Acórdão nº 1841/21.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A. F., A. M., A. O., B. R., C. G., M. L., S. P. e V. M. requereram a insolvência de X, Lda - Em Liquidação.

Alegaram, em súmula: foram trabalhadores da requerida que ilicitamente, em 24.06.2020, procedeu ao seu despedimento; em virtude de tal despedimento e dos créditos vencidos, são titulares de créditos laborais no valor global de 39.465,38€; e a requerida encontra-se incapaz de cumprir as suas obrigações uma vez que cessou a sua atividade.

A requerida deduziu oposição à declaração de insolvência, alegando, em síntese: os requerentes carecem de legitimidade substantiva para intentar a presente causa uma vez que não são seus credores pois, que, aceitaram celebrar um acordo de remissão pelo qual receberam certa compensação global pela cessação do contrato de trabalho; existe exercício abusivo de direito; de qualquer forma, tratando-se de créditos controvertidos, sempre deveriam ser dirimidos em ação própria, no juízo de competência especializada do trabalho; e não se encontra em situação de insolvência.

Os requerentes responderam às exceções aduzidas pela requerida, mantendo a sua posição inicial e alegando que “a assinatura do[s] Requerente[s], aposta no[s] aludido[s] documento[s], foi assim obtida sob coação e ameaça do não pagamento do salário que tanta falta fazia ao[s] Requerente e ao seu agregado familiar”.

Em audiência foi proferido despacho saneador fixando-se o objeto do litígio e os temas de prova, após o que se realizou audiência de julgamento onde foi proferido despacho, constando na sua ata: “(…) Apesar de a respeito dessa matéria parecer existir acordo das partes nos seus articulados, designadamente no que respeita à data da cessação do contrato de trabalho, 24/06/2020, o certo é que das declarações de partes das Autoras, assim como do próprio depoimento de parte do representante legal da Requerida, e agora das declarações que estão a ser prestadas pela testemunha, parece resultar que o contrato de trabalho terá formalmente cessado no dia 30/06/2020 (que aliás será a data que foi inscrita nos modelos para obtenção do subsídio de desemprego) e, como tal, o Tribunal pondera considerar esta factualidade, que considera como sendo instrumental, pelo que dá de tal conhecimento às partes para efeitos do exercício do contraditório/pronúncia até ao final da audiência.

(…) De seguida, a Mmª. Juiz de Direito deu a palavra aos Ilustres Mandatários das partes para o exercício de contraditório/pronúncia quanto à factualidade instrumental a considerar na sentença, sendo que pelos mesmos foi dito nada terem a opor ou a requerer.

(…) Notifique.

Do despacho proferido foram notificados os presentes.”.

Proferida sentença, a sociedade foi absolvida do requerido.

Os requerentes recorreram concluindo: “Face ao exposto impõe-se que a sentença recorrida seja revogada e substituída, pois: A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença proferida que julgou a ação improcedente e absolveu a Requerida do pedido de declaração de insolvência, já que as Recorrentes não se conformam com a mesma.

(…) B. Os Recorrentes não se conformam com a decisão que não declarou a insolvência da Requerida.

  1. A sentença recorrida fundamentou-se no facto de, no entender do Tribunal a quo, os Recorrentes terem renunciado aos seus créditos laborais, através de remissão abdicativa, tendo, consequentemente, sido decidido que estes não têm legitimidade, uma vez que não conseguiram demonstrar deter sobre a Requerida qualquer direito de crédito que lhes legitimasse o pedido de insolvência.

  2. Entendem, no entanto, os Recorrentes que se impunha uma decisão diversa da recorrida e que declarasse a insolvência da Requerida, já que não renunciaram a quaisquer créditos sobre esta.

    (…) E. Os Recorrentes pretendem, com o presente recurso, ver reapreciada, apenas e só, a questão da (in)validade da alegada renúncia e remissão abdicativa que está na origem da decisão proferida.

  3. Com efeito, primeiramente a sentença recorrida começa por analisar a existência ou não de créditos laborais dos Recorrentes sobre a Recorrida, concluindo o seguinte: i) a Recorrida despediu ilicitamente os Recorrentes; e ii) os Recorrentes são titulares dos créditos laborais alegados e peticionados sobre a Recorrida.

  4. No entanto, conclui o Tribunal a quo que o documento assinado pelos Recorrentes (cfr. ponto K. dos factos provados) constitui uma remissão abdicativa, razão pela qual estes deixaram de ser titulares de qualquer crédito sobre a Recorrida e, consequentemente, não têm legitimidade para requerer a declaração de insolvência desta.

  5. Os Recorrentes não ignoram a existência, quer de Doutrina, quer de Jurisprudência, que admite a renúncia de créditos laborais e a remissão abdicativa de créditos laborais.

    I. No entanto, os Recorrentes não comungam dessas teses. Aliás, os Recorrentes julgam que tais teses, salvo o devido respeito, estão ultrapassadas e que se assiste, ainda que lentamente, a uma mudança de orientação cada vez significativa no sentido de não se admitir a renúncia e a remissão abdicativa de créditos laborais.

