Acórdão nº 567/10.5TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução18 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A...

e esposa, B...

, ambos reformados, a residir na (...), em S. Martinho de Árvore, concelho de Coimbra, vieram instaurar contra C...

e esposa, D...

, residentes na Rua (...)S. Martinho de Árvore, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final que, na procedência da acção: “a) seja reconhecido judicialmente o direito de propriedade dos Autores sobre metade indivisa do prédio identificado nos artigos 1.º, 2.º e 3.º do presente articulado, por efeitos da usucapião; b) sejam os Réus condenados a reconhecer tal direito; c) sejam os Réus condenados a restituir e a desocupar o referido prédio, deixando-o completamente livre de pessoas e bens, demolindo à sua custa os muros, paredes e outras edificações que no mesmo se encontrarem; d) que tal restituição, desocupação e demolição se processem no prazo de trinta dias, findos os quais, caso tal não aconteça, os Réus sejam condenados a liquidar aos Autores a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de 25,00 € por cada dia de mora na execução daqueles trabalhos; e) sejam os Réus condenados a pagar aos Autores o valor de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais; f) sejam os Réus condenados a pagar aos Autores todas as despesas resultantes da instauração da presente acção, a liquidar em execução de sentença, nomeadamente, honorários do mandatário, papel, cartas, telefonemas, comunicações electrónicas, deslocações e registos postais.

Em fundamento alegaram, em síntese útil, que são donos de metade indivisa do prédio que identificam, a qual adquiriam por doação no ano de 1991. Mais alegaram que desde há mais de 20 anos que vêm praticando sobre tal prédio, na referida proporção, actos de posse pública, pacífica e de boa fé, actuando sempre na convicção de que actuavam no exercício do direito de compropriedade, de modo que, por usucapião que expressamente invocam, adquiriram tal direito.

Sucede, porém, que o réu marido, sendo comproprietário do aludido prédio, é ainda dono de um outro, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 1(...).º, que com aquele confronta no seu limite norte. Neste prédio deram os RR início à construção de uma moradia que, no seu lado norte, se encontra delimitada por um muro com o comprimento de cerca de 48 mt. Tal moradia e muro de delimitação encontram-se todavia edificados em parte do prédio inscrito na matriz sob o art.º 0(...).º, ocupando uma área de cerca de 288 m2, assim violando o direito de compropriedade dos demandantes, que se vêm impedidos de usar e fruir a referida parcela de terreno. A descrita situação vem causando nos AA mal estar e intranquilidade, traduzindo-se em insónias e alterações de humor, danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, demandam a tutela do direito e para cujo ressarcimento reclamam a quantia de € 3 000,00 a atribuir a cada um.

Regularmente citados, os RR contestaram e, correspondendo a solicitado esclarecimento, alegaram ter o réu marido adquirido metade do prédio reivindicado por doação feita por seu pai, sendo certo que não subsiste a pelos demandantes invocada situação de indivisão.

* Teve lugar audiência preliminar e nela foram as partes convidadas a esclarecer a origem da indivisão, tendo os AA apresentado o articulado de fls. 145/146, no qual alegaram ter o prédio em causa sido adjudicado na proporção de metade para cada um a N...

e O...

, na partilha a que se procedeu por óbito dos pais de ambos. N... procedeu posteriormente à venda da metade que lhe fora adjudicada a E..., pai do réu marido, que veio mais tarde a doá-la a seu filho; quanto à outra metade, a referida O... fez doação da mesma a sua filha, a aqui autora B....

Por requerimento de fls. 167/168, vieram ainda os AA invocar que a ocupação levada a cabo pelos RR atingiu na verdade uma área de 665 m2 do prédio comum, e com tal fundamento de facto ampliaram o pedido inicialmente formulado, peticionando a restituição da parcela ocupada com a mencionada área, ampliação admitida nos termos do despacho exarado a fls. 176/177.

Formulado aos RR novo convite de aperfeiçoamento do articulado de contestação, vieram estes alegar que, desde há mais de 30 anos, por si e seus ante possuidores, vêm praticando sobre a área onde se encontra edificada a moradia e até ao muro de delimitação, actos de posse pública, pacífica e de boa fé, conducente à aquisição por usucapião, que expressamente invocam, do direito de propriedade exclusivo sobre a área ocupada. Invocando que os AA actuam em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, peticionam a final em via reconvencional a condenação dos reconvindos no reconhecimento de tal direito.

