Acórdão nº 08559/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução05 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos por Thomas …………………….

contra a “penhora do apartamento designado pela fração "E" do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ........... pela ficha n°…………………, situado na Torre, na referida Alameda ……., mas n°……-2° dto, em [.............] .........., freguesia e concelho do mesmo nome, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art…………°-E”, efectuada no processo de execução fiscal nº …………..e aps, instaurado contra Norberto ………………….

para cobrança de dívida de IRS, IVA, Coimas e custas, dela veio interpor recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões (devidamente sintetizadas): I.

Contrariamente ao assentido na douta sentença a quo e ressalvada a devida vénia, a Fazenda Pública considera que no caso em apreço não se verificam os requisitos que permitem considerar os presentes embargos como procedentes, pelo que se deve, em consequência, manter na ordem jurídica a penhora perpetrada ao abrigo do processo de execução fiscal n°…………………...

II.

Com efeito, considerou a douta sentença a quo que o Embargante adquiriu a posse do bem, não directamente por via do contrato-promessa, mas através da traditio que obteve do executado.

III.

Assentou então a douta sentença a quo que o Embargante assumiu desde finais de 2003 e inícios de 2004, a posse do apartamento penhorado, traduzida num comportamento e numa atitude socialmente expressos, que correspondem em termos tácticos e intencionais, ao exercício do direito de propriedade sobre esse mesmo bem.

IV.

O que, de acordo com a douta sentença a quo, se traduziu numa posse pública, pacífica e continuada, em termos que traduzem um animus possidendi sobre o apartamento e não uma mera detenção a título precário em nome do executado.

V.

A questão ora em apreço reconduz-se então em saber que espécie de posse assiste ao embargante; se se trata de posse digna de tutela jurídica, possuindo com animus possidendi o imóvel ou se é um mero possuidor precário, possuindo o bem penhorado não em nome próprio, mas em nome do proprietário do imóvel.

VI.

Como resulta do probatório, o Embargante não adquiriu a propriedade do imóvel penhorado, dado que não se chegou a realizar a escritura pública de compra e venda daquele bem.

VII.

Assim, contrariamente à valoração da matéria de facto sustentada na douta sentença a quo, não se pode aqui descurar que o Embargante funda a sua alegada posse na decorrência e em função do contrato-promessa celebrado.

VIII.

E que todo o restante probatório - relacionado com a vivência quotidiana e familiar do Embargante decorrente da ocupação do imóvel - tem cariz meramente acessório do fundamento principal em que assenta a invocação da posse, ou seja, a celebração de um contrato promessa de compra e venda do imóvel.

IX.

O que se compreende posto que se não tem sido celebrado o contrato-promessa, o Embargante não teria obtido o consentimento do executado na ocupação do apartamento.

X.

Motivo pelo qual a questão do animus possedendi em apreço deverá, sobretudo, ser valorada em função do contrato promessa celebrado.

XI.

Com efeito, as circunstâncias da vida quotidiana do Embargante referidas nos artigos 49° a 57° da PI, só por si não são definidoras de um comportamento reconduzível a um animus possedendi sobre o apartamento.

XII.

Não é pois a circunstância de ter recebido as chaves do imóvel e de nele residir com a respectiva família que é susceptível de inverter o título da posse e revelar a intenção de agir como beneficiário do direito de propriedade sobre ele.

XIII.

Dado que aqui estamos perante circunstâncias e despesas correntes inerentes ao gozo da coisa, comuns quer à situação de posse em nome próprio, quer em nome alheio.

XIV.

E quanto aos efeitos possessórios relativamente ao imóvel que constitui objecto do contrato promessa de compra e venda, sustentam Pires de Lima e Antunes Varela (CC Anotado, Vol. Ill, 2.a edição), que "O contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi."" XV.

É certo que, em casos excepcionais, como referem os mesmos autores (In Código Civil, anotado, Vol. III, 2.ª Edição revista e aumentada, págs. 6/7, nota 7), o promitente comprador pode preencher todos os requisitos de uma verdadeira posse, quando por exemplo, tendo sido paga a totalidade do preço ou nos casos em que as partes não tenham o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v. g. evitar o pagamento de sisa ou precludir o direito de preferência) a coisa é entregue ao promitente comprador como se já fosse sua e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.

XVI.

Porém, nenhuma das situações ante descritas, ocorre no caso sub judice, posto que, desde logo, não foi paga a totalidade do preço que ali se referencia como requisito demonstrativo do animus possidendi.

