Acórdão nº 08B3404 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução22 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, por si e em representação de seu filho menor, BB (nascido em 28.04.98), intentou, em 13.10.2004, no 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Póvoa de Varzim, contra R... S... - Companhia de Seguros de R... R..., S. A., agora designada por C... A... SEGUROS, Companhia de Seguros de R... R..., S. A., acção com processo ordinário, em que pede que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 26.364,60, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, bem como a quantia que vier a apurar-se em incidente de liquidação, respeitante a danos sofridos pelo filho, em valor ainda não quantificável.

Alega, para tanto, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação, em 28.04.2003, na Rua ...., freguesia de Fontaínhas, Póvoa de Varzim, no qual o auto ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-..., conduzido por CC e segurado na ré, atropelou o menor BB, quando este completava a travessia da faixa de rodagem, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo, sendo tal acidente devido a culpa exclusiva do condutor do veículo, que seguia completamente distraído, sem prestar atenção ao trânsito de outros veículos ou peões, e a velocidade não inferior a 70 Km/hora, exagerada para o local.

Em consequência do acidente, o menor sofreu ferimentos graves, bem como danos materiais na roupa e calçado que usava, e danos não patrimoniais, e ela, autora, que teve de deixar de comparecer ao trabalho, para prestar auxílio ao menor, teve perdas salariais e acabou mesmo por perder o emprego.

A ré contestou, imputando ao menor a culpa exclusiva na verificação do acidente, pois que saiu a correr de um veículo ligeiro de passageiros, estacionado do lado esquerdo da via, atento o sentido de marcha do LS, e, de forma abrupta, inopinada e súbita, invadiu a faixa de rodagem deste veículo, da esquerda para a direita, com o objectivo de atravessar a rua, atravessando-se à sua frente, quando o LS se encontrava a cerca de 10 metros de distância. O menor acabou por ser colhido na faixa de rodagem do lado direito, não sendo possível ao condutor do LS travar ou desviar-se, uma vez que só o avistou a uma distância não superior a 3 metros.

Requereu a ré a intervenção principal do pai do menor, DD, com a seguinte fundamentação: o menor, então com 5 anos de idade, saiu da viatura do pai, onde este também se encontrava, pelo que o chamado negligenciou o seu dever de vigilância, não cuidando de proteger o filho na saída, e deixando-o atravessar a estrada sozinho, pelo que lhe deve ser imputada a responsabilidade do sinistro.

O Ex.mo Juiz, porém, entendeu carecer o chamamento de fundamento legal, pelo que não admitiu a requerida intervenção.

A ré recorreu, tendo o recurso sido admitido como agravo, a subir com o primeiro recurso que, posteriormente, houvesse de subir imediatamente, e com efeito meramente devolutivo; não tendo, porém, apresentado alegações, foi o recurso agora julgado deserto.

Seguindo o processo a sua normal tramitação, teve lugar a audiência de julgamento e foi, depois, proferida sentença, na qual o Ex.mo Juiz, entendendo que na origem do acidente esteve exclusivamente a conduta censurável do menor, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

Da sentença interpôs a autora o pertinente recurso de apelação, no qual pugnou pela alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância e pela condenação da ré nos termos peticionados.

A Relação do Porto, em acórdão oportunamente proferido, julgou parcialmente procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, atribuiu ao menor BB, representado pela mãe, a indemnização global de € 12.000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

Para assim decidir, a Relação alterou a resposta ao quesito 4º da base instrutória e, na subsunção dos factos apurados ao direito, entendeu: - que, "fora de dúvida", a culpa do condutor do LS está totalmente arredada do circunstancialismo em que decorreram os factos dos autos"; - que "o menor não cuidou de verificar a existência de trânsito automóvel antes de se aventurar na faixa de rodagem" - tendo violado, por isso, os arts. 99º/2 e 101º do Código da Estrada (CE) - o que constitui "conduta culposa, que lhe é imputável e bem assim ao adulto que com ele seguia, o seu pai"; - que "também o veículo automóvel não foi indiferente ao sinistro, tendo contribuído para o mesmo acidente a sua típica aptidão para a criação de riscos", sendo, pois, este o resultado da conjugação da conduta do menor, violadora das indicadas regras do direito estradal, e dos riscos próprios do veículo.

Com este suporte, e nele fundada, reputou aplicável ao caso o disposto no art. 570º do Cód. Civil (CC), abonando-se na orientação defendida em recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 04.10.2007, em que se defendeu que a responsabilidade pelo risco só é excluída quando o acidente for exclusivamente imputável ou unicamente devido, com ou sem culpa, ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

E, tendo em conta os montantes indemnizatórios reclamados pela autora, a gravidade dos danos e lesões sofridas pelo menor - "sobretudo a que respeita à diminuição de 1 cm de uma das pernas relativamente à outra, o que trará sensíveis perdas no futuro, sobretudo ao nível da prática desportiva" - e o demais que resultou provado, entendeu "ser equitativa a indemnização no montante de 12.000 euros, para ressarcimento global, a efectuar pela ré, e na parte que lhe diz respeito, dos danos sofridos pelo menor", proferindo, em conformidade, a decisão já acima indicada.

Do acórdão respectivo recorre agora a ré, para este Supremo Tribunal, dele pedindo revista.

São as seguintes, em síntese, as conclusões da sua alegação de recurso: 1ª - A culpa do condutor do LS está totalmente afastada do circunstancialismo em que decorreram os factos dos autos; 2ª - Da matéria de facto assente resulta que o menor não cuidou de verificar a existência de trânsito automóvel antes de se aventurar na faixa de rodagem, o que retrata uma conduta culposa, que lhe é imputável, bem como ao adulto que o acompanhava, o pai; 3ª - Face à declaração de culpa do menor lesado, inexiste obrigação de indemnizar por parte da recorrente; 4ª - Não há concorrência entre a culpa e o risco; havendo culpa, não há responsabilidade pelo risco; 5ª - O legislador pretendeu que o acidente, desde que não haja culpa do condutor, seja imputado ao risco do próprio veículo. Se o acidente...

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