Acórdão nº 67/07.0TBCRZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I-Relatório AA e mulher BB intentaram no Tribunal Judicial de Carrazeda de Ansiães acção declarativa com processo ordinário contra CC e mulher DD pedindo a condenação destes no reconhecimento de que os autores são proprietários do prédio que identificam sob o artigo 1º da petição inicial, no reconhecimento de que o mesmo tinha a configuração a que aludem os documentos nºs 4 e 5 juntos coma petição, na demolição da construção efectuada sobre o prédio dos autores, bem como a restituição do mesmo, dotado de uma construção urbana comas mesmas características dos documentos nºs 4 e 5 , no pagamento da quantia de €7.500,00 a título de danos patrimoniais já verificados e na compensação que se vier a liquidar em execução de sentença , até efectiva restituição do prédio e construção do imóvel demolido , decorrentes da privação que ainda irão sofrer pelo não uso do prédio.

Sumariamente alegam os autores: Os autores são proprietários de um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão com uma divisão, destinada a armazém, com a área coberta de 120 m2, a confrontar de Norte com a estrada nacional, Sul e Poente com EE e Nascente com FF, inscrito na matriz predial sob o art. 501 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Carrazeda de Ansiães sob o nº 000 da freguesia de Castanheiro, concelho de Carrazeda de Ansiães; Tal prédio adveio à posse e propriedade dos autores por sucessão hereditária dos pais da autora mulher, GG e HH; O prédio veio à posse dos pais da autora no ano de 1973 por “transmissão não titulada” efectuada pela então proprietária II JJ, tendo o pai da autora liquidado o correspondente imposto de sisa em 8/11/1973; Desde então, os pais da autora ocuparam e utilizaram o prédio de forma plena e ilimitada, nele guardando instrumentos agrícolas, lenha e produtos das suas colheitas, assim como nele realizaram as respectivas obras de conservação; Tal ocupação e utilização foi efectuada durante mais de 15 e 20 anos, durante os quais actuaram convencidos do exercício legítimo dos seus direitos de posse e propriedade, ininterruptamente, de boa fé, à vista de todos e sem oposição de quem quer que fosse e sem que alguém questionasse a sua posse e propriedade; Depois do falecimento da mãe da autora e do pai da autora, este ocorrido em 1994, os autores ocuparam e utilizaram o prédio sem qualquer limitação, nele guardando instrumentos agrícolas, lenha e produtos das suas colheitas e nele realizando obras de conservação, de boa fé e actuando sempre na convicção do exercício legítimo do seu direito de posse e propriedade, à vista de todos e sem oposição de quem quer que fosse; Se outro título não houvesse, por via do instituto da usucapião, radicou-se na esfera patrimonial dos pais da autora e depois dos autores, por via da sucessão, o direito de posse e propriedade sobre o prédio; Esse prédio tinha a configuração que se encontra fotografada e destacada nas fotografias que constituem os documentos 4 e 5; Tal configuração já não é a actual porque há cerca de dois anos, sem qualquer autorização para o efeito, de forma completamente abusiva e em flagrante actuação de má-fé, os réus demoliram e ocuparam o prédio, construindo no seu lugar outro edifício, da sua propriedade, com as características constantes das fotografias que constituem os documentos 6 e 7; Com tal actuação, os autores viram violados os seus direitos de posse e propriedade e deixaram de poder efectuar no prédio a utilização que o mesmo sempre lhes proporcionou, sentindo-se vexados e humilhados, aviltados irremediavelmente nos seus direitos de posse e propriedade, o que lhes causa fortes aborrecimentos e contrariedades; Os autores têm direito a que os réus procedem à demolição do prédio por eles construído na parte de 120 m2 que é sua propriedade, reconstruindo o que lá existia e, enquanto essas obrigações não estiverem cumpridas, têm direito a indemnização por danos morais que venham a sofrer.

Na contestação, os réus concluem que a acção deve ser julgada improcedente e os réus absolvidos de todos os pedidos, bem como devem ser os autores condenados como litigantes de má-fé, com indemnização aos autores não inferior a 15.000€.

