Acórdão nº 1813/20.2T8AVR-E.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MOURO
Data da Resolução01 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 1813-20.2T8AVR-E.P1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): * I - AA intentou acção de separação e restituição de bens apreendidos a favor da massa contra a Massa Insolvente de BB, os Credores da Massa Insolvente e BB.

Alegou o A., em resumo: O A. foi surpreendido pela existência de uma placa de venda, à ordem do processo de insolvência dos autos principais, colocada no prédio rústico, sito no ..., lugar do ..., prédio esse que lhe pertence.

Em 2-5-1994 o A. celebrou com BB um contrato promessa de compra e venda, segundo o qual, por quatro milhões de escudos, comprava metade do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 8270. O A. pagou dois milhões de escudos na data da outorga daquele contrato e os restantes dois milhões de escudos em 2-5-1996.

Por desavenças pessoais nunca foi celebrado o contrato de compra e venda. Após a celebração do contrato promessa, o R. BB, colocou demarcações efetivas que separaram as duas metades do terreno, tendo construído na sua metade (nascente) a sua casa de habitação e um edifício destinado a assar leitões; todavia, inscreveu aquela construção na matriz predial urbana sob os artigos 2260 e 2476, com descrição na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 3761, englobando também a área prometida vender.

Desde 2-5-1994 o A. entrou na posse da sua metade, cuidando da mesma como propriedade sua, nela exercendo actividade agrícola e florestal, cortando e vendendo pinheiros, fazendo seu o dinheiro obtido com tal venda, à vista e com conhecimento de toda a gente e sempre sem oposição de ninguém, razão pela qual adquiriu o direito de propriedade sobre tal parcela do prédio rústico, por usucapião.

Pediu o A. a separação da metade rústica do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, apreendido para a Massa Insolvente, e a sua imediata restituição ao A., com anulação do registo efectuado a favor da Massa Insolvente.

Apenas a credora «Ertow Asset Management, S.A.» apresentou contestação. Impugnou factualidade alegada pelo A., referiu que o prédio cujo direito de propriedade é alegado pelo A. não é o mesmo das verbas apreendidas a favor da Massa Insolvente, mencionou ser esta acção mais um meio para evitar a venda do património do R. insolvente.

Concluiu pela improcedência da acção.

O A. respondeu e o processo prosseguiu, vindo, a final, a ser proferida sentença que decidiu: «… julgo a presente ação procedente, por provada, termos em que determino a separação da Massa Insolvente do prédio identificado nos pontos 2., 5. e 11. dos factos provados, correspondente à parte poente e rústica da verba n.º 1 do Auto de Apreensão, e a sua restituição ao autor AA e, consequentemente a anulação do registo efetuada a favor da Massa Insolvente, relativamente à realidade física correspondente a tal prédio».

A credora contestante apresentou recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação do Porto a proferir acórdão julgando procedente a apelação e revogando sentença recorrida.

Deste acórdão interpôs o A. recurso de revista do qual constam as seguintes denominadas conclusões: 1 - O presente recurso visa impugnar, na totalidade, o Douto Acórdão proferido, em 10.11.2022, pelo Tribunal da Relação do Porto que revogou, totalmente, a Douta Sentença proferida pela 1ª Instância – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Comércio de ... e tem como fundamentos a nulidade prevista na art. 615º, nº 1, alínea d) – excesso de pronúncia – do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 674º, nº 1, alínea c), do mesmo diploma legal, de que o referido Acórdão enferma e a violação da lei substantiva (artigo 674º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil), contrária à Jurisprudência e à melhor Doutrina nele cometida.

2 –Para melhor enquadramento e mais fácil apreensão da tramitação de todo o processado, far-se-á, sinteticamente, uma resenha da totalidade da acção até ao preciso momento.

A- DA ACÇÃO: 3 - O ora Recorrente AA propôs a presente Acção de Separação e Restituição de bens contra (1) Massa Insolvente, representada por CC na qualidade de Administrador de Insolvência,(2) Insolvente BB e (3) todos os Credores da Massa Insolvente alegando, sumariamente, o seguinte: 4 - No dia 18 de Dezembro de 2020 foi surpreendido pela existência de uma placa colocada no seu prédio rústico situado no ..., lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., que confina do Norte com Estrada, do Sul com DD, do Nascente com caminho e do poente com EE, placa essa que anunciava ao público em geral que este referido prédio se encontrava à venda à ordem do Processo de Insolvência nº 1813/2...; 5 - Porém o identificado prédio rústico não pertence ao insolvente dos Autos, BB, mas sim ao Autor pois, em 2 de Maio de 1994, por contrato promessa de compra e venda, o referido insolvente BB e a sua então mulher FF, como outorgantes promitentes vendedores, prometeram vender ao Autor, ora recorrente, que celebrou tal contrato promessa como promitente – comprador, a metade do aludido prédio rústico, constituído por “ Uma vinha, no sítio do ..., lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do Norte com estrada, Sul com DD, Nascente com caminho e Poente com EE, inscrito na matriz sob o artigo 8.270, situando-se tal metade do lado poente do mesmo prédio, pelo valor total de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos).

