Acórdão nº 09S0227 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 21 de Outubro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, AA, com o patrocínio do Ministério Público, intentou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra Z... - C... DE S..., S. A., e L... E... E C..., S. A., pedindo que as rés fossem condenadas, conforme a sua responsabilidade, no pagamento de pensão, subsídio por morte, despesas de funeral e juros de mora a que tem direito por morte de BB, que foi seu marido, resultante de acidente de trabalho, ocorrido em 16 de Julho de 2004, quando prestava a sua actividade de mecânico de automóveis em favor da segunda ré, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a antedita seguradora.

A ré seguradora contestou, alegando que o acidente ocorreu por negligência grosseira e culpa exclusiva do sinistrado, o qual, por sua livre iniciativa, numa atitude de temeridade inútil, se colocou sob a caixa basculante da viatura, quando a mesma estava levantada e sem cavaletes de segurança, e que, de qualquer modo, o sinistrado desrespeitou, sem causa justificativa, as regras de segurança impostas, por escrito, pela empregadora, pelo que está excluído o direito à reparação do acidente, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

A ré empregadora também contestou, alegando que tem em vigor, nas suas instalações, procedimentos específicos de segurança em relação aos trabalhos em que seja necessária a estabilização de equipamentos e a permanência de trabalhadores sob os mesmos, além de ter promovido acções de formação para os seus trabalhadores, pelo que não lhe pode ser imputada culpa na produção do acidente.

Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo a ré patronal do pedido e condenando a ré seguradora a pagar à autora: a pensão anual e vitalícia de € 3.518,12, com início em 17 de Julho de 2004, a pagar adiantada e mensalmente até ao 3.º dia de cada mês, em 14 prestações, incluindo os subsídios de férias e de Natal, devidos em Maio e Novembro; a quantia de € 4.387,20, respeitante ao subsídio por morte; a quantia de € 1.462,40, referente a despesas de funeral; juros de mora sobre as quantias referidas, à taxa legal, desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo pagamento.

2.

Inconformada, a ré seguradora interpôs recurso de apelação, aduzindo que o acidente não dava direito a reparação, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 100/97, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra concedido provimento à apelação, «julgando a acção improcedente e absolvendo a apelante dos pedidos».

É contra esta decisão que a autora agora se insurge, mediante recurso de revista e patrocinada pelo Ministério Público, em que alinha as seguintes conclusões: «1. O sinistrado era uma pessoa muito cautelosa e prudente na execução das tarefas laborais e adoptava todos os procedimentos de segurança em uso na entidade empregadora.

2. Atento o sistema hidráulico basculante de que estava dotada a viatura ...-...-..., em condições normais de funcionamento deste, a caixa basculante só deve efectuar o movimento descendente de forma intencional e através de intervenção humana, mais concretamente, através de accionamento do comando manual existente no interior do conjunto.

3. Após o acidente, procedeu-se a uma perícia e não foi detectado "movimento involuntário descendente da caixa basculante".

4. Desconhece-se a causa que desencadeou o movimento descendente da caixa basculante.

5. Embora se tenha apurado que o Sinistrado executava, no momento do acidente, uma tarefa laboral compreendida no âmbito do contrato de trabalho, desconhece-se, em concreto, qual o acto laboral que então realizava. Logo, 6. Do desconhecimento de qual a operação laboral que, no momento do acidente, o Sinistrado realizava decorre a impossibilidade de determinar quais os procedimentos de segurança que este devia ter observado. E também, 7. Pelas mesmas razões, não é possível emitir qualquer juízo de censura sobre o modo de execução da tarefa laboral que então realizava. De todo o modo, 8. Após a reparação da caixa de velocidades, o Sinistrado foi testar a viatura no parque da oficina, com a caixa basculante levantada, trazendo-a depois para a oficina.

9. Na reparação da caixa de velocidades são, necessariamente, utilizadas ferramentas.

10. Quando o corpo do sinistrado foi encontrado não existiam, próximas do mesmo, quaisquer ferramentas.

11. É, assim, de supor que o sinistrado, após trazer de volta à oficina a viatura, foi apenas ligar a ficha do tacógrafo, que se situa junta à caixa de velocidades. E, 12. Tal operação efectua-se sem utilização de qualquer ferramenta, é muito simples e rápida, não demorando mais de 20 a 30 segundos.

13. Nessas circunstâncias, não era exigível ao Sinistrado a utilização de cavaletes/preguiças (cuja colocação - com a inerente situação de risco do sinistrado, durante a operação de colocação - demoraria tanto ou mais tempo do que a própria ligação da ficha de tacógrafo) para suportar a caixa basculante, pois o sistema hidráulico basculante de que a viatura estava dotada mantém estável a caixa basculante.

