Acórdão nº 05P1833 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRODRIGUES COSTA
Data da Resolução12 de Julho de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

15 Acordam no STJ: Proc. n.º 1833-05 Conselheiro Artur Rodrigues da Costa I. RELATÓRIO 1.

No Tribunal Judicial de Porto Santo (Círculo Judicial do Funchal), foi julgado, no âmbito do processo comum colectivo 331/03.9PBPST, o arguido A. A., divorciado, piloto, nascido a 24 de Janeiro de 1965, natural da Irlanda, filho de Armando e de Margarida , residente no Solar de S. João de Latrão, Gaula, Santa Cruz, actualmente preso no Estabelecimento Prisional do Funchal, acusado da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e g) do Código Penal e condenado por crime de homicídio simples, do primeiro daqueles artigos, na pena de 12 (doze) anos de prisão.

  1. O arguido foi ainda condenado, na qualidade de demandado, no âmbito dos pedidos cíveis de indemnização deduzidos pelo Serviço Regional de Saúde E.P.E. e pela assistente M. C. , a pagar as seguintes quantias a que acrescem juros de mora a partir da citação e até integral pagamento: Ao Serviço Regional de Saúde, a quantia de € 1.618; À assistente: €, 61.200, a título de danos patrimoniais (lucros cessantes); €4.131,70, a título dos restantes danos patrimoniais; € 37.500, valor correspondente à sua quota parte na herança da filha, a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima Ana Paula; € 5.000, valor correspondente à sua quota parte, a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima antes de ocorrer a sua morte; e € 15.000, a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela demandante em consequência da morte da filha; 3.

    Inconformada, recorreu a assistente M. C., colocando as seguintes questões: A qualificação do crime de homicídio («a utilização pelo arguido de uma arma de fogo com que, a curta distância, alvejou a vítima, numa zona vital tirando-lhe, desta forma, qualquer possibilidade de defesa e de escapar com vida a tal agressão, revela especial censurabilidade e perversidade ...», (...) constitui «meio insidioso» e o crime pode ser qualificado «independentemente de qualquer circunstância prevista no n.º 2 do art. 132.º do Código Penal»); A medida da pena - 16 anos de prisão, em consequência da qualificação do homicídio; A insuficiência dos montantes indemnizatórios só relativamente aos danos morais, quer da vítima, quer da recorrente (em relação à vítima - sofrimento pré-morte: 20.000 euros seria a quantia ajustada, correspondendo 10.000 euros à quota-parte da recorrente; em relação à recorrente, 30.000 euros pelos desgostos que ela própria suportou).

  2. Respondeu o Ministério Público no tribunal «a quo» apenas no tocante às questões criminais, defendendo a manutenção do decidido.

  3. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público teve vista dos autos, pronunciando-se relativamente aos pressupostos do recurso e promovendo a audiência de julgamento.

    Colhidos os vistos, teve lugar a audiência.

    O Ministério Público começou por pôr em dúvida a legitimidade da assistente para impugnar a decisão criminal nos termos em que o faz, tendo-se limitado a aderir á acusação formulada pelo Ministério Público.

    Encarando no entanto a sua motivação, entendeu que ela se apoiava em factos não provados. Isto, por um lado; por outro, entendeu não ocorrer a existência de meio insidioso nos termos em que a jurisprudência tem caracterizado esta circunstância, para a qual a recorrente parece apontar.

    Quanto à medida da pena, opinou no sentido de a achar adequada no quadro do homicídio simples. O advogado da assistente alegou no sentido da motivação de recurso junta aos autos.

    A defensora oficiosa do arguido aderiu à alegação do Ministério Público, defendendo a inexistência de circunstâncias qualificativas do art. 132.º do CP e, quanto às quantias indemnizatórias, defendeu a sua correcção.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 6. Matéria de facto dada como provada e não provada no tribunal «a quo»: 6. 1. Factos provados: 1º- No dia 21 de Novembro de 2003, cerca das 03.00, na sua residência, sita no Sítio da Lapeira, nº 4, Porto Santo, A. P., foi atingida no maxilar esquerdo com um projéctil de arma de fogo disparado pelo arguido; 2º- No dia anterior ao disparo a vítima, A. P., confidenciara a um seu amigo, a testemunha, Carlos , que o arguido lhe havia encostado à fronte e introduzido na boca a arma que habitualmente trazia consigo, dizendo que a ia matar; 3º- A vítima foi atingida pelo disparo quando se encontrava deitada na cama do seu quarto de dormir, que se situa no piso superior da sua residência; 4º- Após o disparo, o arguido arrastou o corpo da vítima do 1º andar até ao rés-do-chão da residência, percorrendo com ela dois lanços de escadas, vindo a depositá-la inanimada e deitada no chão da sala, em frente à porta principal, com uma toalha envolta na cabeça e vestida apenas com umas cuecas e coberta com uma t-shirt.

