Acórdão nº 08P101 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 27/04, do 2º Juízo da comarca de Angra de Heroísmo, foram condenados, entre outros: "AA", como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes e autor material de um crime de receptação, nas penas parcelares de 4 anos e 9 meses de prisão e 3 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão; "BB", como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; CC, como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 12 meses de prisão.

Na sequência de recursos interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa foram aquelas condenações objecto de confirmação.

Os arguidos interpõem agora recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso do arguido AA: 1. Por decisão do tribunal a quo, foi confirmada a condenação do recorrente na pena de 4 anos e 9 meses de prisão como autor material de um crime de tráfico, p. p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e na pena de 3 meses de prisão como autor material de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º, n.º 1, do Código Penal.

  1. Em cúmulo jurídico, o tribunal a quo confirmou a condenação do ora recorrente na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.

  2. O tribunal a quo errou ao não ter suspendido a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente.

  3. O tribunal a quo decidiu não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao ora recorrente, embora se verificasse o requisito objectivo do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal - condenação em pena de prisão não superior a 5 anos -, com base no seguinte: (...) "Sobre a suspensão da execução da pena que é hoje possível após as alterações introduzidas à lei penal pela Lei n.º 59/07, cumpre ponderar: o Recorrente, em 15 de Maio de 2004, não exercia qualquer actividade remunerada havia 14 meses e consumia 2 a 4 pacotes de heroína por dia, com o que gastava quantia não inferior a 40 euros e o co-arguido DD não exercia qualquer actividade remunerada desde finais de 2003, princípios de 2004. O recorrente foi também condenado pela prática, em autoria material, de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.

    Perante esta realidade não se nos afigura que a personalidade do Recorrente, as suas condições de vida e a sua conduta anterior ao crime, sejam de molde a concluir que a ameaça da prisão seja adequada e suficiente às finalidades da punição. Como tal improcede a pretensão do recorrente" (...).

  4. Cumpre-nos reafirmar que o ora Recorrente se encontra integrado social e profissionalmente, não tendo voltado a praticar novos crimes após a data da prática dos factos em apreço.

  5. O Recorrente encontra-se inscrito no Programa Terapias de Substituição, do Centro de Adictologia do Hospital de Santo Espírito de Angra de Heroísmo, desde 28 de Fevereiro de 2004 (doc. 1 junto), não tendo voltado a consumir estupefacientes.

  6. O Recorrente, em 15 de Março de 2007, declarou junto do Serviço de Finanças de Angra do Heroísmo o início da sua actividade enquanto prestador de serviços na área da construção civil (doc. 2 junto).

  7. O ora Recorrente trabalha como pedreiro, por conta própria, prestando serviços a empresas e particulares (docs. 3 e 4 juntos).

  8. O ora Recorrente conseguiu refazer a sua vida, encontrando-se a trabalhar por conta própria, com trabalho regular, vivendo numa casa arrendada com um colega, e mantendo uma relação estável com a sua actual namorada, encontrando-se, portanto, profissional e socialmente inserido.

  9. A finalidade das penas é a reintegração do delinquente na sociedade, bem como a sua reeducação e socialização, pelo que no caso em apreço ao arguido deve ser aplicada uma pena não privativa da liberdade, dando-lhe a oportunidade de se reabilitar e de não cometer novos crimes mediante a censura do facto e a ameaça da prisão.

