Acórdão nº 178/19.0JAGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.º n.º 178/19.0JAGRD.C1. S1 Recurso penal (arguidos presos) Acordam, precedendo audiência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. Por Acórdão proferido em 15 de Julho de 2020, o Colectivo do Juiz … do Juízo Central Cível e Criminal …., deliberou: - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º1, 116.º, n.º1, 117.º, 190.º e 198.º, todos do Código Penal (CP) e artigo 49.º do Código de Processo Penal (CPP), por falta de legitimidade do Ministério Público para dedução de acusação pública, julgar extinto, o procedimento criminal instaurado contra os arguidos, AA e BB, pela prática, em autoria material, de um crime de violação de domicílio, p. e p. no artigo 190.º, nºs 1 e 3, do CP.

    Mais deliberou: - Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), ambos do CP, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão; - Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo e 86.º, n. º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão e na pena acessória de interdição temporária de detenção, uso e porte de arma ou armas, pelo período de 15 (quinze) anos.

    - Em cúmulo jurídico condenar o arguido AA na pena única de 20 (vinte) anos de prisão efetiva.

    - Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), ambos do CP, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão; - Condenar o arguido BB pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, n.º 1, al. c) e 90.º todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão e na pena acessória de interdição temporária de detenção, uso e porte de arma ou armas, pelo período de 15 (quinze) anos.

    - Em cúmulo jurídico condenar o arguido BB na pena única de 20 (vinte) anos de prisão efetiva.

    - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes CC, DD, EE, FF, GG, HH, e, consequentemente, condenar os demandados AA e BB a, solidariamente, pagar: - Em conjunto, aos demandantes a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), pela perda do direito à vida, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; - Em conjunto, aos demandantes a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), pelos danos sofridos por II com a iminência da morte, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; - À demandante CC a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; - Ao demandante DD a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; - À demandante EE a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; - À demandante FF a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; - À demandante GG a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; - À demandante HH a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efetivo e integral pagamento; – No demais, absolvem-se os demandados do peticionado.

  2. Inconformados com esta decisão, vieram o Ministério Público e os arguidos BB e AA interpor recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), que por acórdão de 17.02.2021: - Julgou não providos os recursos interpostos por BB e AA do acórdão final; - Julgou parcialmente provido o recurso do Ministério Público e, em consequência condenou os arguidos BB e AA pela prática de um crime de violação do domicílio p. e p. pelo artigo 190.º, n.º 1 e 3, do CP na pena de dois anos de prisão, cada um deles; - E condenou os arguidos na pena única de vinte e um anos de prisão, mantendo-se no mais o acórdão recorrido.

  3. Deste acórdão vieram os arguidos BB e AA interpôr recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões na sua motivação de recurso que se transcrevem: 3.1. - O arguido BB: (…) 1. Nos presentes autos a primeira instância decidiu do seguinte modo: i. condenar o recorrente na pena única de 20 anos de prisão: pela prática do crime de homicídio qualificado (19 anos – art. 131.º e 132.º, n. º 1 e 2 als e) e h) do Código Penal); pela prática do crime de detenção de arma proibida (2 anos – art. 86.º, n. º1 c) da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro); ii. absolver da prática do crime de violação de domicilio, por falta de legitimidade do Ministério Público para instaurar o processo criminal (cfr. art. 113.º, n.º 1, art. 116.º, n.º 1; art. 117; art. 190 e 198 do CP e art. 49.º do CPP).

  4. Tanto o arguido, aqui recorrente, como o Ministério Público interpuseram recurso.

  5. Sendo que o recurso do recorrente não mereceu qualquer provimento, já o do Ministério Público foi provido.

  6. Em consequência, o recorrente foi condenado na pena de dois anos pela prática do crime de violação de domicílio.

  7. O que veio a ter reflexo na pena única: 21 anos de prisão! 6. Em suma, o tribunal a quo veio a considerar que CC é titular do direito de queixa, por óbito do falecido II, que o exercício do direito de queixa se presume, ainda que não tivesse sido confrontada com a possibilidade abstrata da existência da prática do crime, com a expressão “[quero] ver a situação esclarecida e que se faça e prendam aqueles bandidos”. – cfr. fls. 48 a 50 dos autos.

