Acórdão nº 08P3706 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | FERNANDO FRÓIS |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na 3ª Vara Criminal de Lisboa, no processo comum nº 955/99.6SWLSB, foi submetido a julgamento perante Tribunal Colectivo, o arguido: - AA, filho de BB e de CC, natural de Lisboa, nascido a 22/03/1971, solteiro, vendedor ambulante/trabalhador da construção civil, residente na rua da ilha do faial, pátio oliveira mota, nº ..., Pontinha, actualmente preso no estabelecimento prisional da polícia judiciária.
Era-lhe imputada a prática de: - Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131 e 132º nºs 1 e 2-d), ambos do Código Penal; e - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275º-3 e 4 do Código Penal, com referência ao artigo 3º-1 do DL nº 207-A/75, de 17.04.
Deduziram pedido de indemnização civil contra o mesmo arguido: - DD e mulher EE, identificados nos autos, no montante global de € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora até integral pagamento.
A final, foi proferida sentença que, além do mais: A - PARTE CRIMINAL: Julgou provada e procedente a acusação e condenou o arguido FF:
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Como autor material e em concurso real: - pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º nº1 e 2 d) do C. Penal na redacção em vigor à data dos factos aprovada pelo DL 48/95, de 15.03, na pena de 16 ( dezasseis ) anos de prisão; - pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275 nº3 e 4 do Código Penal, com referência ao art. 3º nº1 do DL 207-A/75, de 17.04, na pena de 1 ( um ) ano de prisão.
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Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o mesmo arguido condenado na pena única de 16 ( dezasseis ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão.
B - PARTE CÍVEL: 1 - Julgou procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes/demandantes DD e EE, e, consequentemente:
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Condenou o arguido a pagar aos mencionados demandantes a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a notificação para contestação de tal pedido ao arguido e até integral pagamento, á taxa legal de juro civil.
Inconformado com tal condenação, o arguido interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo a revogação do acórdão condenatório e a convolação do crime para o de homicídio simples e redução da pena para 9 anos de prisão; a redução da pena do crime de detenção de arma proibida para 6 meses de prisão; e a redução da pena única para 9 anos e 3 meses de prisão.
Caso assim se não entenda e se mantenha a qualificação do crime de homicídio, pede então a redução da pena para 12 anos de prisão e a redução da pena única para 12 anos e 3 meses de prisão.
Não formula pedido expresso quanto à parte cível mas, resulta da respectiva motivação, pretende que o montante indemnizatório seja reduzido e fixado em € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
Na respectiva motivação formula as seguintes conclusões: 1) Foi o recorrente condenado, pela 3a Vara Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelo disposto nos artigos 131.°, 132.° nº 1 e nº 2 al. d) do Código Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, na pena de 16 anos de prisão, e ainda pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artº 275.° n.° 3 e 4 do Código Penal, por referência ao disposto no art.° 3 nº 1 do D.L. nº 207-A/75, de 17/04 na pena de 1 ano de prisão.
2) Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão, tendo ainda sido condenado no pagamento da quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a notificação para contestação até integral pagamento.
3) A matéria fáctica provada e elencada no douto acórdão recorrido, "maxíme" a fls. 4,5,9,11,12, não habilitava o Tribunal Colectivo a poder concluir que o arguido tivesse agido com motivo fútil, denotando uma especial censurabilidade, 4) Peio contrário, a "supra" matéria fáctica impunha subsunção do agir ilícito do recorrente à prática de um crime de homicídio na sua forma mais elementar, p. e p. pelo artº 131º do C.P., a que cabe em termos de moldura penal aplicável, a pena de 8 a 16 anos de prisão.
5) Refere o Tribunal "a quo"que "Numa perspectiva liminar, motivo fútil será aquele que não tem relevo, que não pode razoavelmente explicar e muito menos justificar a conduta do agente, que é notoriamente desproporcionado para ser sequer um começo de explicação da conduta, o "motivo que não é motivo" (douto acórdão recorrido a fls. 33).
6) No caso de um homicídio com base no ciúme como o do recorrente, este motivo não pode simplesmente ser considerado insignificante, ou, conforme o douto acórdão recorrido considerou a fls. 28 "absolutamente fútil", sob pena de se criar uma grande injustiça! 7) O recorrente sentia ciúmes da sua mulher GG, com a qual vivia há já 10 anos, por causa da vítima HH, ciúmes esses que levaram a crer ao recorrente que o filho que a companheira esperava não era seu mas sim da vítima.
