil, como forma de justificar a demanda do condomínio, representado pelo administrador, em casos como o dos autos, mas importa dizer que a alínea e) do primeiro dos apontados preceitos restringe tal intervenção processual às acções que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT