Acórdão nº 513/06.0TBMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelA. COSTA FERNANDES
Data da Resolução18 de Maio de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Apelação nº 513/06.0TBMNC.G1 (Proc. nº 513/06.0TBMNC, T J de Monção) Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório: A …, viúva, contribuinte fiscal nº … , residente em Monção; MJ…, casada, contribuinte fiscal nº ….., residente em Monção; MD…, casada, contribuinte fiscal nº …, residente na Suíça, por si e na qualidade de tutora de JC …, contribuinte fiscal nº …., residente em Monção; JL…, solteiro, maior, contribuinte fiscal nº 206 120 532, residente em Monção, Propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, ordinário, con- tra: Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A.

, pessoa colectiva nº 500 940 231, com sede na Avenida da Liberdade, 242, 1250-149 Lisboa, Peticionando a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de 167.423,40 €, para além de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação e até efectivo cumprimento.

Para tanto, alegaram, em síntese, que seu marido e pai, respectivamente, foi vítima de acidente de viação de que resultou a sua morte, devido a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré.

A ré contestou, impugnando a factualidade alegada pelos autores e imputando a culpa do acidente ao sinistrado.

O Instituto de Segurança Social, IP, Centro Nacional de Pensões, deduziu pedido de reembolso contra a ré, alegando que o sinistrado era seu beneficiário e que, em função disso, pagou à autora, A …, prestações por morte, no valor de 10.089,38 €, peticionando a condenação daquela a reembolsá-la desse montante, acrescido de juros.

*** Por sentença de fls. 381 a 390, a acção foi julgada improcedente.

*** Os autores recorreram, pretendendo a revogação da sentença, de modo a que a mesma seja substituída por acórdão que julgue em conformidade com o por si ale-gado, tendo retirado as seguintes conclusões: 1ª Os autores fundamentaram o pedido de indemnização: a) Na culpa exclusiva do condutor do pesado, por este ter invadido, brusca e inesperadamente, a metade esquerda da faixa de rodagem (considerando o seu senti- do de circulação), violando o disposto nos arts. 13º e 24º do Código da Estrada, viola- ções essas que são a causa única do acidente; Subsidiariamente, b) Fundamentaram o pedido na presunção estabelecida no art. 503º, 3, do Códi- go Civil, visto que o condutor do veículo pesado, no momento do acidente, conduzia-o por conta da respectiva proprietária, a sociedade comercial “J. S. Gomes, Limitada”, de que é empregado, transportando carga, no desenvolvimento da sua actividade remune- rada, dentro do seu horário de trabalho, no interesse e sob as ordens e direcção da mesma; Ainda, subsidiariamente, c) Na responsabilidade pelo risco, nos termos do art. 506º do Código Civil, visto que: o QC-99-71 (veículo ligeiro de passageiros) tem uma envergadura de 1,50 metros e não pesa mais de 800 quilos, enquanto o 02-AH-93 tem a largura de 2,50 metros, sendo um veículo pesado de mercadorias, com o peso bruto de 26.000 kg e a tara de 13.600 kg, e, no momento do acidente, tinha o peso bruto de 31.500 kg; transportava 17.900 kg de mercadoria, quando só deveria transportar 12.400 kg; excedia em 5.500 kg o peso permitido e, por isso, nas circunstâncias concretas em que deflagrou o sinis- tro, comportava um risco muito superior ao risco de circulação do QC-99-71; 2ª Face ao que resultou provado na alínea E) da matéria assente e nos nºs 27º e 28º da base instrutória, deixou de incumbir aos autores a prova da culpa do facto ilícito (imputabilidade do acidente a título de mera culpa) de acordo com o disposto nos art. 483º e 487º, 1, do Código Civil, invertendo-se esse ónus probatório para a ré, na con-formidade da referida matéria de facto provada e do disposto no citado art. 487º, 1, e 503º, 3, do Código Civil; ou seja, deixaram de ser os autores a terem de provar a culpa do segurado da ré, passando a ser esta a ter de provar que não houve culpa do condu- tor do pesado AH; 3ª Ora, ponderando os factos provados nos nºs 14, 20 a 24, 26, 15 e 64, resulta que: o pesado AH transportava 5.500 kg a mais do que a sua carga permitida, tudo sig- nificando que o peso total do veículo em circulação era de 31.500 kg; saiu da sua faixa direita de rodagem e foi invadir a hemifaixa esquerda (considerando o seu sentido de marcha), onde foi embater no ligeiro QC; depois de embater no QC, dentro da hemifai- xa esquerda (considerando o sentido do AH), e, por isso, depois de o QC ter acabado de transpor a primeira hemifaixa da E. N. (a hemifaixa direita do AH); o pesado ainda arrastou, na sua frente, o QC, ao longo de 25,90 metros, acabando por se imobilizar no centro da metade esquerda da faixa de rodagem, tomando em atenção o seu sentido de marcha, em posição paralela e longitudinal ao eixo da via; e, ainda, que ficaram gra- vados no asfalto marcas de pneus provocadas pelo arrastamento do QC, desde o pon- to de embate até ao local onde se imobilizou, brechas no asfalto provocadas pela fric- ção do QC no pavimento, após o embate do AH, situadas dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do AH; vidros, plásticos e líquidos; 4ª Assim, o condutor do AH violou, claramente, as regras básicas de circulação rodoviária inscritas nos arts. 13º, 24º e 57º do Código da Estrada, em vigor à data do acidente - Decreto-lei nº 114/94, de 2 de Maio; 5ª É certo que a sentença considerou e deu por provado que, “Vendo a sua linha de marcha barrada, o condutor do AH desacelerou, buzinou e desviou-se para a es-querda no intuito de, acreditando que o condutor do QC travava e se imobilizava, pas- sar pela frente deste e prosseguir a sua marcha em direcção a Arcos de Valdevez” e, por isso, considerou que não se pode “… inferir deste comportamento que o condutor segurado na R. actuou negligentemente, adoptando um comportamento diferente daquele que um homem medianamente sagaz e prudente assumiria”; 6ª Os apelantes não podem concordar com esta conclusão do Tribunal “a quo”, porque, por um lado, um profissional motorista de pesados “minimamente sagaz” não conduziria um veículo pesado como o dos autos, cujo peso total permitido em circula- ção é de 26.000 kg, com mais 5.500 kg do que o total permitido; em segundo lugar, ainda, que, com esse peso em excesso, imprimisse, como imprimia, velocidade de 80 km/h; 7ª Também, não se pode concordar com a conclusão tirada na sentença recorri- da que é a de considerar como normal ou adequado, que este mesmo condutor se tivesse desviado para a esquerda, invadindo a hemifaixa esquerda do seu sentido de trânsito, só por acreditar que o condutor do QC travava e se imobilizava, para, assim, poder passar pela frente deste; 8ª O que teria sido normal e adequado seria, em primeiro lugar, que o condutor do pesado não circulasse com mais 5.500 kg do que lhe era permitido; em segundo lugar que travasse eficazmente e não invadisse a hemifaixa esquerda; pois, se assim tivesse acontecido, como resulta da matéria provada, ele acabaria por lograr continuar em frente, circulando pela sua hemifaixa direita, sem embater no QC; 9ª Era este, e só este, o comportamento exigível para o condutor do AH; 10ª O embate aconteceu, todo ele, dentro da hemifaixa esquerda do pesado AH, o que, claramente, evidencia que o pesado poderia ter evitado o acidente, bastando, para tal, que não invadisse a sua hemifaixa esquerda, violando, como violou as normas dos arts. 13º e 24º do Código da Estrada; para o que teria contribuído, ainda, o facto de ele circular com aquele colossal excesso de carga, violando, outrossim, o disposto no art. 57º do Código da Estrada; 11ª Neste contexto, a ré não logrou ilidir a presunção de culpa estatuída no art. 503º, 3, do Código Civil, na medida em que não logrou provar que não houve culpa da parte do condutor do AH; antes pelo contrário, provou-se que o pesado circulava com excesso de carga, 5.500 kg, e que invadiu a hemifaixa esquerda, onde embateu no QC, sem que esteja provado que não poderia ter continuado a circular dentro da sua hemi- faixa direita – circunstância esta em que, manifestamente, o acidente não teria ocorri- do; 12ª A sentença parte dum pressuposto errado, quando entra na apreciação da matéria de facto; 13ª Esse pressuposto errado vem assim enunciado, logo no início da decisão de mérito – fls. 6 (in fine) e fls. 7 da sentença “……tudo está em saber se é possível esta- belecer um nexo de imputação daquele facto ao agente: poderá, efectivamente, impu- tar-se ao segurado na ré a responsabilidade pelo acidente a título de mera culpa?” 14ª É aqui que radica o erro de direito, pois, como demonstrado deixamos, com a matéria provada na alínea E) da matéria assente e nos factos 27º e 28º da base ins- trutória, inverteu-se o ónus da prova (ex vi: art. 503º, 3, e 487º, 1, parte final, do Código Civil), revertendo, por via disso, sobre a ré o ónus de provar que não houve culpa do condutor do pesado no acidente; o que, como acreditamos ter demonstrado, não logrou provar; 15ª Por isso, a sentença do Tribunal “a quo” violou, claramente, o disposto no art. 503º, 3, e 487º, 1, parte final, do Código Civil, ao não ter levado em devida conta que o condutor do pesado violou aquelas apontadas regras dos arts. 13º, 24º e 57º do Código da Estrada e incorreu, ainda, no vício substancial de erro de julgamento sobre o mérito da causa; 16ª Subsidiariamente, ao que fica alinhado nos nºs 1 a 15 destas conclusões, na sequência do alegado na petição, caso se entendesse que a prova estabelecida não conduzia a qualquer juízo de censura sobre qualquer um dos intervenientes no aciden- te, o tribunal deveria lançar mão do disposto no art. 506º do Código Civil, visto que, tal como alegado pelos apelantes, ficou demonstrado que: “O QC-99-71 tem uma enver- gadura de 1,50 metros e não pesa mais de 800 quilos; enquanto o 02-AH-93 tem uma envergadura ou largura de 2,50 metros, é um veículo pesado de mercadorias, com o peso bruto de 26.000 kg, sendo a tara de 13.000 kg, e, no momento do acidente, tinha o peso bruto de 31.500 kg; transportava 18.500 kg de...

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