Acórdão nº 07S1442 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução31 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" intentou, em 13 de Fevereiro de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra "Empresa-A Comercialização e Distribuição de Café, S.A.", acção pedindo, com fundamento em despedimento ilícito, a condenação desta a pagar-lhe a importância global de € 160.150,11, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, bem como todas as retribuições que se vencerem até à data da sentença.

Alegou, no essencial, que: - Em 15 de Julho de 1987, foi admitido ao serviço da Ré para exercer o cargo de "Vendedor", através de um denominado "Contrato de Agência", no âmbito do qual trabalhou sob as ordens, direcção e autoridade da Ré, vindo a ser promovido à categoria de "Chefe de Vendas"; - Em 24 de Maio de 2005, recebeu uma carta da Ré em que esta lhe comunicou a resolução do contrato com efeitos imediatos, o que consubstancia despedimento ilícito.

- Após o despedimento, a Ré pagou-lhe a quantia de € 75.000,00, como compensação pela cessação do contrato de agência e indemnização de clientela, mas como o contrato de agência apenas serviu para ludibriar a lei e enganar o Autor, o respectivo acordo de cessação é nulo, não produzindo quaisquer efeitos, apenas subsistindo o montante recebido pelo Autor, a ser considerado a crédito no valor final a receber.

- Em função do valor global anual das comissões que recebeu, auferiu um vencimento mensal de € 7.070,87, em 2004, e de € 6.803,97, no ano do despedimento.

- A conduta ilícita da Ré causou-lhe colapso nervoso, vexame, humilhação, desgosto, abalo moral e mau estar que atingiu a própria estrutura familiar, danos de natureza não patrimonial que não podem deixar de ser indemnizados.

  1. Na contestação, a Ré defendeu-se por excepção e impugnação, dizendo, em súmula, que: - Em 12 de Julho de 2005, as partes acordaram em fazer cessar com efeitos reportados a 31 de Maio de 2005 o contrato de agência que as ligava desde 15 de Julho de 1987, acordo esse nos termos do qual, a título de compensação, o Autor recebeu a quantia de € 75.000,00, declarando "nada mais ter a receber ou reclamar seja a que título for" da Ré; - Tal acordo configura um contrato de remissão abdicativa do que resulta que, independentemente da qualificação da relação jurídica em causa, todos os créditos dela emergentes ficaram extintos.

    - O contrato que vigorou entre as partes desde 15 de Julho de 1987 foi um verdadeiro contrato de agência e não de trabalho, pois que a sua actividade - sempre desenvolvida, sem remuneração fixa, sem sujeição a ordens, a horários, ao poder disciplinar, com liberdade para exercer, por conta própria ou alheia, outras actividades, desde que não concorressem com a da Ré -, sempre foi a de promover, por conta da Ré, de modo autónomo, em determinada zona territorial, a celebração de contratos para fornecimento de café.

    - Não se tratando de um contrato de trabalho, a comunicação resolutiva de 24 de Maio de 2005 não pode ser encarada como despedimento.

    - Visto que o Autor propôs a acção em 10 de Fevereiro de 2006, apenas seriam devidas retribuições, a partir de 30 dias anteriores àquela data, ou seja, desde 11 de Janeiro de 2006, e, tendo ele, logo no início de Junho de 2005, entrado para os quadros de outra empresa, sempre terão de ser deduzidos os valores ali auferidos.

  2. O Autor apresentou articulado de resposta para concluir pela improcedência das "excepções alegadas pela Ré", julgando-se procedente o pedido.

  3. Na 1.ª instância, foi proferido despacho saneador com valor de sentença em que se decidiu "julgar procedente a invocada excepção de remissão abdicativa e, em consequência, absolver a R. de todos os pedidos formulados pelo A.".

    O Autor interpôs recurso de apelação, no qual suscitou a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia, concluindo por pedir a anulação da sentença.

    O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a decisão da primeira instância.

    Para ver revogado o acórdão da Relação e substituído por outro que "mande anular a sentença da primeira instância", o Autor interpôs este recurso de revista, terminando a alegação com as conclusões assim redigidas:

    1. O A. foi despedido no dia 24 de Maio de 2005, por escrito e sem justa causa (Art. 396.º Código do Trabalho e art. 53.º da Constituição da Republica Portuguesa).

    2. Não mais tendo prestado serviço para a Ré.

    3. Do ponto de vista da A o despedimento foi ilegal por não ter sido precedido de processo disciplinar (Art. 411.º e 429.º do CT).

    4. Pois o A. entende que sempre esteve ao serviço da R. em regime de trabalho subordinado.

    5. Ora, aquela declaração de quitação não pode de modo algum branquear uma ilegalidade à luz do direito laboral e dos artigos referidos.

    6. No contrato de transacção estipularam-se valores específicos (compensação pela cessação do contrato de agência e indemnização de clientela) que nada têm a ver com os valores que numa relação laboral existem.

    7. Pois não renunciou à indemnização legal por despedimento ilícito, férias, subsídio de férias, Natal e danos não patrimoniais.

    8. Não valendo como contrato de remissão para estes valores.

    9. E a declaração não passa de um mero recibo de quitação relativamente à quantia de € 75.000.

    10. O A. não podia ter acordado a rescisão do contrato de agência em 12 de Julho de 2005, quando já tinha sido despedido da Ré no dia 24 de Maio de 2005.

    11. Ou então, o contrato de remissão assinado no dia 12 de Julho de 2005 revogou a carta de despedimento/rescisão e, neste dia, ainda estava ao serviço da Ré pelo que não podia renunciar a valores protegidos por lei aos trabalhadores.

    12. Deu-se uma revogação do contrato por comum acordo com eficácia retroactiva. Com este "contrarius consensus" as partes, por mútuo consentimento, extinguiram a relação existente, tudo limparam retroactivamente.

    13. Diz o Tribunal da Relação que o "acordo de cessação do contrato de trabalho pode ser revogado por iniciativa do trabalhador até ao sétimo dia seguinte, o que não sucedeu no caso".

    14. Afirmação que só vem reforçar a tese de que o contrato de trabalho vigorou até 12 de Julho 2005, data em que foi assinada a declaração negocial.

    15. Pelo que é contraditório o Tribunal da Relação afirmar que a relação laboral cessou em 24 de Julho de 2005 (1).

    16. E, nesta data, verificavam-se os constrangimentos de alguém que vai assinar uma declaração negocial, mas ainda está sob a tutela da entidade patronal e quando ainda existia subordinação jurídica.

    17. Assim a sua vontade não era inteiramente disponível e livre de qualquer coação no momento da assinatura daquele documento e consequentemente não houve extinção da relação creditória.

    18. O Acórdão do Tribunal da Relação andou ainda mal ao terminar dizendo que a declaração de remissão de quitação foi extintiva de créditos reclamados.

    19. O Acórdão também andou mal ao não conhecer das nulidades da sentença com o argumento de que estas não foram arguidas no requerimento de interposição de recurso.

    20. Na verdade o A. mencionou ali as nulidades em crise e o Mmo. Juiz do Tribunal de Trabalho não teve qualquer dúvida em assim interpretar ao afirmar que a decisão não padece das nulidades invocadas.

    21. O Acórdão recorrido ofendeu preceitos de direito substantivo, como sejam, as disposições dos artigos 211.º, 221.º, 254.º, 255.º, 393.º, 394.º, 395.º, 396.º, 429.º, 435.º, 436.º, 437.º todos do Código do Trabalho e artigo 668.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código do Processo Civil.

    Respondeu a Ré para sustentar a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público...

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