Sumariamente, alegam os réus: Desconhecem que os autores sejam donos do prédio em causa, desconhecem que o tenham herdado dos pais da autora, desconhecem que esses pais tenham estabelecido transmissão não titulada com a dita então proprietária e desconhecem que tanto os pais da autora como os autores tenham ocupado e utilizado o prédio; O réu marido, na condição de solteiro, por escritura pública de 29/8/2001 comprou a KK e mulher LL o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, destinada a palheiro, confinando a Norte com a Estrada, a Sul com EE, a Nascente com MM e a Poente com FF; Os vendedores eram os titulares inscritos da propriedade plena do prédio, juntando-se com a contestação certidão de registo predial emitida para instrução da dita escritura pública; O prédio está inscrito na matriz sob o art. 701 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Carrazeda de Ansiães sob o n° 0000000000 da freguesia de Castanheiro, já com inscrição a favor do réu; O réu obteve licença camarária para construir no prédio a sua habitação própria e permanente e, depois de estar concluída a obra, obteve alvará municipal de utilização; Os réus habitam nessa nova construção desde finais de 2005; O prédio invocado pelos autores decerto não é o prédio dos réus, uma vez que as confrontações não coincidem e à data de aquisição pelo réu o prédio estava devoluto e em ruína iminente, além de ter estado anteriormente ocupado pelos ditos vendedores; Em tempo algum os autores ou seus antecessores ocuparam e utilizaram o prédio; Os autores invocam propriedade de prédio que bem sabem não lhes pertencer, nem nunca lhes ter pertencido; Os autores assistiram ao início das obras e “não seria legítimo e tempestivamente adequado impedir a continuação das mesmas para evitar males maiores?”; Os autores litigam com má-fé e os réus sentem-se entristecidos com o facto de se duvidar da legalidade da sua aquisição e com a insinuação de intenção fraudulenta da sua actuação; Os réus padecem inquietação, não pelo receio da usurpação, mas por terem gastos desnecessários com a sua defesa.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento e proferiu-se despacho com resposta à base instrutória.

Na sentença decidiu-se julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os réus de todos os pedidos.

Os autores apelaram da sentença e formularam as seguintes conclusões: 1ª – A douta sentença ao aplicar a presunção registral prevista no art. 7.º do Cód. Registo Predial e a regra da prevalência do primeiro registo prevista no art. 6.º do mesmo diploma violou claramente os princípios da publicidade, certeza e segurança no comércio jurídico imobiliário que presidem ao direito registral, vide Acórdãos do STJ de 24/10/2006 proferido no processo 06A3284 com o n.º SJ00610240032841 e mais recentemente Acórdão do STJ de 21-04-2009 proferido no processo 5/09.6YFLSB.

  1. Resulta dos factos provados – ponto 1 e 2 – que se encontra descrito a favor dos AA. na Conservatória do Registo Predial de Carrazeda de Ansiães, sob o n.º 000, um prédio urbano, sito em ........, freguesia do Castanheiro do Norte, composto de casa rés-do-chão com uma divisão, com área coberta de 120 m2, a confrontar a Norte com Estrada Nacional, a Sul e Poente com EE e a Nascente com FF, o qual se acha inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 000 da mesma freguesia.

  2. Dos mesmos factos provados – ponto 4, 5 e 6 – resultou provado que se encontra descrito a favor dos RR., na mesma Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 000, um prédio urbano, sito na Rua .............., em ........, freguesia do Castanheiro do Norte, composto de casa rés-do-chão com uma divisão, com área coberta de 133,60m2, a confrontar a Norte com Estrada, a Sul com EE, a Nascente com MM e a Poente com FF, o qual se acha inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 000 da mesma freguesia.

  3. Ficou demonstrado que tais descrições prediais não incidem, como seria normal e expectável, sob prédios distintos mas sim sobre o mesmo prédio – facto provado 15.

  4. Como é por demais evidente, ficou provado que estamos perante identificações registrais distintas, ou seja perante prédios tabularmente distintos embora fisicamente o mesmo.

  5. O artigo matricial não é o mesmo, as confrontações diferem e até a área e a composição são distintas fazendo parecer tratar-se de prédios distintos, porém a realidade material sobre a qual incidem é precisamente o mesmo prédio, pelo que estamos perante duplicação de inscrições.

  6. Havendo duplicação de inscrições nenhuma delas pode beneficiar da eficácia dos registos, deixando de valer as regra do artigo 6.º e 7.º do Código do Registo Predial para prevalecerem as normas do direito substantivo, para garantir a publicidade e segurança que se atribui ao registo predial.

  7. Deste modo, o domínio só poderia ser atribuído com base na aplicação das normas de direito substantivo adequadas, o mesmo será dizer, com base nas regras que definem a aquisição pela posse.

  8. Analisando a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo para sustentar que os AA não adquiriram a propriedade pelo instituto da usucapião, verifica-se que a sentença incorreu num exame crítico deficiente dos factos provados violando o n.º 3 do art. 659.º do CPC.

  9. Desde logo, consta dos factos provados – ponto 9 – o teor do contrato promessa junto aos autos pelos AA., datado...

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