Acórdão nº 430/06.4PWPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução14 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 430/06.4PWPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1.Relatório No 2º juízo dos juízos criminais do Porto, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido, além de outros[1], a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-lo, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º nº 1 e 146º nºs 1 e 2, com referência ao art. 132º nº 1 al. g), todos do C. Penal, na redacção anterior à Lei nº 59/2007 de 4/9, na pena de 2 anos de prisão, com execução suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova, assente em plano individual de readaptação social a elaborar pelos serviços de reinserção social, executado com vigilância e apoio desses serviços, e subordinada ao pagamento, no prazo de 6 meses, da indemnização atribuída ao ofendido/demandante.

Na procedência parcial do pedido indemnizatório contra ele deduzido pelo demandante D…, foi o arguido/demandado condenado a pagar-lhe a quantia global de 5.064,86€, acrescida de juros à taxa legal sobre o montante de 1.064,86€, correspondente a danos patrimoniais, desde a notificação e até integral pagamento, indo absolvido do mais peticionado.

Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando pela declaração da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art 379º do C.P.P. ou, assim se não entendendo, pela sua revogação e consequente absolvição por verificação de causa de exclusão da ilicitude, ou pela atenuação especial da pena por verificação de situação de excesso de legítima defesa, ou pela alteração da qualificação jurídica com a subsunção dos factos ao crime de ofensa à integridade física simples e a aplicação de uma pena de multa, para o que apresentou as seguintes conclusões: i. O arguido discorda da sentença recorrida que o condenou, na pena de 2 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

ii. A motivação de recurso obedece à seguinte estrutura que decompõe os fundamentos da defesa: I. Da Fundamentação Insuficiente da Decisão e II. Da decisão: A Matéria de Facto Erradamente Julgada e B. Errada Qualificação Jurídica dos Factos Dados como Provados.

iii. O arguido foi acusado, pronunciado e submetido a julgamento por lhe ser imputado o seguinte ilícito criminal (em autoria material): - “ um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.e.p. pelos arts 143.2, n.º 1 e 145.º n.º 1, al. a), e n.º 2, com referência ao art. 132.º, nº 2, al. h), do C.P./07.” iv. Após a realização da audiência de julgamentos, ponderadas as circunstâncias que influem na determinação da medida da pena concreta a aplicar (arts. 71º, do CP), foi determinada a aplicação de uma pena de 2 anos de prisão (...) que ao abrigo do disposto do art. 50º, nºs 1 e 5, do C.P./07, foi suspensa na sua execução, pelo período de 2 anos.

v. Analisando a sentença condenatória em questão, entende o recorrente, neste âmbito e no seu modesto parecer, que os meios/elementos de prova constantes do processo, correctamente apreciados, também segundo as regras da experiência, impunham decisão diferente quanto à matéria de facto.

vi. Com efeito, estabelecendo inegavelmente o art. 127º do CPP o princípio da livre apreciação da prova, certo é que, tal apreciação não pode ser “arbitrária, discricionária ou caprichosa, de todo em todo imotivável.” vii. O Julgador ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo”.[2] viii. Vista a sentença recorrida à luz da citada Jurisprudência constitucional, enferma este, como infra tentará o recorrente demonstrar, de vários vícios que resultam, quer do próprio texto, de per si, quer ainda deste conjugado com as regras da experiência comum.

ix. Dispõe o nº 2 do artº 374º que a fundamentação da sentença “consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

x. A propósito deste preceito, “Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados nem os meios de prova mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência /.../ A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.

xi. Também neste sentido esteve o Ac STJ de 4ABR01 (proferido no Proc. nº 691/01, da 3ª Secção, e disponível na Internet) ao dizer que “a descrição do processo lógico que conduziu à convicção do julgador /.../ terá de ser minimamente expressivo para dar a conhecer a razão que formou o decidido de facto /.../ terá sempre a descrição crítica de explicar por que se aceitou, como revelador da verdade histórica, determinado elemento probatório e se rejeitou outro, porque afastado desta verdade”.

xii. Mais, a fundamentação terá de conter “uma análise explicativa do processo lógico - racional que conduziu à convicção do tribunal[4].

xiii. Dir-se-á que a exigência legal da fundamentação não fica satisfeita com a mera indicação das provas que formaram a convicção do tribunal, nem sequer com a descrição do conteúdo dessas provas.