XVII.

Para além disso e ainda quanto aos actos materiais praticados pelo ora Embargante, alegadamente na qualidade de uti dominus, convoca-se a jurisprudência expressa no Acórdão STA n°01117/09 de 10-02-2010, nos termos da qual, os actos como a ocupação e a habitação do imóvel; o pagamento das despesas de água, electricidade e do gás, assim como a tomada das refeições, recepção de correspondência e de amigos e a prática de todos os actos inerentes à conservação e reparação do prédio: " (...) são compatíveis com uma posse precária e, como tal, realizados sem a intenção de exercício de um verdadeiro direito real sobre a fracção em causa, dado este que é, inclusive, reforçado pelo facto de (...) terem sido praticados "em nome do contrato promessa dado como provado e do direito de retenção".

XVIII.

Em face do exposto afigura-se manifesto que, face à prova produzida nos autos, o ora Embargante apenas detém a posse precária da fracção do imóvel e daí que não lhe assista o direito de embargar de terceiro na presente execução.

XIX.

Em reforço desta conclusão abona ainda o facto extraído do probatório nos termos do qual o Embargante, em 2008, deduziu junto do Tribunal Judicial competente, uma acção declarativa sob a forma ordinária, mediante a qual pediu a condenação dos executados (e promitentes vendedores) a reconhecerem o seu crédito e direito de retenção advindos do incumprimento do contrato promessa, assim como a restituição do sinal em dobro.

XX.

Sendo que na petição inicial que materializou aquela acção, foi deduzido o seguinte pedido: "Face ao incumprimento definitivo, o A. Perdeu interesse na realização do contrato definitivo, escritura pública de compra e venda, pretendendo a resolução do contrato promessa outorgado, o que se requer." XXI.

Ora, caso efectivamente, o Embargante, desejasse ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel em questão, deveria ter proposto uma acção judicial destinada a obter a execução específica do contrato promessa, nos termos dos artigos 830°, 442° e 410° do Código Civil e não a resolução deste mesmo contrato.

XXII.

Porquanto, neste caso, apenas a acção destinada a obter a execução específica do contrato-promessa seria demonstrativa da existência de um animus possidendi por parte do Embargante.

XXIII.

Ao invés, a pretensão do ora Embargante naquela acção bastou-se com a resolução do contrato e o ressarcimento da eventual lesão pelo incumprimento contratual.

XXIV.

A dedução da acção judicial, nos termos em que o Embargante o fez, demonstra notória contradição entre o interesse manifestado e defendido naquela sede, e o fim visado nos presentes autos que exige, não a mera detenção, mas antes a posse real e efectiva, onde fiquem bem vincados os elementos que constituem o "animus possidendi".

XXV.

Sobre esta questão pronunciou-se igualmente o STA no seu Acórdão n° 01117/09 de 10-02-2010, nos termos da qual: «Certo é ainda que, com bem nota o Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer: "Apesar desta conclusão no probatório consta de forma expressa que, o embargante intentou uma acção no 4° juízo cível de Matosinhos para resolver o contrato-promessa por falta de escritura pública de compra e venda, tendo tal acção sido julgada procedente e, consequentemente, declarado resolvido aquele contrato, por iniciativa do embargante, tendo ainda a executada sido condenada no pagamento de uma indemnização e sido reconhecido ao embragante o direito de retenção para pagamento do montante indemnizatório (pontos F e G do probatório).

Os embargantes podiam ter optado pela execução específica do contrato-promessa, mas optaram antes pela sua resolução. Entendemos que esta actuação mostra que os promitentes-compradores não se comportaram com animus possidenti, mas antes no exercício de um direito inerente ao contrato-promessa e, por isso, sem intenção de agirem como beneficiários de um direito real» (negrito nosso).

XXVI.

Por todo o exposto, não sendo os actos materiais praticados pelos embargantes reveladores de "animus possidendi” nem se verificando a lesão de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência ordenada, o Embargante não tem uma posse real e efectiva e digna de tutela jurídica, mantendo-se a posse nos promitentes-vendedores/executados, estando-lhe vedada a possibilidade de recurso aos Embargos de Terceiro, nos termos dos n°s 1 e 3 do art.°237° do CPPT.

XXVII.

Ao decidir de forma diversa, é entendimento da Fazenda Pública que se fez na douta sentença a quo errónea subsunção dos factos ao ordenamento jurídico aplicável, maxime dos arts.237° do CPPT e 1251° do CC, razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que declare a improcedência dos embargos.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a...

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