  10. Para se fazer justiça, a pena aplicada ao ora recorrente deverá ser suspensa na sua execução.

    Na motivação apresentada o arguido BB formulou as seguintes conclusões: a) O Tribunal recorrido deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar e, em consequência, o acórdão por si proferido é nulo nos termos conjugados dos artigos 379. °, n.º 1, alínea c) e 425.°, n.º 4 ambos do C.P.P., ou seja, afirma que não tem a totalidade da documentação para apreciar a matéria de facto porque o Recorrente não fez a transcrição integral dos depoimentos das testemunhas que pretendia pôr em crise, penalizando o recorrente por uma omissão do próprio Tribunal a quo; b) A nulidade do Acórdão, segundo o n.º 1 do artigo 379. ° do C.P.P. deve ser arguida e conhecida em recurso, pelo que independentemente do estipulado no artigo 400.° do referido Código, o presente Recurso deve ser admitido nos termos do artigo 433.° do referido Código, havendo lugar ao mesmo sob pena de esvaziamento do direito conferido ao arguido naqueles preceitos legais; c) Tal transcrição, referida na alínea a) das presentes conclusões, não é da competência do Recorrente, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, pois decorre da leitura devidamente concatenada dos artigos 101° e n.ºs 3 e 4 do artigo 412°, ambos do CPP e do Assento n.º 2/2003 de 30 de Janeiro onde é fixada jurisprudência no sentido de que sempre que o Recorrente impugne decisão proferida sobre matéria de facto, em conformidade com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.° do C.P.P., como é o caso dos presentes autos, a transcrição ali referida incumbe ao tribunal, pelo que foi violado quer o referido artigo quer o estipulado no referido Assento; d) Também dispõe o Tribunal da faculdade (poder/dever) de proceder à audição e visualização de outras passagens para além das indicadas pelo Recorrente se considerar que aquelas são relevantes para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, nos termos do artigo 412.°, n.º 6 do C.P.P., disposição esta que o Tribunal a quo não deu uso, limitando-se a dizer que como não dispõe das declarações de outros arguidos não pode avaliar do "peso" das suas declarações com vista a avaliar a prova no seu conjunto pelo que foi também violado o referido artigo, pois e) O tribunal podia (e devia), se assim o entendesse, ter acesso a tais depoimentos nos termos descritos na alínea anterior e o dever inultrapassável de o fazer a partir do momento que o recorrente impugnou a decisão quanto à matéria de facto; f) Assim, nada obstava (antes se impunha) a que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente, se se tivesse munido da prova que necessitava, prova essa que está na sua disponibilidade uma vez que a Lei assim o permite, sendo que o Recorrente cumpriu o que lhe é imposto pelo artigo 412. ° do C.P.P., ou seja, uma vez que impugnou prova gravada, mencionou concretamente as passagens dos depoimentos das testemunhas que impugnou; g) Ao culpabilizar o Recorrente pela não transcrição dos depoimentos que considera relevantes para a boa decisão da causa, quando é da sua exclusiva competência adquirir tais elementos segundo os artigos 412.° e o Assento 2/2003 de 30 de Janeiro, violou o Tribunal a quo não só aqueles preceito do CPP mas também o disposto nos artigos 202.°, 20.° e 32.° da Constituição da República Portuguesa; h) E ao afirmar (o Tribunal a quo) que"... sem a totalidade dos elementos de prova produzidos, que no caso, foram, no seu conjunto, atendidos na decisão que o Tribunal recorrido tomou a respeito, o Tribunal de Recurso não pode avaliar da verosimilhança, probabilidade ou possibilidade de cada um desses elementos relativamente à verdade material.", o Tribunal a quo opta por tomar "partido"pelo que se encontra vertido no Acórdão da 1.ª Instância - aquilo que o Recorrente impugna - mesmo considerando que não possui elementos suficientes para o fazer daí que o Acórdão é nulo nesta parte, nos termos do artigo 379.°, n.º l, alínea c), segunda parte do C.P.P. porque acaba por conhecer de questões que afirma não poder conhecer (e que, efectivamente, sem a transcrição não pode conhecer).

    i) Sendo o acórdão nulo por nula a apreciação do recurso efectuado pelo Tribunal da Relação de Lisboa uma vez que a não transcrição pelo Tribunal a quo das gravações, cabendo-lhe tal ónus, nos termos dos normativos e Assento supra citados, constitui violação processual insanável inquinadora dessa apreciação, devendo repetir-se a mesma; j) Em todo o caso verifica-se que entre a data do Recurso interposto da decisão da 1.ª Instância e a prolação do Acórdão do tribunal da Relação, se procedeu a uma alteração ao Código Penal que na versão actual permite a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos; k) Não pôde pois o ora recorrente, nem aquando do seu julgamento em 1ª Instância, nem em sede do recurso inicial para o TRL, requerer que o Tribunal se pronunciasse sobre essa possibilidade; I) Havendo lugar agora, em todo o caso, à apreciação de tal possibilidade, o que desde já se requer nos termos da actual redacção prevista na Lei 59/2007 de 4 de Setembro que é concretamente mais favorável ao arguido ora recorrente.

    m) A decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente violou o artigo 412.°, n.º 6 do C.P.P. e foi contra o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2003 de 30 de Janeiro, bem como os artigos 202.°, 20.° e 32.° da C.R.P., sendo que é nula nos termos do artigo 379.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 conjugado com o artigo 425.°, n.º 4 ambos do C.P.P.

    n) O Tribunal recorrido interpretou o artigo 412°, n.ºs 3 e 4 no sentido de que seria da competência do arguido ora recorrente a transcrição da prova nos termos do artigo 412º, quando tal competência, nos termos do Assento supra referido é da competência do...

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