Acórdão nº 07P1495 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução23 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº 79/00.5 PAMDL do 1º Juízo da comarca de Mirandela, em 22 de Janeiro de 2007, foi proferido acórdão que decidiu: A) 1. Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131 ° e 132°/2.i) do c. Penal. na pena de 14 ( catorze ) anos de prisão.

  1. Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo art. 6°/I da Lei 22/97, de 27/6, por concretamente mais favorável, conforme o prescrito no art. 2°/4 do C. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.

  2. Em cúmulo, ponderando em conjunto os factos e a sua personalidade, condenar o arguido AA na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    1. Declarar perdidos a favor do Estado o revólver , as 4 munições e os 2 invólucros e ordenar a restituição ao arguido da navalha e dos 2 cartuchos.

    2. 1. Condenar o arguido AA a pagar a BB, por si e em representação do menor CC, a quantia de 50.179,07 € (cinquenta mil cento e setenta e nove euros e sete cêntimos) correspondente a 10.060.000$ - acrescida dos juros de mora legais sobre a quantia de 1.047,48 € (mil quarenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos) - correspondente a 210.000$ - a contar da data da notificação do pedido cível, e sobre a quantia de 49. ) 31,59 f (quarenta e nove mil cento e trinta e um euros e cinquenta e nove cêntimos) -correspondente a 9.850.000S - a contar de 31/5/2001.

  3. Condenar o mesmo arguido a pagar ao actual Centro Hospitalar do Nordeste EPI: (antigo Hospital Distrital de Mirandela) a quantia de 476,25 € (quatrocentos e setenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) - a que corresponde 95.480$ - acrescida de .juros de mora vencidos e vincendos;, à taxa legal, a contar da notificação do pedido cível, até efectivo c integral pagamento.

  4. Condenar o mesmo arguido a pagar ao Hospital Geral de Santo António a quantia de 1.945,31 € (mil novecentos e quarenta e cinco euros e trinta e um cêntimos) - a que corresponde 390.000$ - acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a contar da notificação do pedido cível, até integral e efectivo pagamento.

  5. Absolver o arguido do demais contra si peticionado.

    Custas criminais pelo arguido, com taxa de justiça que se fixam em 10 Ucs, a que acresce 1 %, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

    Custas dos pedidos de indemnização pelas partes respectivas, na proporção do decaimento (art. 446°/I e 2 C PC), sem prejuízo da isenção subjectiva dos Hospitais (art. 2°/I-

    1. CCJ em vigor à data da instauração dos pedidos) e dos benefícios do apoio judiciário concedidos ao arguido e à assistente.

    A passagem, após trânsito em julgado, de mandados de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena.

    Na liquidação da pena atender-se- á ao disposto no art. 80º/1 do C. Penal.

    Remessa de boletins.

    Depósito do acórdão.

    Inconformado, recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões: 1)- O arguido, salvo o devido respeito, discorda que a sua conduta tenha sido considerada como reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, assim como caracteriza como uma actuação com frieza de ânimo ou com escolha dos meios utilizados ou insidiosa.

    2)-A frieza de ânimo ou reflexão sobre os meios empregados, tem sido concretizada como sangue frio, de forma calculada, imperturbada calma ou reflexão no assumir da resolução de matar. (Ac.STJ de 30.04.9 e Ac.STJ de 14.07.04 in WWW.STJ .pt) e, concretiza-se numa firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução tomada. ( Ac. RE, 15.10.85, BMJ, 352, pág. 450 e Ac.STJ 10.03.2005 - in WWW.STJ .pt.) 3)- A decisão séria e firme de matar o falecido foram tomadas no momento em que o arguido puxou da arma, disparou e cometeu o crime o e se o "Tribunal a quo" considerou que foi tomada uma decisão depois das onzes horas essa não foi firme e irrevogável, pelo que houve duas decisões.

    4)- Assim, após a nosso ver não resulta firmeza e tenacidade de qualquer outra decisão anterior à tomada após o desentendimento, não se devendo esquecer de que o arguido, no seu estado psicológico, é um egocêntrico e que andava perturbado e que sendo impulsivo,, tem uma personalidade pouco propicia a tomar a decisões a frio.

    5)- De resto , se não foi possível apurar outros factos, deve funcionar o principio "in dubio pro reu" .

    6) Apenas foi provado que o arguido entretanto proferiu expressões, não existindo prova de que traduziam uma decisão interior tomada, nem que foram levadas a sério.

    7)- A decisão de munir-se da arma e de matar advém de uma situação de perturbação. Com efeito, o arguido é um indivíduo impulsivo, com um Q.I. no limiar da sobrevivência, com dificuldades de adaptação a situação de tensão, rigidez de mecanismos de defesa, como o comprova a perícia médico- legal, junta à matéria dada como provada.

    8)- por outro lado, é certo que no dia 02 de Abril, antes do homicídio, logo que viu o falecido, o arguido não atirou de imediato qualquer tiro e, também que, antes da prática do crime entre o arguido e o falecido (DD) houve uma troca de palavras, durante algum tempo, cujo início e conteúdo não se determinou mas que no auto de detenção fls. refere como provocatórias.