xiv. É necessário que o tribunal explicite o processo racional que lhe permitiu, como permitiria ao cidadão comum, extrair de determinada prova a convicção da verdade histórica de determinado facto, entendendo-se por processo racional o conjunto articulado de elementos objectivos e de considerações analíticas assentes na experiência comum que permitem extrair de determinadas provas conclusões acerca da verdade histórica dos factos do processo.

xv. Mais uma vez, a explicitação que a lei exige do Julgador tem estrutura silogística, que impede a livre convicção de se transmutar em mero capricho ou subjectividade.

xvi. A fundamentação, em suma, deve ser tal que os sujeitos processuais em particular e os cidadãos em geral compreendam a razão por que certa prova convenceu o Julgador da veracidade de certo facto.

xvii. É indiscutível que o Tribunal desenvolveu um trabalho de identificação das provas em que fundou a sua convicção e de descrição (obviamente, sumária, por outra não ser exigível) do conteúdo de cada uma das provas relevantes. Simplesmente, não explicou como deduziu dessas provas e desse conteúdo as suas conclusões.

xviii. Não explicou, isto é, o processo racional que lhe permitiu (e permite a qualquer de nós) extrair de uns e outros a certeza (a convicção) de serem verdadeiros certos factos.

xix. A fundamentação da sentença em mérito regista, em síntese, que para formar a sua convicção quanto aos factos provados o tribunal se baseou: 1.No depoimento das várias testemunhas e dos próprios arguidos.

  1. Nos relatórios periciais 3. Nos documentos juntos aos autos, xx. O Tribunal identificou, por conseguinte, cada uma das provas por si consideradas decisivas. E é também indiscutível que, a propósito de cada uma delas, fez a súmula do respectivo conteúdo, que, por agora, vamos aceitar e considerar rigorosa. Ficamos, portanto, a saber que naquelas provas, com aquele conteúdo descrito na sentença, firmou e formou o Tribunal a sua convicção.

    xxi. Qual é a ligação lógica, racional, que, face, designadamente às regras da experiência comum, existe entre cada uma das provas consideradas e aqueles factos concretos? Qual foi o raciocínio, o processo lógico que permitiu ao Tribunal retirar daquelas premissas aquelas conclusões?! xxii. Não há na sentença a mínima explicação a tal respeito, o que impossibilita os recorrentes e os Tribunais superiores de conferirem a bondade e rigor do processo de formação da convicção do Julgador, por falta de elementos que lhes permitam subscrever e sufragar ou, pelo contrário, impugnar e refutar os vectores racionais da decisão.

    xxiii. Daí que a fundamentação se revele manifestamente insuficiente.

    Incorreu, por isso, a douta sentença na nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º.

    xxiv. Como se disse, aquela explicação não existe. Mas a verdade é que, mesmo que existisse, nunca poderia ser convincente.

    1. Matéria de Facto Erradamente Julgada: xxv. Encontra-se erradamente julgada a matéria de facto considerada como provada nos n.ºs: 6., 7., 9., 14., 15., 16., 17., dos factos provados e als. e), f), g), e h) dos factos não provados.

    xxvi. Tal matéria encontra-se erradamente julgada porquanto: Da prova directa produzida em audiência de julgamento, não resultam aqueles factos como provados; e ao invés estes que foram dados como não provados deveriam ter sido considerados provados.

    A prova produzida ou examinada em audiência de julgamento e invocada na decisão recorrida, através de suporte digital: Depoimento do arguido B… prestados no dia 03-05-2011, no hiato temporal das 14:45:18 às 15:31:38; Depoimento do arguido e lesado D… prestados no dia 03-05-2011 no hiato temporal das 15:32:42 às 16:11:50; e Depoimento da testemunha E… prestado no dia 03-05-2011, no hiato temporal das 17:49:16 às 17:59:37 e no dia 20-05-2011, no hiato temporal das 10:03:32 às 10:20:19 - não permitem a inferência, como realidade exclusiva, de tal factualidade e ao invés, como se refere no texto das motivações supra aduzidas até impõem decisão diversa.

    xxvii. Na verdade não se pode concluir que, como concluiu a sentença de que se recorre, que o recorrente agrediu o arguido D…, actuando de forma livre, voluntária e consciente, com o...

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