    5º- Foi a vítima transportada pelos Bombeiros Voluntários de Porto Santo e acompanhada pelo arguido, ao Centro de Saúde Local, Porto Santo, onde deu entrada cerca das 07.00 horas, apresentando uma ferida perfurante no maxilar esquerdo, um hematoma no globo ocular direito e epistaxis-hemorragia nasal posterior e anterior.

    6º- O arguido dirigiu-se ao Centro de Saúde Local, em Porto Santo, onde deu entrada a vítima, munido com a arma de fogo com que efectuou o disparo que atingiu a ofendida - pistola semi-automática, de calibre 22, Long Rifle, equivalente a 5,6mm no sistema métrico, marca Pietro Beretta, de modelo 87, CHEETAH, com o número de série C34136U, de origem italiana e que se encontrava devidamente municiada com seis munições no tambor, bem como com um carregador suplementar, com oito munições todas de igual calibre.

    7º- Devido ao grave estado clínico em que se encontrava, momentos depois foi a vítima evacuada para o Centro Hospitalar do Funchal, onde deu entrada vítima de um traumatismo facial e crâneo encefálico grave, originado pelo projéctil da arma de fogo disparada pelo arguido, do qual resultou lesão cerebral com coma profundo e choque hemorrágico.

    8º- No dia 24 de Novembro de 2003, pelas 11h40m, a vítima Ana Paula faleceu em consequência das lesões crâneo-encefálicas sofridas, as quais foram produzidas por instrumento de natureza perfurante ou actuando como tal, mais propriamente provocadas pela bala disparada pelo arguido que animada de força viva provocou as lesões descritas.

    9º- Foi o sentido do disparo, de cima para baixo, da esquerda para a direita, de frente para trás, sofrendo acção de impacto ósseo e desvio oblíquo de cima para trás e para fora - acção de ricochete.

    10º- A vítima apresentava ainda lesões traumáticas - escoriações e equimoses- provocadas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, sendo de referir, hematomas nas mucosas de ambos os lábios, em particular o superior.

    11º- O cenário visionado na residência da vítima era de violência e de desalinho, designadamente: - cama do quarto do andar superior com lençóis e almofadas com manchas de sangue; - torneiras da casa de banho do rés-do-chão com vestígios de sangue da vítima; - manchas de sangue da vítima na parede das escadas de acesso ao 1º piso, no próprio piso das escadas e no chão da sala; - objectos e papeis espalhados pelo chão; - invólucros percutidos no quarto do 1º piso, no quarto do rés-do-chão; - um cinzeiro ou jarra partido no chão da sala; - roupas desarrumadas; - um cofre sito no quarto do 1º andar, pousado no chão ao lado da cama, contendo uma caixa de munições calibre 22mm; - um roupeiro embutido na parede, situado no rés-do-chão, com oito orifícios provocados por projécteis de arma de fogo, de calibre 2mm, projécteis esses que perfuraram peças de roupa da vítima; 12º- O arguido mantinha uma relação amorosa com a vítima entrecortada por alguns desentendimentos e ciúmes de ambas as partes.

    13º- O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente querendo, com o disparo que efectuou, tirar a vida a A. P., o que conseguiu, bem sabendo que disparando com uma arma de fogo, cujas características e potencialidades para tirar a vida conhecia, em direcção a uma zona vital do corpo humano, como o fez, lhe causaria directa e necessariamente a morte, como efectivamente veio a acontecer.

    14º- Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    FACTOS PROVADOS PARA ALÉM DA ACUSAÇÃO E COM INTERESSE PARA A CAUSA: 15º- O arguido lida com armas desde os seus 18 anos de idade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT