Acórdão nº 724/09.7TBAMT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 724/09.7TBAMT.P1.S1 Revista Tribunal recorrido: Tribunal da Relação do Porto + Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA e BB demandaram, pelo então Tribunal da Comarca de ... e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, CC e mulher DD, EE e mulher FF, e BANCO GG, S.A.

, peticionando que: a) Seja declarado que a compra e venda que especificam, e em que foram partes os 1ºs e 2ºs Réus, foi um negócio simulado no que respeita ao prédio rústico transacionado e que identificam; b) Seja declarada a nulidade desse negócio; c) Sejam cancelados todos os atos de registo predial celebrados com base na escritura pública que formalizou tal compra e venda, bem como os atos de registo predial praticados com base nela, como é o caso da hipoteca constituída a favor da 3ª Ré como garantia do mútuo concomitante celebrado entre esta e os 2ºs Réus; d) Seja declarado que os Autores são comproprietários e legítimos possuidores dos prédios rústicos e respetivas dependências agrícolas – edifícios -, identificados nos art.s. 40º a 48º da petição inicial, com exceção da oficina de reparação de velocípedes com motor ali existente, por os terem adquirido por usucapião; e) Sejam os réus condenados a reconhecer os direitos de compropriedade e posse dos autores sobre o prédio identificado na al. b) do art. 40º da petição inicial e respetivas dependências agrícolas - edifícios nele incorporados, identificados no art. 45º, 46 e 47 daquela peça processual - com exceção da oficina de reparação de velocípedes com motor; f) Sejam os 1ºs. Réus condenados a reconhecer os direitos de compropriedade e posse dos autores sobre o prédio identificado na al. b) do art. 40º da petição inicial; g) Sejam os réus condenados a absterem-se da prática de atos que impeçam ou diminuam o exercício dos direitos de posse e compropriedade dos autores sob os prédios a que aludem as als. d), e) e f); h) Seja determinada a feitura do registo de aquisição dos prédios identificados nas als. d), e) e f) em nome dos Autores, em compropriedade, por usucapião.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, mediante a competente escritura pública, os 1ºs. Réus declaram vender aos 2ºs. Réus os dois prédios, um rústico (artigo matricial 46) e outro urbano, que identificam, e que foram, concomitantemente, dados de hipoteca pelos compradores à 3ª Ré para garantia de empréstimo contraído junto desta. Porém, apenas é verdadeiro o negócio respeitante à compra e venda do prédio urbano, sendo que relativamente ao prédio rústico nem os 1ºs Réus o quiseram vender nem os 2ºs Réus o quiseram comprar. Tratou-se assim de um negócio simulado nesta parte, visando a correspetiva declaração de compra e venda unicamente, através do engano da 3ª Ré, lograr obter crédito bancário para a aquisição do prédio urbano mediante o fortalecimento da hipoteca. Deste modo, é nulo o negócio da compra e venda, devendo ser cancelados todos os atos de registo predial celebrados na suposição da real existência da dita compra e venda. Acresce que, em decorrência de um contrato promessa de compra e venda celebrado com o 1º Réu, estão os Autores na posse do dito prédio rústico e ainda de um outro prédio rústico (artigo matricial 50) e das respetivas dependências há mais de 15 anos, como se fossem deles donos, tendo por isso adquirido tais prédios por usucapião.

Contestou apenas a Ré BANCO GG, S.A., concluindo pela improcedência da ação.

Seguindo o processo seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os Autores.

Impugnaram parte da matéria de facto e concluíram pela procedência dos seus pedidos.

Mais invocaram, ex novo, o abuso do direito por parte dos 1ºs e 2ºs Réus.

A Relação do … modificou parte da matéria de facto sob impugnação e, pronunciando-se sobre o mérito da causa, recusou a existência do invocado abuso do direito e confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformados, recorrem os Autores para este Supremo Tribunal de Justiça, suscitando quer a revista normal quer a revista excecional.

A formação de juízes a que se refere o nº 3 do art. 672º do CPCivil, perante quem começou por ser distribuído o processo, decidiu que não se registava uma situação de dupla conformidade decisória das instâncias, razão pela qual não se pronunciou sobre o fundamento invocado para a revista excecional, determinando a distribuição do recurso como revista normal.

Operada essa distribuição, o relator, no exame preliminar, considerou que nada contendia com a admissibilidade da revista normal.

+ Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões: 1. Da admissibilidade do Recurso: 1.1 Dispõe o número 3 do artigo 671.° do Código Processo Civil que: “Sem prejuízo dos casos em que é o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.a instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

1.2 A decisão da 1ª instancia não valorou a prova documental, nomeadamente os recibos de quitação.

Assim como não se pronunciou sobre o direito de posse a aquisição do direito de propriedade do artigo 50, rústico, de ..., por parte dos Recorrentes.

