Acórdão nº 09B0509 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 17 de Agosto de 2004, contra BB, acção declarativa constitutiva, com processo especial de divórcio, pedindo o divórcio de ambos.

Invocou factos que qualificou como violadores dos deveres de respeito, coabitação, cooperação e assistência e a inviabilidade da continuação da vida em comum, designadamente agressões físicas, ameaças, expressões injuriosas, a expulsão da casa de morada de família e a transferência de quantias depositadas em contas comuns para contas singulares.

Realizada sem êxito a tentativa conciliação, o réu, em contestação, negou o afirmado pela autora e invocou a caducidade de alguns dos factos por ela articulados, bem como as perturbações psíquicas daquela e o aproveitamento da sua vulnerabilidade pelos filhos para, através do divórcio, terem acesso ao dinheiro dos pais, e ter sido ela a abandonar o lar.

Seleccionada a factualidade assente e a controvertida e realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 14 de Setembro de 2007, por via da qual foi declarado o divórcio pedido e a exclusiva culpa do réu.

Apelou o réu, impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Outubro de 2008, manteve a sentença proferida pelo tribunal da primeira instância, sem formular a própria convicção no âmbito da reapreciação da prova de livre apreciação gravada.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegações: - constam do processo todos os elementos de prova, e o recorrente cumpriu o artigo 685º-B do Código de Processo Civil; - tendo sido impugnada a matéria de facto, a Relação deve reapreciar a prova quanto aos factos postos em crise pelo recorrente; - não tendo procedido à reapreciação da prova, a Relação negou ao recorrente o direito ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto, contra a letra e o espírito da lei; - o acórdão é nulo por violação dos artigos 668º, nº 1, alínea d) e 712º do Código de Processo Civil; - o direito ao divórcio caduca no prazo de dois anos a contar da data em que o cônjuge ofendido ou o seu representante legal teve conhecimento do facto susceptível de fundamentar o pedido e a caducidade é de conhecimento oficioso - artigos 333º e 1786º, nº 1, do Código Civil; - só relevam para a decisão os factos de que a recorrida teve conhecimento até 28 de Junho de 2002, pelo que não pode servir de fundamento ao divórcio a matéria de facto constante dos pontos 2 a 5; - ao decretar o divórcio com base em factos ocorridos há mais de cinco anos, a Relação violou o artigo 1786º do Código Civil, pelo que deve ser anulado o acórdão e remetido o processo à Relação a fim de ser reapreciada a prova quanto à matéria impugnada.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão: - a livre apreciação da prova é imparcial e de impossível sindicância; - a constatação de erro de julgamento tem de resultar de uma clara desconformidade entre a realidade de um facto relevante e a própria natureza das coisas; - a reapreciação legalmente formulada não incide sobre a globalidade da prova produzida, sob pena de transformar a Relação num tribunal de instância; - a reapreciação terá de focar-se na detecção e correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento; - quanto à caducidade, o recorrente confunde factos isolados com factos continuados.

II É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido: 1. AA e BB contraíram casamento católico no dia 7 de Julho de 1965, sem convenção antenupcial.

  1. Desde pelo menos há cinco anos, o réu muitas vezes e de forma frequente, tem-se dirigido à autora, dizendo "és uma puta, filha da puta", "desaparece-me, sua vaca", "grande toira", "cabra do caralho", "vai para a puta que te pariu", "já não te posso ver mais à minha frente, sua vaca".

  2. Nessas alturas, dava à autora murros e bofetadas na face, cabeça, braços e estômago, provocando-lhe hematomas e escoriações, e dirigia-se a ela empunhando um revólver, dizendo "se alguma vez pensares em divorciar-te, trato-te da saúde".

  3. Tais factos ocorreram na presença dos filhos do casal e de outros familiares.

  4. Em Abril de 2004, o réu expulsou a autora de casa, desferindo-lhe murros e pontapés, e, depois de tal data, continuou a ameaçar a autora de morte.

  5. O réu impede a autora de voltar a entrar na casa do casal, a fim de recolher os seus bens pessoais - máquina de costura e outros utensílios essenciais ao desempenho da sua actividade de modista - apenas tendo sido retirada da casa uma máquina de costura antiga.

  6. Em 12 de Abril de 2004, o réu efectuou uma operação de levantamento de € 15 000 da conta de depósitos n.º ...............da Agência de Espinho da Caixa Geral de Depósitos, e, em 11 de Junho de 2004, uma operação de levantamento de € 20 263,64 da mesma conta de depósitos, e a quantia de € 14 963,03 da conta de depósitos á ordem n.º ........................., do Banco Comercial Português, SA.

  7. A conta de depósitos á ordem n.º .................. do Banco Comercial Português, SA apresentava em 6 de Julho de 2004, o saldo do valor de € 904,60 9. Em consequência dos factos referidos sob 6 a 8, a autora ficou privada de obter subsistência da mesma forma como obtinha anteriormente, sendo ajudada pelos filhos.

    III A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrente deve ou não ser absolvido do pedido de divórcio que contra ele foi formulado pela recorrida.

    Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente e pela recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - regime processual aplicável ao recurso; - lei substantiva aplicável ao caso; - está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade? - regime legal do julgamento da matéria de facto pela Relação; - infringiu ou não a Relação o referido regime legal? - caducou ou não o direito ao divórcio em relação a algum dos factos provados? - âmbito dos deveres conjugais; - infringiu ou não o recorrente algum desses deveres em termos de comprometimento da possibilidade da vida conjugal comum? Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

  8. Comecemos por uma breve referência ao regime processual aplicável ao recurso.

    Uma vez que a acção foi intentada no dia 17 de Agosto de 2004, ao recurso não é aplicável o regime processual decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

    É-lhe aplicável o regime processual anterior ao implementado pelo mencionado Decreto-Lei (artigos 11º e 12º).

  9. Continuemos, ora com a subquestão de saber qual é a lei substantiva aplicável ao caso..

    O novo regime do direito de família, incluindo a vertente da dissolução do casamento, é a que consta agora do Código Civil na sequência da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro.

    Ele entrou em vigor no dia 30 de Novembro de 2008 e não se aplica aos processos pendentes nos tribunais no dia da sua entrada em vigor (artigos 9º e 10º da Lei nº 61/2008).

    Em...

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