Acórdão nº 09A0265 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 12 de Março de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou, em 30.11.2000, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa - 2ª Vara - acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra: BB e mulher CC e; DD e marido EE.
Pedindo: a) se reconheça a aquisição pela autora do direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada (designada pela letra "O" correspondente ao 5° andar esquerdo do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ................., em Lisboa), por via de usucapião, declarando-se a autora titular do direito de propriedade sobre a mesma; b) Se ordene o cancelamento do registo do direito de propriedade inscrito a favor dos RR, sob a Ap. 2 de 23.09.98.
Para o efeito alega, em síntese, o seguinte: - a Autora habitava, em 1977, o ..º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..............., em Lisboa, que passou a ser designado na escritura de constituição do prédio em propriedade horizontal por ...° andar esquerdo; - a Autora combinou com o proprietário do prédio, FF e mulher que lhes entregaria devoluto o então 5º andar (hoje 4°), contra a venda e entrega por estes do então 6° andar esquerdo, actualmente 5° andar esquerdo, tendo para o efeito celebrado contrato-promessa em 22.07.77; - aquando da constituição da propriedade horizontal, o andar que foi objecto do contrato-promessa passou a ser designado por 5º andar esquerdo; - a escritura de compra e venda não foi efectuada na data acordada porque os vendedores não tinham ainda concluído o processo de constituição do prédio em propriedade horizontal; - os vendedores deram à Autora, nos inícios de 1978, a posse do andar objecto do contrato-promessa, passando a Autora a habitá-lo desde essa data com animus possidendi; - a Autora entregou a título de sinal, na data da celebração do contrato-promessa a quantia de 500.000$00 e reforços de sinal, ficando ajustado que os restantes 50.000$00 seriam pagos aquando da realização da escritura; - em 1979 a Autora pagou através do seu advogado os restantes 50.000$00; - a Autora realizou na fracção numerosas obras, em 1978 e 1979, sem oposição dos vendedores, tendo gasto valor superior ao da compra (1.800.000$00); - desde que tomou posse da fracção a Autora sempre se considerou e actuou como proprietária; -FF e mulher faleceram, sendo seus únicos herdeiros os filhos, RR., nunca tendo sido outorgada a escritura.
Citados os RR. contestaram (fls. 243) formulando pedido reconvencional, dizendo em síntese o seguinte: - aproveitando as relações pessoais de intimidade que mantinha com FF, a Autora conseguiu que este declarasse que lhe prometia vender o referido 6° andar esquerdo (hoje 5°); - o preço estabelecido teve em consideração que o andar carecia de obras de conservação, recuperação e beneficiação; - o contrato-promessa foi outorgado com desconhecimento do cônjuge do FF, GG; - após o falecimento de FF a Autora intentou acção contra GG, pedindo a execução específica do contrato-promessa, acção que foi julgada improcedente, com fundamento de que o contrato-promessa não fora outorgado pela cônjuge do promitente-vendedor; - a Autora propôs então acção contra os RR., alegando que a GG deu a sua adesão ao contrato-promessa; - a Autora nunca pagou despesas de condomínio, nem contribuiu para as obras de correcção e recuperação realizadas em 1980, que custaram cerca de 20.000 contos.
Em reconvenção deduziram contra a Autora os seguintes pedidos: a) seja reconhecido que são os legítimos proprietários da fracção; b) seja a Autora condenada a restituir-lhes a fracção livre e devoluta; c) Seja a Autora condenada a pagar-lhes indemnização pelos prejuízos sofridos pela ocupação a apurar no decurso do processo ou em liquidação de execução de sentença.
Replicou a Autora. (fls. 255 e segs).
Treplicaram os RR. (fls. 294).
Foi proferido despacho saneador (fls. 361 e segs), admitido o pedido reconvencional e seleccionada a matéria assente e a base instrutória.
Apresentou a Autora reclamação (fls. 371), sobre que recaiu despacho (fls. 499 e segs).
O processo prosseguiu os seus trâmites, tendo sido interpostos pelos RR. três recursos de agravo, cujo objecto irreleva para a apreciação do recurso de revista.