1.3 No que tange à simulação do negócio, a 1ª Instância refere que: “... estando provada uma divergência parcial entre a vontade declarada real e a vontade real …, o certo é que os autores não lograram provar que aquelas pessoas o fizeram com o intuito de enganar terceiros, designadamente a BANCO GG”.

1.4 Quanto à aquisição por usucapião dos imóveis, a decisão da 1ª Instância após análise e fundamentação de direito do prazo da usucapião e dos carateres da posse, com referência expressa aos artigos 1297°, 1296°, 1251°,1260.°, 1261°, 1262°, 1263°, todos do Código Civil, conclui que: “ ... perante a matéria de facto provada e não provada, forçoso é de concluir que os autores, por referência à sua apurada atuação sobre a parte e suas componentes do prédio misto referido em 8º dos factos provados, não passam de meros detentores, não adquiriram a posse, nem houve qualquer inversão nesse sentido, ao que acresce não se ter provado o animus corresponde ao exercício correspondente ao exercício de um direito de propriedade/com propriedade, mas apenas compatível com os direitos que lhes advém do contrato promessa que celebraram com os primeiros réus”.

E, logo após, “ ... esta mera detenção, ainda que com o tempo e caraterísticas dadas como provadas, não é suscetível de conduzir a uma aquisição por usucapião”.

Decidindo: “Pelo exposto, também os restantes pedidos terão que improceder”.

1.5 Outra é, porém, a fundamentação constante do Acórdão recorrido.

Desde logo, a alteração da matéria de facto assente, dá como provado o pagamento de grande parte do preço, bem como, conhece do pedido relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 50, da freguesia de ....

1.6 No que tange à posse e prazo para aquisição por usucapião, diferentemente da 1ª Instância, o Acórdão alude expressamente ao conteúdo do artigo 1252° do Código Civil, nomeadamente ao seu nº 2, no qual se estabelece “ ... uma presunção de causa, dizendo que “em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce uma presunção de facto” .... (página 61) 1.7 O entendimento plasmado no Acórdão recorrido, aludindo pela primeira vez à inversão do ónus da prova, diverge substancialmente da sentença da 1ª Instância, Considerando o elemento intelectual “animus” provado, ainda que por presunção.

1.8 O que, no entendimento dos Recorrentes constitui fundamentação essencialmente diferente da decisão da primeira Instância.

Caso assim se não entenda, sempre a revista deve ser admitida, ainda que como revista excecional, pois existe: 2. Conflito jurisprudencial: Do conjunto dos factos provados, para o que aqui e agora interessa, está provado: - A celebração de contrato promessa de compra e venda em 09/02/1994 entre os Recorrentes e os 1ºs Réus; - O pagamento de grande parte do preço; - A posse pública e pacífica dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 46.° e 50.°, da freguesia de ... - ... por parte dos Recorridos com referência à data do contrato promessa (09/02/1994); - O facto de terem sido os 1ºs Réus, enquanto proprietários e promitentes vendedores a investir os Autores na posse dos imóveis prometidos vender; - O facto dos 1ºs Réus colaborarem na posse dos Recorrentes, bem expresso no facto provado com o número 38.°; - A posse dos Autores consubstanciar a posse de verdadeiros e únicos proprietários dos ditos prédios; No Acórdão entendeu-se que “ ... ainda não haver decorrido o prazo necessário para a aquisição da propriedade por usucapião, no caso 20 anos, por se tratar de uma posse não registada, que se presume de má fé, posto que não fundada em modo abstratamente legítimo de adquirir o direito de propriedade ...”; 2.1 Este entendimento plasmado no Acórdão recorrido está em total e expressa contradição relativamente ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11/12/2008, com referência ao processo 0883743, documento nº SJ20081211037437, disponível in www.dgsLpt. já transitado em julgado e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais em documento junto (documento n° 1, junto).

2.2 O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, cujo relator foi o Sr. Conselheiro Salvador da Costa, pronunciou-se sobre essa questão jurídico-processual no citado Acórdão, tendo-se vinculado à posição de que: 1. Integram conceitos de facto as expressões entrega e ocupam, reportadas à passagem das parcelas de terreno para o domínio de facto do recorrido, o promitente-comprador, e ao exercício por eles desse domínio, designadamente a sua utilização.

  1. O facto do pagamento do preço das coisas na sequência do contrato-promessa de compra e venda não é essencial na ação em que o autor faz valer o seu direito de propriedade sobre elas com base...

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