14. Na operação de ligação da ficha de tacógrafo, por ser um acto simples e rápido, não era usual ou hábito, na oficina auto onde o Sinistrado trabalhava, colocar cavaletes ou preguiças, nem tal acontece na actividade reparadora automóvel.

15. O Sinistrado, na concretização da tarefa laboral que realizava, não desrespeitou qualquer procedimento de segurança, tendo-a realizado com zelo e diligência, aferida esta pelo padrão do trabalhador médio [por lapso manifesto, nas conclusões produzidas repete-se o n.º 15].

15. Não ocorre, assim, qualquer elemento descaracterizador do acidente.

16. O douto acórdão ora impugnado, violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos art.s 7.º, n.º 1, al.

  1. e b), da LAT (Lei n.º 100/97, de 13/09), 8.º, n.ºs 1 e 2, do RLAT (DL 143/99, de 30/04) e 20.º, n.º 1, al.

    a), e 22.º, n.º l, al.

    a), e n.º 3, da LAT, devendo, pois ser revogado e substituído por outro que mantenha a douta sentença da l.ª instância, com consequente condenação da Ré Seguradora nas quantias aí referidas.

    Para a hipótese de assim se não entender: 17. No douto acórdão escreveu-se, a fls. 328: "Parece evidente, pelos factos provados (e não outros a que se alude na fundamentação da douta sentença da l.ª instância)...".

    18. Como o fragmento transcrito desde logo evidencia, é patente depois que no douto acórdão não se considerou os factos que o M.mo Juiz da 1.ª instância elegeu para analisar o direito da Autora à reparação do acidente. Com efeito, 19. Na douta sentença da l.ª instância (vd. fls. 247 e ss.), como metodologia de "análise e leitura dos factos" (interpretando-os e integrando-os - vd. fls. 247 e ss.) fez-se uso do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento e de que o M.mo Juiz da l.ª instância fez um resumo circunstanciado na motivação/fundamentação da decisão de facto, como se pode ver a fls. 234 a 236.

    20. Porém, a Relação não deu qualquer relevo ou préstimo a tais depoimentos. Só que, 21. Do teor de tais depoimentos (vd., resumo feito pelo M.mo juiz na fundamentação de facto) resulta claro que, no acervo fáctico considerado, não se incluíram ou ponderaram factos essenciais à boa aplicação do Direito. Nomeadamente os que resultam da resposta a dar aos seguintes quesitos: 1 - O sinistrado estava incumbido de reparar a caixa de velocidades da viatura? 2 - Na reparação da caixa de velocidades: a) O Sinistrado agiu com a caixa basculante levantada e com utilização de cavaletes? b) E com a caixa basculante vazia? 3 - Tal reparação que tempo durou e quando é que foi concluída? 4 - Quando terminou a reparação, o Sinistrado foi testar a viatura no parque da oficina? 5 - Durante o referido teste: a) O Sinistrado movimentou, isto é, fez deslocar a viatura, com a caixa basculante levantada? b) A movimentação/circulação da viatura, no teste referido, provoca necessariamente forte oscilação da caixa basculante e, apesar disso, a caixa basculante não baixou? c) Durante quanto tempo durou, aproximadamente, tal teste? 6 - Que ferramentas teria o Sinistrado de utilizar, para trabalhar sobre a caixa de velocidades (retirar a caixa, reparar a caixa, voltar a colocá-la ou outros trabalhos sobre a mesma)? 7 - Quando foi descoberto o corpo do Sinistrado, existiam, próximas de si, algumas dessas ferramentas? 8 - Quando foi descoberto o corpo do sinistrado: a) Foi accionado o mecanismo próprio de levantamento da caixa basculante? b) Este funcionou, levantando a caixa basculante? c) Durante quanto tempo, aproximadamente, se manteve então levantada a caixa basculante? d) E esta só baixou depois de accionado o mecanismo próprio para o efeito? 9 - Em condições normais de funcionamento, a caixa basculante só deve efectuar o movimento descendente de forma intencional e através de intervenção humana, mais concretamente através de accionamento do comando manual existente no interior do tractor do conjunto? 10 - Com a caixa basculante vazia, as anomalias detectadas no exame a que se alude a fls. 98, não eram de molde a determinar o movimento descendente da referida caixa basculante? 11 - Depois de o Sinistrado testar a viatura no parque da oficina e depois de a trazer de volta à oficina, que acto laboral pretendia o Sinistrado realizar? 12 - A ligação da ficha do tacógrafo: a) Faz-se na ou junto à caixa de velocidades? b) Para realizar tal operação, são necessárias quaisquer ferramentas? c) Quanto tempo é necessário, normalmente, para realizar tal tarefa? 13 - Quando foi encontrado o corpo do sinistrado, a ficha do tacógrafo da viatura estava ligada? 14 - Na oficina onde o Sinistrado trabalhava e bem assim na actividade de reparação/assistência...

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