  8. Salvo melhor opinião, não podemos concordar com tal raciocínio, na medida em que, verificado o auto, tal expressão corresponde a um desabafo de alguém que viu um familiar morto a tiro.

  9. Naturalmente que alguém que seja vítima de um crime quer que a situação fique.

  10. No entanto, não será aceitável fazer presunções sobre a vontade dos ofendidos, porquanto o legislador ao fazer uma distinção entre crimes públicos; semipúblicos e particular pretende tratar de forma diferente estes crimes, deixando na mão do ofendido a sua intenção de querer ou não a prossecução da ação penal.

  11. Ora, no presente caso, quando a assistente CC foi chamada à Polícia Judiciária nunca, em momento algum, foi confrontada com a possibilidade da existência deste crime.

  12. Nem neste momento, nem em momento posterior.

  13. É certo que o legislador não estabelece qualquer requisito de forma, no entanto tal não poderá significar um aligeiramento das mais elementares regras processuais.

  14. A manter-se o entendimento do tribunal a quo ocorre, o que desde já se invoca, uma inconstitucionalidade material dos artigos 113.º, n.º 1, ; 116.º, n.º 1; 117.º, 190.º 2 198.º, todos do CP e artigo 49.º do CP, quando interpretados no sentido de que basta a mera expressão de “quer ver toda a situação esclarecida e que se faça justiça e se prendam aqueles bandidos” para que se presuma que o titular do direito de queixa, no âmbito de um crime semipúblico, pretende o procedimento criminal, violando-se do principio da proporcionalidade e da razoabilidade e por violação do principio da garantias de defesa do arguido (art. 32.º, n.º 1 da CRP).

    Posto isto, 14. No que tange à qualificativa do crime de homicídio, o recorrente foi condenado pela prática de homicídio qualificado previsto na al. e) do n.º 2 do artigo 132.º do CP.

  15. Ou seja, o tribunal considerou que o motivo para o homicídio foi fútil.

  16. Não concordamos, pois, a análise do motivo para a prática do crime deve ser analisada à luz do caso concreto, não podendo esta qualificativa operar automaticamente.

  17. É imperativo compreender e enquadrar toda a conduta do recorrente.

  18. Desde já, importa dizer que o recorrente é de etnia cigana e, como tal, há uma forte ligação e proteção entre todos os membros.

  19. Estava em causa a honra do jovem abandonado, e consequente da família que é arrastada.

  20. Jovem que de livre mote ceifou um casamento de acordo com os usos e costumes da etnia.

  21. Jovem que foi retirada da casa do noivo durante a noite e levada para parte incerta.

  22. O recorrente, familiar acedeu a acompanhar o suposto sogro para a resolução da situação.

  23. Ainda que o tribunal alicerce a sua convicção retroagindo a um desígnio anterior, ao momento da partida para o local em que se encontrava, entendemos que o facto assente é genérico e pouco rico em fundamento factual, além de uma viagem, nada tem para consubstanciar a deslocação com o propósito morte.

  24. De acordo com os valores próprios a honra é um sentimento forte, que mexe com sentimentos de grupo de pertença e de laços afetivos, onde esta toda a estrutura familiar tem uma dinâmica e dialética própria.

  25. Em segundo lugar, deve-se referir que entre o coarguido AA e a filha da vítima existiu um casamento que foi rompido pela segunda, sendo o casamento um dos sacramentos mais importantes desta comunidade! 26. Ora, é na tentativa de reatar o casamento que os arguidos se dirigem à casa da vítima, tendo o recorrente a função de apoiar e ajudar o seu amigo e primo AA.

  26. Todavia, é na defesa dos valores desta comunidade; num ambiente de exaltação e porque há um prévio disparo, que o recorrente dá o tiro.

  27. Pelo que, o motivo fútil não pode existir, visto que não há aqui qualquer escárnio e desprimor pela vida humana.

  28. A par do motivo fútil, o arguido também foi condenado pela qualificativa do meio particularmente perigoso.

  29. Uma vez mais, não podemos concordar com esta...

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