Os AA replicaram, mantendo que o prédio se mantém indiviso, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

* Admitida a reconvenção foi proferido despacho saneador, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória. Os AA reclamaram do teor da al. B), no que foram atendidos (cf. fls. 212).

Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo que da acta consta, tendo-se o Tribunal deslocado ao local no decurso da mesma, após o que foi proferida sentença, na qual foi decidido como segue: “1. Julgar a ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo os RR. C... e D... de todos os pedidos formulados contra si pelos AA., A... e B....

  1. Julgar a reconvenção deduzida procedente por provada e, em consequência, declarar que os RR., C... e D..., são os legítimos proprietários, uma vez que adquiriram a mesma por usucapião, da parcela de 544 m2 integrada no prédio inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 0(...) e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial sob o artigo n.º 2(...)/20030702 com a dimensão, configuração e limites expressos na planta topográfica constante de fls. 240 dos autos que passa a fazer parte integrante da presente sentença, tendo a separar da restante parcela pertença dos AA. um muro aí existente em todo o comprimento do terreno e que se encontra expresso na referida planta por uma linha azul, sendo os AA., A... e B..., proprietários da restante parcela de terreno”.

Inconformados com o assim decidido vieram os AA interpor tempestivo recurso e, tendo elaborado as suas alegações, remataram-nas com as necessárias conclusões, que assim se sintetizam: i. os factos contidos nos artigos 5º, 6º, 7º e 8º e 9º da Base Instrutória devem ser dados como não provados, em oposição aos factos dados como provados nas alíneas A), B), D), G), H) e I) dos Factos Assentes, por insuficiência da própria prova indicada a tais factos; ii. da prova produzida apenas se pode retirar com a necessária segurança jurídica que cada um dos comproprietários utilizava metade do terreno e o cultivava, sendo que os AA, por intermédio de terceiros, cultivavam a sua metade, pelo que, a haver resposta aos quesitos em questão, ela deve ser dada nestes termos, acrescendo que do quesito 9.º deve ser removido o nome de V... que não foi referido por nenhuma testemunha; iii. não resultou da prova produzida qualquer sinal ou indício que aponte para a inversão do título da posse, facto que surge evidenciado à luz do cotejo da prova testemunhal com a prova documental que existe nos autos; iv. quanto aos quesitos dos artigos 3º e 4º da Base Instrutória, a resposta deve ser dada em termos positivos; v. dando-se como provado que os AA e RR são comproprietários de uma quota-parte, na proporção de metade, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 0(...).º e descrito na CRP de Coimbra sob o Nº 2(...) (matéria assente- alíneas A) a I) e que os RR construíram uma moradia e um muro no prédio em questão, violando o direito dos AA nos termos dos artigos 1311.º e 1403.º do Código Civil, e que a actuação dos RR causou naqueles mal-estar e intranquilidade (cfr. conclusão 35.ª a 37.ª), devem os pedidos formulados pelos demandantes a este respeito na acção ser considerados totalmente procedentes e, pelo contrário, deve a reconvenção deduzida pelos RR ser considerada improcedente, por não provada.

Com tais fundamentos pretendem a revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra “que contemple as alegações e conclusões aqui expendidas pelos Recorrentes/Autores”.

Os apelados contra alegaram, pugnando naturalmente pela manutenção do julgado.

* Sabido que pelas conclusões se define e limita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir indagar se ocorreu erro de julgamento, conforme pretendem os apelantes, devendo ser alteradas as respostas dadas aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória e, como decorrência da pretendida alteração, ser proferida decisão no sentido da procedência da acção e improcedência do pedido reconvencional.

* Do erro de julgamento Insurgem-se os recorrentes contra as respostas dadas aos artigos 3.º e 4.º da base instrutória que, tendo sido negativas, pretendem sejam substituídas por outras de sinal contrário, outro tanto ocorrendo em relação aos artigos 5.º a 9.º estes, em seu entender, devendo obter respostas negativas ou, no limite, restritivas, no sentido preconizado.

Ocorrendo, como é o caso, impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, segundo corrente jurisprudencial que se tem vindo a consolidar, o Tribunal da Relação, “ao apreciar os invocados erros de julgamento sobre os pontos da matéria de facto questionados pelo recorrente, está efectivamente vinculado a realizar uma...

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