Acórdão nº 08P3850 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | SIMAS SANTOS |
Data da Resolução | 11 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
1.1.
No âmbito do proc. n.º 14.377/02.0TD da 2.ª secção do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, foram acusados e pronunciados os arguidos AA e "BB-Equipamentos Hoteleiros, S.A.", pela prática, em co-autoria material e em concurso efectivo, de 3 crimes de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. à data dos factos, pelas disposições conjugadas dos arts. 4°, n° 1, 6°, n° 1, 7º, n° 1, 24°, n°s 1, 2, 5 e 6 e 27°-B, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo DL n° 20-A190, de 15/01, com a redacção dada pelo DL n° 140/95, de 14/06, e actualmente, p. e p. pelos arts. 3°, al. a), 6°, n° 1, 7°, n° 1, 107°, n° 1, em conjugação com o art. 105º, n°s 2 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho.
O "Instituto da Segurança Social, I. P.", deduziu pedido de indemnização cível contra os referidos arguidos pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de €24.317,26 (posteriormente ampliada para € 119.050,99 e depois para € 172.799,62), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, e até integral e efectivo pagamento (fls. 320 a 331; 360 a 363 e 552 a 554).
Foram oportunamente designadas datas para a realização do julgamento (fls. 447), mas, em 5.2.2007, na sequência da publicação da Lei n° 53-A/2006, de 29/12 (Lei do Orçamento Geral do Estado para 2007), que deu nova redacção ao n° 4, do art. 105º, do RGIT, vieram os arguidos requerer a extinção do procedimento criminal e consequente arquivamento do processo (fls. 558 a 561), tendo sido, por despacho judicial de 8.2.2007, determinado o arquivamento dos autos e a extinção da instância cível, por impossibilidade superveniente da lide.
O demandante "Instituto da Segurança Social, IP", inconformado com o assim decidido, recorreu para a Relação de Lisboa impugnando a decisão recorrida, quer na vertente crime, quer na vertente cível, concluindo quanto a esta última: «6 - O despacho sob censura não atentou no facto de nos autos se discutir a responsabilidade civil extracontratual, que assenta nos pressupostos da responsabilidade penal (acto ilícito) ainda que de âmbito menor, por prescindir apenas do pressuposto criminal (como resulta do disposto no artigo 377° do CPP).
7 - Existe uma violação ilícita de um direito da Segurança Social, que decorre, da retenção e não entrega das contribuições deduzidas pelos demandados nos salários pagos aos trabalhadores.
8 - Constatando-se com clareza e nitidez, a violação pelo tribunal recorrido dos artigos 73º, n.º 1, 74º, nº 1, e 377º, n.º 1 do CPP, 2.º nº 4 do CP, e o próprio acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/99 do STJ, bem como do artigo 12º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, - o despacho impugnado pela Segurança Social deve ser revogado e substituído por outro que determine a notificação dos demandados nos termos do artigo 105º, nº 4 alínea b) do RGIT, - prosseguindo os autos obrigatoriamente com vista ao julgamento da acção cível no caso de não pagamento da indemnização peticionada em conformidade com a lei.» O Tribunal da Relação de Lisboa (proc. n.º 4471/07-9), por acórdão de 21.6.2007, decidiu o seguinte: «I DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes da 9 Secção deste Tribunal da Relação em: a) Rejeitar o recurso, por ilegitimidade do recorrente, na parte -em que pretende impugnar a decisão da matéria penal; b) Revogar o despacho recorrido na parte em que declarou extinta a instância cível, por impossibilidade superveniente da lide, o qual deve ser substituído por outro que dê continuidade ao processo para apreciação do pedido de indemnização civil.» 1.2.
Na sequência desta decisão, o 1.º Juízo Criminal de Lisboa (2.ª secção), por sentença de 14.2.2008, julgou totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP, e, em consequência, condenou a Demandada, BB-Equipamentos Hoteleiros, SA., e o demandado AA, a pagarem, solidariamente, ao Demandante a quantia de Euros 101.964,85, acrescida de juros, vencidos e vincendos, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde as datas da não entrega das prestações em causa e até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, recorreu o demandado AA, para a Relação de Lisboa que, veio a negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Recorre agora para este Supremo Tribunal de Justiça, arguindo a nulidade da decisão recorrida (conclusão I), incompetência material do tribunal criminal (conclusões II a X), possibilidade de responsabilizar o recorrente (conclusões XI a XIV) Distribuídos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir.
E conhecendo.
2.1.
Sustenta o recorrente que é nula a decisão recorrida, nos termos do disposto nos art.ºs 379.º n.° 1, al. c), e 425.°, n.° 4, do CPP, por não se ter pronunciado, nem sobre a questão da não criminalização da falta de pagamento das contribuições, referentes aos membros dos órgãos sociais da Demandada, vencidas antes da entrada em vigor do RGIT, nem sobre a questão de a responsabilidade por facto ilícito apenas lhe poder ser imputada nos termos do disposto nos artigos 5.° e 78.°, n.° 1 do CSC, exigindo a prova da insuficiência dos bens da Demandada (conclusão I).
Mas não tem razão.
A Relação, no seu primeiro acórdão, como se relatou, não conheceu do recurso do "Instituto da Segurança Social, I. P.", quanto à parte crime, tendo decidido em conformidade, «rejeitar o recurso, por ilegitimidade do recorrente, na parte em que pretende impugnar a decisão da matéria penal».
O que significa que a questão criminal ficara já resolvida por decisão da 1.ª instância transitada em julgado. E, sendo assim, não havia que dela conhecer salvo no que fosse exigido na estrita ponderação da questão cível, como aconteceu.
Por outro lado, a questão, suscitada pelo recorrente, de a responsabilidade por facto ilícito apenas lhe poder ser imputada nos termos do disposto nos art.ºs 5.° e 78.°, n.° 1 do CSC, exigindo a prova da insuficiência dos bens da Demandada ficou prejudicada pela decisão dada à questão do pedido cível.
Na verdade, como ali se decidiu, a descriminalização da conduta não arrasta a extinção da responsabilidade civil uma vez que tal conduta era criminalmente punida face à lei vigente ao tempo do seu cometimento. Ou seja, teve-se por verificada a responsabilidade civil por acto ilícito do arguido e não a sua responsabilidade como gerente ou administrador da sociedade, quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos (n.º 1 do art. 78.º), coisa bem diversa.
Isso mesmo se consignou na decisão recorrida, a anteceder o dispositivo, quando se escreve: «tudo o mais que se pretendesse fazer investigado ou vertido neste acórdão, era acessório ao themma».
Como tem entendido este Tribunal (cfr. AcSTJ de 03-07-2008, proc. n.º 1312/08-5, com o mesmo Relator), a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
E não tem que se pronunciar sobre questões que ficam prejudicadas pela solução que deu a outra questão que apreciou.
2.2.
Sustenta, depois, o recorrente que o Tribunal Criminal é materialmente incompetente para julgar o pedido de indemnização civil deduzido contra os Demandados, uma vez que o julgamento dos litígios juridico-tributários (designadamente da responsabilidade pelo pagamento de contribuições devidas à...
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