Procedeu-se a julgamento (fls. 499, 573, 586, 719) na sequência do qual foi proferida sentença (fls. 1058 e segs.) que julgou a acção procedente e condenou os RR.: "
-
A reconhecer a aquisição pela Autora do direito de propriedade sobre a fracção autónoma que actualmente é designada por letra "O" e que corresponde actualmente ao 5º andar do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..........em Lisboa, inscrito sob a ficha n° .......Ajuda e descrito sob o nº.......... do Livro B-88, na 30 Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial da freguesia de S. Francisco Xavier sob o artigo nº733 (anteriormente art. 3546 da freguesia da Ajuda) assim como ordenamos; b) O cancelamento do registo do direito de propriedade inscrito a favor dos RR., sob a Ap. 2 de 23/09/98, relativamente à fracção referida em a).
Pelo que respeita à reconvenção vai a mesma julgada não provada e improcedente".
Inconformados, recorreram os RR.
(fls. 1073) para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 9.10. 2008 - fls. 1200 a 1239 - decidiu: "1 - [...] 2- Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, interposto pelos apelantes RR., e consequentemente revogar a sentença recorrida, que julgou procedente a acção interposta pela apelada e reconheceu "a aquisição por esta do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra "O" e que corresponde ao 5º andar do prédio-................., em Lisboa"; 3 - Em sua substituição, decide-se: Julgar improcedente a acção interposta pela apelada Autora e absolver os apelantes RR., do pedido; 4 - Julgar procedente o pedido reconvencional, na parte em que se pretende que "seja reconhecido que os RR. (apelantes) são os legítimos proprietários da fracção em causa"; 5- Julgar o pedido reconvencional improcedente, na parte restante, com os fundamentos supra referidos, absolvendo-se nesta parte a apelada do pedido".
Inconformados, recorreram os RR. e a Autora para este Supremo Tribunal.
A Autora, alegando, formulou as seguintes conclusões - fls. 1284 a 1292: 1. Vem o presente recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos autos acima identificados, que, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Réus, revogou a sentença recorrida julgando improcedente a presente acção e procedente o pedido reconvencional na parte em que se pretende que "seja reconhecido que os RR. (apelantes) são os legítimos proprietários da fracção em causa".
-
É contra estas decisões que a ora recorrente, inconformada, vem interpor o presente recurso, pedindo, em concreto, que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que mantenha a sentença proferida em 1ª instância, condenando os réus reconhecer a aquisição pela autora, ora recorrente, do direito de propriedade sobre fracção autónoma que é designada pela letra "O" e que corresponde actualmente ao 5º andar do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ................., em Lisboa, inscrito sob a ficha nº.........-Ajuda e descrito sob o nº...... do Livro B-88, na 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial da freguesia de S. Francisco Xavier sob o art.°733 (anteriormente art. 3546 da freguesia da Ajuda) e julgando a reconvenção deduzida pelos réus totalmente improcedente por não provada.
-
Em conformidade, deverá, também, ser ordenado o cancelamento do registo do direito de propriedade inscrito a favor dos Réus sob a Ap.2 de 23/09/98, relativo à referida fracção.
-
O acórdão recorrido incorreu em violação de lei substantiva, porquanto violou, nomeadamente e entre outros, os artigos 1251°, 1263° e 1287° do Código Civil, tendo incorrido em erro de interpretação e de aplicação das respectivas normas aos factos provados, e em erro de determinação da norma aplicável, pois à matéria assente deveria ter sido aplicado, desde logo, os normativos contidos nos artigos 1251°, 1260º, 1261°, 1262°, 1263° e 1287°, todos do Código Civil, cuja interpretação, ao contrário do decidido, e face aos factos provados, é suficiente para que se declare a aquisição a favor da ora recorrente por usucapião da aludida fracção.
-
In casu, e no que ao elemento material da posse diz respeito - o "corpus" - não há dúvidas de que o mesmo se encontra plenamente preenchido, se tivermos em conta desde logo, que desde a data em que passou a residir na fracção em causa - início de 1978 - a recorrente ali levou a cabo profundas obras de reconstrução, que incluíram entre outras, deitar paredes abaixo e que se traduziram na substituição de pavimentos azulejos e na pintura de paredes.
-
Obras nas quais a recorrente gastou, pelo menos, a quantia de 1.626.211$00, e que foram realizadas com base nas plantas, alçados, planos eléctricos e de condutas de água (necessários ao perfeito conhecimento da estrutura do andar) que FF lhe entregou logo quando esta ali começou a residir.