6 - Mais alegou o aqui Recorrente que na mesma data – 02-05-1994 – os Promitentes Vendedores deram-lhe a posse e o domínio da parte (1/2) do prédio vendido, com a declaração expressa de que nela podia fazer todas e quaisquer benfeitorias, ou seja, os primeiros outorgantes vendedores efectuaram para o promitente comprador a tradição do prédio vendido – cláusula 4ª do documento nº 1 – contrato promessa de compra e venda -, já referido.

7 -Ainda no mesmo dia em que foi celebrado o contrato promessa de compra e venda–02-05-1994 – os promitentes vendedores conjuntamente com o promitente comprador, aqui recorrente, colocaram demarcações efectivas que separaram e delimitaram de forma permanente e visível as duas metades, metade poente, objecto do contrato promessa celebrado e metade nascente que permaneceu na posse e propriedade dos promitentes vendedores BB e FF.

8 - Apesar de se encontrarem reunidas todas as condições e demais documentação necessária para a realização da respectiva escritura pública de compra e venda, tal escritura nunca chegou a ser celebrada por falta de comparência dos promitentes vendedores que, por volta de 1999, entraram em desavenças pessoais que culminou com o seu divórcio; 9 -Na metade nascente do referido prédio, os promitentes vendedores, BB e FF, já identificados, construíram a sua casa de habitação, e ainda um edifício de r/c, destinado à confecção de leitão assado, edificações estas que foram inscritas na matriz predial urbana sob os artigos números 2.260 e 2.476, respectivamente, da freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registro Predial (C.R.P.) de ... sob o número 3.761.

10–Alegou, ainda, que, desde a data da outorga do Contrato Promessa de Compra e Venda – 02-05-1994 – entrou na posse da metade poente do prédio rústico por ele adquirido, exercendo sobre a mesma o poder correspondente ao direito de propriedade, nela exercendo actividade agrícola e florestal, plantando e cortando pinheiro em seu proveito próprio, tudo nostermosdoartigo1251ºdoCódigoCivil., manifestando, assim, o Autor o seu poder sobre a metade por ele adquirida, com uma actuação de facto, correspondente ao efectivo exercício do direito de propriedade sobre tal metade, em que se traduz o “corpus” (elemento objectivo e essencial da posse), como também se comportou como titular do direito real correspondente, (propriedade), traduzindo-se este comportamento do Autor numa verdadeira intenção de actuar como titular deste direito (animus possidendi).

11 - Deste modo, o Autor exerce, total e exclusivamente, posse sobre a metade poente do prédio rústico, nos termos supra descritos, retendo-a e fruindo-a materialmente, exclusivamente no seu próprio interesse desde 1994até à presente data, sendo que tal posse exercida pelo Autor sobre a metade do então artigo matricial rústico 8270foisempre exercida de boa-fé pois o Autor tinha e tem a convicção de que não está a lesar o direito de outrem, publicamente porque à vista e com o conhecimento de toda a gente, de modo pacífico, continuada e reiteradamente porque foi sempre exercida sem qualquer interrupção, durante mais de 26 anos.

12 - Esta posse, alegou o Autor, do direito de propriedade por ele exercida sobre a referida parcela do prédio rústico, faculta ao Autor, a aquisição do direito, a cujo exercício, corresponde a sua actuação (art. 1287 do Código Civil), legitimando o Autor que, se não for por outro título, adquiriu o direito de propriedade sobre a parcela do prédio rústico, por usucapião.

13 - Termina o Autor, ora Recorrente, a sua petição por formular o pedido, requerendo, ao abrigo do artigo 146º do C.I.R.E., a separação da metade rústica supra identificada, do acervo de bens apreendidos a favor da Massa Insolvente e a sua imediata restituição ao Autor, com a anulação do registo efectuado a favor da Massa Insolvente.

14 - Citados os RR. para a Acção, apenas a Ré, aqui Recorrida, Ertow Asset Managament, S.A., contestou, impugnando os factos articulados , invocando que o prédio cujo direito de propriedade é alegado pelo autor não é o mesmo das verbas apreendidas a favor da Massa Insolvente, acrescentando ainda ser esta acção mais um meio para evitar a venda do património do réu insolvente e termina pugnando pela improcedência da acção.

15 - Verificadas todas as formalidades legais realizou-se a Audiência de Discussão e Julgamento e foi proferida Douta Sentença que, quanto à matéria de facto, deu como provados os seguintes factos: 1. Por sentença proferida a 22/06/2020, transitada em julgado a 13/07/2020, foi declarada a insolvência de BB.

  1. No âmbito dos autos de apreensão de bens...

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