    9) - A nosso ver, salvo o devido respeito, neste circunstancialismo, esta actuação do arguido não revela uma vontade de matar de modo frio, calculado, analisado.

    A morte resultou do desenvolvimento das circunstâncias criadas no momento e da malfadada passagem da Vitima e do facto de o arguido andar armado e não de um plano previamente idealizado ou de uma decisão de matar persistente tomada anteriormente.

    10)- Nem se pode admitir, mesmo hipoteticamente, que o arguido tenha planeado os factos daquela forma, para de seguida matar o DD. Não resultou prova alguma naquele sentido, nomeadamente que o arguido, do local onde estava a conversar com o agente, visse a vitima sair de casa ou aquele caminho fosse o único por onde o arguido pudesse passar, para se poder pensar em premeditação.

    11)- O dolo do arguido foi de ímpeto e não de premeditação, a vontade de matar surgiu apenas no desenvolvimento dos acontecimentos e a sua execução foi produto do estado de tensão criado e que o arguido, devido à sua estrutura psicológica, não conseguiu ultrapassar, sendo possível na tomada de decisão após a luta.

    12)- A jurisprudência tem entendido que o arguido usa insídia quando tenha utilizado qualquer meio com uma carga de perfídia, ou tenha sido manhoso, capcioso. Ac do STJ proc.06p1926 de 14.07.2006 AC STJ 05p1833 12.07.2005,AC STJ05p545 , de 17.03.2005 Ac. STJ 05p224 de 13.10.2004, entre outros, em WWW.STJ .pt 13)- Da factualidade apurada, salvo o devido respeito por opinião diversa, não resultou que o arguido tenha utilizado qualquer meio com uma carga de perfídia ou tenha sido, manhoso, ou capcioso; Resultou que, após envolvimento fisico, utilizou uma pistola que tinha no bolso, sem a ter mostrado antes, como em regra acontece, provocando, como normalmente acontece, alguma surpresa.

    14)- Neste sentido, Ac. STJ de 11/06/87 BMJ nº 368 pág. 312, citado em Jurisprudência Penal pág. 347 de Simas Santos e Leal Henriques "Quando a lei fala em meio insidioso não quer necessariamente abarcar os instrumentos usuais de agressão(pau....pistola, etc.)ainda que manejados de surpresa, mas sim aludir tanto às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia...", 15)- Sendo censurável o seu acto, em concreto e naquele especial circunstancialismo, o arguido não actuou com uma censurabilidade, com uma culpa para além da que se admite num homicídio simples. O desvalor da sua acção não apresenta uma anormal maior gravidade do que aquela que em maior ou menor grau se revela num homicídio simples, (Ac. S.T.J. de 29-01-97, Proc. 925/96, 3. Sec.(WWW.STJ .pt ) a sua ilicitude não é maior do que se verifica no homicídio simples.

    16)- Não existem dúvidas de que o mesmo continuou em tratamento do foro neurológico (doc. do Estabelecimento prisional) e que , por vezes, tem crises comportamentais. Por outro lado, do seu exame médico legal resultou uma personalidade impulsiva, incapaz de se adaptar a situações de tensão, rigidez de mecanismo de defesa e com um Q.I. no limiar da sobrevivência. Deu-se ainda como provado que no dia dos factos o arguido já tinha ingerido vários cafés e bebidas alcoólicas, dois bagaços o que, segundo a perícia médico legal, potencializaria a sua impulsividade, a sua falta de adaptação a situações de tensão, a rigidez dos mecanismos de defesa e a sua compreensão, sendo igualmente provado que diariamente ingeria 5 ou 6 meios bagaços. Ora, consoante Ac. S.T.J. de 23. Set.91, o alcoolismo afecta ordinariamente a capacidade da vontade, influenciando na medida culpa e sendo causa da atenuação de pena. (in Modelos de Inimputabilidade Carlota Pizarro na pág. 139) .

    17)- Daqui se conclui, o que não deixará de revelar, que face à sua estrutura, à sua impulsividade e emotividade, o arguido agiu consciente mas com uma diminuição da vontade e da sua liberdade de decisão e da capacidade de avaliação dos seus actos, e que houve "forte perturbação do arguido, o que se deve traduzir numa imputabilidade atenuada, devendo beneficiar como circunstância atenuante na culpa e na prevenção.

    18)- Além de que o arguido agiu perturbado, devendo beneficiar como circunstância atenuante na sua culpa e na prevenção.

    19)- O arguido proferiu de imediato e várias vezes expressões tais como: "perdoa-me, perdoa-me, Mata-me". E referiu-o novamente ao Sr. Agente EE quando se encontrava nos serviços de urgência do Hospital de Mirandela.

    20)- Ora, tais expressos são uma forma clara de mostrar o seu arrependimento e total reprovação pelo acto que tinha acabado de cometer. Tal atenuante não foi considerada no doseamento do "quantum" da pena .

    21)- Por outro lado, possuindo o arguido um Q.I. no limiar da sobrevivência, (perícia médico legal) tendo de habilitações...

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