  6. A título de exemplo citem-se os recentes Acórdãos do STJ: de 13.02.2019 (proc. n.º 1059/16.4T8PNF.P1.S1), cujo relator é o reconhecido juslaboralista Professor JÚLIO GOMES; de 22.02.2017, (proc. n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1), cujo relator é GONÇALVES ROCHA: K. Já no âmbito Doutrinal, uma das vozes que mais se tem batido por esta questão, há já muito anos, é o Professor JOÃO LEAL AMADO, que defende a insusceptibilidade da renúncia e da remissão abdicativa de créditos laborais: “(…) sendo o crédito salarial parcialmente insuscetível de cessão a terceiro (cfr. art. 280.º do Código do Trabalho), como se poderia compreender que o trabalhador fosse livre de a ele renunciar integralmente, em óbvio benefício do seu empregador? (…) ao carácter alimentar do salário vem ainda adicionar-se a situação de dependência do credor- trabalhador relativamente ao devedor-empregador, o que contribui para reforçar a tese da irrenunciabilidade” – “Direito do Trabalho – Relação Individual”, Almedina, 2020, pág. 802.

    L. Acresce ainda que “(…) a irrenunciabilidade é outrossim reclamada pela natureza do próprio direito ao salário, enquanto direito marcado por uma nota fortemente alimentar, sendo evidente que a função alimentar da retribuição não se altera com a cessação do contrato (…) – JOÃO LEAL AMADO, “Direito do Trabalho – Relação Individual”, Almedina, 2020, pág. 804.

    (…) M. Os Recorrentes alegam, na petição inicial, que foram ilicitamente despedidos pela Recorrida e peticionam o valor da indemnização decorrente dessa ilicitude.

  7. Ora, em momento algum do documento assinado pelos Recorrentes existe uma renúncia ou uma remissão abdicativa do direito de impugnar o despedimento ocorrido.

  8. Daí que, salvo melhor opinião, nunca existirá qualquer renúncia ou remissão abdicativa relativamente aos valores indemnizatórios a que os Recorrentes têm direito por força da ilicitude do seu despedimento.

    (…) P. Mesmo que se admita a possibilidade de renúncia de créditos laborais e da sua remissão abdicativa, os defensores destas teses, quer a nível Doutrinal, quer a nível Jurisprudencial, são unânimes em considerar que tal apenas é possível e válido se ocorrer após a cessação do contrato de trabalho.

  9. Ora, sucede que analisando os factos dados como provados na sentença, mais concretamente os pontos I., K. e O., conclui-se que os contratos de trabalho das Recorrentes cessaram, por iniciativa da Recorrida, no dia 30 de junho de 2020 e que os documentos, designados “Recibo de Quitação”, foram assinados por aqueles e entregues à Recorrida antes daquela data, ou seja, numa altura em que ainda se mantinha o vínculo laboral entre as partes.

  10. Assim, mesmo sufragando as teses doutrinárias e jurisprudenciais que admitem a renúncia e a remissão abdicativa de créditos laborais, in casu nunca tal seria válida e legal, por parte dos Recorrentes, uma vez que a mesma foi efetuada na pendência do contrato de trabalho.

  11. A sentença recorrida violou assim, entre outros, os artigos 279.º e 280.º do Código do Trabalho e o artigo 863.º do Código Civil.

    Termos em que, …, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que julgue a ação procedente e declare a insolvência da Recorrida, …”.

    Respondeu-se a sustentar o julgado.

    ***Averiguar-se-á se os recorrentes são credores da recorrida para se legitimarem à pretensão da declaração de insolvência da mesma e, neste caso, se é de reconhecer que a devedora se encontra constituída em situação de insolvência.

    Consta da sentença: “A. A requerida é uma sociedade comercial por quotas com o NIPC ………, e matriculada definitivamente na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, e tem por objeto de atividade Fabricação/transformação de componentes e acessórios para veículos automóveis, tendo a sua sede social na Zona Industrial da ... ….

  12. Tem o capital social de 2.100,00€ distribuídos pelos seguintes sócios: P. J.

  13. O.

  14. C.

  15. Atualmente, a Requerida é gerida por um só gerente: P. J..

  16. Por acordo verbal, os requerentes foram admitidos ao serviço da requerida, inicialmente para receber formação específica nas funções, máquinas e ferramentas afetas ao seu processo industrial, em pleno contexto de trabalho, e, a par da formação, desempenharem funções, cumprindo o horário de 40 horas semanais, 08 horas diárias, de segunda a sexta-feira: A. F., em 03/04/2018 A. M., em 12/02/2018 A. O., em 02/05/2018 B. R., em 02/01/2018 C. G., em 29/03/2018 M. L., em 18/06/2018 S. P., em 01/03/2018 V. M., em 19/09/2017.

  17. Auferiam, nesse período, que decorreu até A. F., 03/07/2018, A. M., 11/06/2018, A. O., 22/11/2018, B. R., 03/04/2018, C. G., 03/07/2018, M. L., 03/01/2019, S. P., 11/06/2018, V. M., 06/03/2018, o valor mensal de 250,00€, quantia essa que a requerida pagava através de Cartão Presente Continente.

  18. A. F., em 03/07/2018, A. M...

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