-
FF entregou tais documentos à recorrente, pelo menos, para que esta pudesse realizar tais obras, desde logo, porque o preço da compra e venda foi acordado tendo em conta o facto de o andar carecer de significativas obras de conservação, recuperação e beneficiação.
-
Estas obras foram realizadas com total conhecimento e sem qualquer oposição da parte de FF e mulher e/ou da parte dos ora recorridos.
-
Além das referidas obras, a recorrente pagou aos recorridos, nas datas que lhe foram impostas por FF e mulher, o preço da compra e venda em causa.
-
Na data da celebração do contrato promessa de compra e venda - 22 de Julho de 1977 - a recorrente entregou a FF, a título de sinal e por conta do preço, a quantia de 500.000$00.
-
No dia 25 de Outubro de 1977, a recorrente entregou ao primeiro Réu (ora recorrido) a quantia de 300.000$00, a...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 1813/20.2T8AVR-E.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2023
...agir como dono da coisa (neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/09/2008 (proc. nº 08A19889),, de 12/03/2009 (proc. nº 09A0265), de 05/06/2012(proc. nº 4944/04.2TVPRT.P1.S1) e de 11/09/2012 (proc. nº 4436/03.7TBALM.L1.S1), todos disponíveis para consulta in 73- E, a re......
-
Acórdão nº 724/09.7TBAMT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2017
...314; Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, pág. 231, nota 55, e acórdãos do STJ de 9/9/08 (Pº 08A1988), de 12/3/09 (Pº 09A0265) e 5/6/12 (Pº Ora, passando ao caso vertente, vemos então que, mediante cláusula inserta no próprio contrato-promessa, foram desde logo traditados......
-
Acórdão nº 67/07.0TBCRZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012
...e de boa-fé, desde a data aposta no contrato promessa, 8 de Junho de 1973 (neste sentido cfr Acórdão do STJ de 12/3/2009 no processo 09A0265 com o n.º SJ00903120002656, Acórdão STJ de 3/11/2009 no processo 2172/06.1TBGRD.C1.S.1 e Acórdão do STJ de 11/12/2008 n.º Esta mesma posse continuou a......
-
Acórdão nº 08559/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Novembro de 2015
...– a par daqueles que supra já deixámos citados, a favor da 2ª corrente de opinião perfilhada –, o recente Ac. do STJ de 12/3/2009, proc. nº 09A0265, disponível inwww.dgsi.pt/jstj, e que, nesta parte, seguimos de perto, e ainda o Ac. da RC de 17/1/2006, proc. 2774/06, disponível inwww.dgsi.p......
-
Acórdão nº 1813/20.2T8AVR-E.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2023
...agir como dono da coisa (neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/09/2008 (proc. nº 08A19889),, de 12/03/2009 (proc. nº 09A0265), de 05/06/2012(proc. nº 4944/04.2TVPRT.P1.S1) e de 11/09/2012 (proc. nº 4436/03.7TBALM.L1.S1), todos disponíveis para consulta in 73- E, a re......
-
Acórdão nº 724/09.7TBAMT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2017
...314; Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, pág. 231, nota 55, e acórdãos do STJ de 9/9/08 (Pº 08A1988), de 12/3/09 (Pº 09A0265) e 5/6/12 (Pº Ora, passando ao caso vertente, vemos então que, mediante cláusula inserta no próprio contrato-promessa, foram desde logo traditados......
-
Acórdão nº 67/07.0TBCRZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012
...e de boa-fé, desde a data aposta no contrato promessa, 8 de Junho de 1973 (neste sentido cfr Acórdão do STJ de 12/3/2009 no processo 09A0265 com o n.º SJ00903120002656, Acórdão STJ de 3/11/2009 no processo 2172/06.1TBGRD.C1.S.1 e Acórdão do STJ de 11/12/2008 n.º Esta mesma posse continuou a......
-
Acórdão nº 08559/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Novembro de 2015
...– a par daqueles que supra já deixámos citados, a favor da 2ª corrente de opinião perfilhada –, o recente Ac. do STJ de 12/3/2009, proc. nº 09A0265, disponível inwww.dgsi.pt/jstj, e que, nesta parte, seguimos de perto, e ainda o Ac. da RC de 17/1/2006, proc. 2774/06, disponível inwww.dgsi.p......