Acórdão nº 07P3879 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2007

Data05 Dezembro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 5204/06, da 4ª Vara Criminal do Porto, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio e de um crime de detenção de arma proibida, previstos e puníveis pelos artigos 131º, do Código Penal e 2º, n.ºs 1, alínea m) e 3, alínea e), 3º, n.ºs 1 e 5, alínea c), 7º, n.ºs 1 e 2 e 86º, n.ºs 1, alínea c) e 2, da Lei n.º 5/06, de 23 de Fevereiro, nas penas de 13 anos e 10 meses de prisão, respectivamente, sendo em cúmulo jurídico condenado na pena conjunta de 13 anos e 3 meses de prisão.

Interpuseram recurso Ministério Público e arguido.

São do seguinte teor as conclusões extraídas pelo Ministério Público da motivação que apresentou: 1. As circunstâncias qualificativas do crime de homicídio previstas no artigo 132º, do C.P., estão elencadas a título meramente exemplificativo, como decorre da expressão "entre outras" que se lê na norma do n.º 2 do dito preceito.

  1. O motivo fútil, referido na alínea d) do n.º 2 do artigo 132º do C.P., vem sendo entendido, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência, como aquele que se mostra desproporcionado relativamente à gravidade do crime perpetrado.

  2. A um indivíduo que dispara um tiro de caçadeira, de uma distância não superior a 3 metros, apenas porque discutiu, sem qualquer violência e sobre razões vagas, tão vagas que nem foi possível apurá-las, contra outro indivíduo que, temendo ser agredido se afastara primeiro, actua futilmente motivado.

  3. Ainda assim e mesmo que não se considere fútil a sua motivação, o arguido AA manifestou personalidade torpe e perversa em toda a sua actuação, ao colocar à mão a arma de fogo, que nem lhe pertencia e ocasionalmente se encontrava no veículo em que se fazia transportar, ao apontar a arma em posição ofensiva contra um outro circunstante, o FF, e ao disparar tal arma contra aquele que veio a ser sua vítima mortal, o EE, causando-lhe na cara e pescoço uma verdadeira cratera de carne e uma profusão de chumbos em redor, bem como lesões em órgãos vitais, donde decorreu a sua morte.

  4. A conduta do AA é - sem exagero - fortemente censurável e deverá ser qualificada como integrante do homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do C.P.

  5. Ao condená-lo pelo crime de homicídio simples, o douto acórdão recorrido violou a norma do artigo 132º, do C.P.

  6. O douto acórdão deverá ser revogado na parte da condenação pelo homicídio, devendo condenar-se o AA pelo crime de homicídio qualificado, em pena não inferior a 18 anos.

  7. Se assim se não entender, sempre deverá ser alterada a pena que lhe foi cominada pelo crime de homicídio simples para 16 anos de prisão.

  8. E isto porque a maldade que demonstrou merece uma retribuição penal mais gravosa.

  9. E havendo que salvaguardar necessidades de prevenção geral, mormente nesta cidade e comarca, onde os homicídios violentos têm ocorrido com indesejável frequência, estas só ficarão garantidas com penas mais elevadas, porque dissuasoras.

  10. Também a sua conduta criminosa anterior e a sua falha de integração social, ressaltadas no acórdão condenatório, demandam outra dosagem penal mais elevada.

  11. Ao não condenar em pena mais elevada, o douto acórdão recorrido violou os preceitos contidos no artigo 71º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

    Por sua vez, o arguido formulou na sua motivação de recurso as seguintes conclusões: 1. Esta decisão viola de forma grosseira o disposto no artigo 410º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.

  12. Na determinação da medida da pena o douto Tribunal não teve em devida consideração que o arguido confessou a prática dos factos.

  13. Não foi tido igualmente pelo Colectivo de Juízes que o arguido na altura em que praticou os factos estava sob o efeito de produtos estupefacientes.

  14. Por outro lado, o arguido tem 4 filhos que muito precisam do arguido, não tendo tal facto sido devidamente ponderado pelo Colectivo de Juízes.

  15. Nestes termos, deve a pena aplicada ao arguido AA ser alterada e reduzida no seu quantum e ser substituída por outra mais próxima do seu limite legal, fazendo desta forma Justiça.

    Na contra-motivação apresentada o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso interposto pelo arguido.

    A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta nesta instância apôs o seu visto nos autos.

    Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

    Delimitando o objecto dos recursos verifica-se que a única razão de discordância que o arguido apresenta relativamente à decisão recorrida, conquanto nas conclusões formuladas tenha aludido à violação das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, recai sobre a medida da pena do crime de homicídio. Com efeito, a referência feita àqueles dispositivos legais não se mostra minimamente fundamentada, quer na parte conclusiva da motivação, quer no corpo desta. Aliás, neste último segmento da motivação, não é feita a menor alusão aos referidos dispositivos legais, nem vem articulado qualquer facto atinente aos vícios da sentença ali previstos.

    No que tange ao recurso do Ministério Público são duas as razões de discordância apresentadas, reportando-se a primeira à qualificação jurídica dos factos, com o fundamento de que aqueles deveriam ter sido subsumidos à norma do artigo 132º do Código Penal, prendendo-se a segunda com o quantum de pena do crime de homicídio, que se pretende ver agravado, independentemente do enquadramento jurídico-penal dos factos.

    O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos - (1).

    : «1. Durante o período de tempo compreendido entre as 20,00 horas do dia 14 e as 7,00 horas do dia 15 de Setembro de 2006, na cidade de Braga e em circunstâncias não apuradas, o arguido apoderou-se do automóvel marca Audi, modelo A6, matrícula 00-00-LI, bem como da espingarda caçadeira, calibre 12, marca Benelli, com o n° de série M 0000000, com sistema de disparo semi-automático e com um único cano de alma lisa, medindo 70 cm de comprimento, esta encontrando-se no interior da bagageira daquele automóvel e pertencente a MM; 2. Nesse mesmo dia, o arguido deslocou-se de Braga para o Porto, na condução do mencionado automóvel Audi A6, transportando, ainda, a referida espingarda caçadeira; 3. Entretanto, ainda na mesma ocasião, JM seguiu, igualmente, para o Porto, na condução do automóvel da marca Fiat, modelo Uno, pertencente ao arguido e que lhe havia sido emprestado por este; 4. Chegado ao Porto, por volta das 3,30 horas, o arguido dirigiu-se com o Audi A6 para o Bairro do ....., ainda nesta cidade, para ali adquirir produtos estupefacientes; 5. Já no Bairro do ....., o arguido e JM pararam os referidos automóveis, tendo este saído do Fiat e entrado para o Audi A6; 6. O arguido pôs depois o Audi A6 novamente em andamento e voltou a parar o mesmo um pouco mais à frente, ainda no Bairro do ....., permanecendo contudo ao volante daquele automóvel; 7. Em momento que se não apurou, compareceu no mesmo Bairro o ofendido EE, conduzindo o automóvel, marca Mercedes, matrícula 00-BJ-00, o qual o mesmo viria a estacionar próximo do local onde o arguido estacionou o Audi A6; 8. Em determinada altura, o ofendido EE saiu do referido...

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