8) Foi na sequência de mais uma discussão entre o casal - que levou aliás, a que a companheira do recorrente, uma jovem reservada e bem considerada de etnia cigana, se tenha dirigido a um café repleto de clientes e tenha dado um murro no balcão e proferido a expressão "quem é o senhor que anda a dizer que se deita comigo?" -, que o recorrente, exaltado e totalmente fora de si se dirige ao café e resolve atentar contra a vida do ofendido, (matéria de facto provada itens 6,7,8,10,14 e 15) 9) O arguido quis matar o homem que, para ele, relacionava-se amorosamente com a sua companheira de há uma década e que suspeitava ser o pai do filho que ela carregava no ventre.
10) E, para o efeito, limitou-se a escolher uma arma idónea de que dispunha - uma espingarda caçadeira, herança do seu avô para o filho mais novo e tio do recorrente, e procurou o tal homem no local onde ele estava. Não premeditou o crime. Não escolheu o local pois limitou-se a procurar a vítima, matando-a onde a encontrou.
11) Ficou ainda provado que praticamente não houve intervalo entre o momento em que o arguido formou a resolução criminosa e a execução desta, apenas uns minutos antes das 21h00.
12) Assim, aquela vontade determinada de cometer o crime, que concretiza um dolo intenso, tem como contraponto este estado de espírito enciumado do recorrente, que, retirando-lhe serenidade e lucidez, tornou-lhe mais difícil um comportamento em conformidade com o direito.
13) O arguido "trata-se de um exemplo de um cidadão, de etnia cigana, perfeitamente inserido na comunidade e no bairro onde residia, sendo um membro de pleno direito, estimado e tido por todos, ciganos e não ciganos", como uma cidadão honrado" (douto acórdão recorrido a fls. 30).
14) Naturalmente que o homem médio não aceita a motivação subjacente a este crime em má hora cometido. Mas não se pode ignorar que a comunidade empresta alguma compreensão a um homem honrado e muito estimado por todos que, num momento de "desnorte", mata o homem que se gaba de dormir com a sua mulher e acredita ser o verdadeiro pai da criança que vai nascer.
15) Dado que o que interessa é "compreender" o estado psíquico do recorrente, no contexto em que se verificou - a fim de se poder simultaneamente compreender a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre o mesmo o juízo de (des)valor que afinal constitui o juízo de culpa - , poder-se-á afirmar sem mais que o motivo do recorrente foi pesadamente repugnante baixo ou gratuito? 16) Qualificando a morte do ofendido HH, o douto acórdão violou, por erro de interpretação, a alínea d) do art. 132º do C.P.
17) A medida óptima de satisfação das expectativas comunitárias situar-se-á ao nível da medida da culpa, proporcional à gravidade do facto, mas, dada a ausência de particulares exigências de socialização, a pena pode (e por isso deve) ser fixada abaixo do ponto intermédio da moldura penal, entendendo-se estar aí o mínimo de pena imprescindível à manutenção da confiança colectiva na validade da norma violada. Pelo que entende o recorrente que a pena justa é, pois, a de 9 anos de prisão.
18) Caso se mantenha a qualificação, - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite - a pena de 16 anos de prisão aplicada ao recorrente afigura-se deveras injusta, tendo sido violada por erro de interpretação o disposto nos arts. 40.°, 70.° e 71.° do C.P., pelo que a pena deve ser reduzida para 12 anos, assegurando-se assim também os fins de prevenção geral e especial.
19) Quanto ao crime de detenção de arma proibida, entende o recorrente que, dado nunca ter tido qualquer propensão para o uso de armas, e uma vez que a arma estava na sua casa apenas porque o seu avô faleceu e a família aguardava que tio do recorrente, a residir à data na Madeira, a reclamasse como herança por ser o filho mais novo do patriarca, a aplicação de uma pena de 6 meses de prisão respeita as exigências de prevenção geral e especial.
20) Tudo ponderado, e nos termos do art.° 77 do C.P., tem-se por adequada a pena única de 9 anos e 3 meses de prisão, considerando em conjunto todos os factos e a personalidade ou, caso se mantenha a qualificação, - o que mais uma vez - sem conceder - e que só por mera hipótese de raciocínio se admite, tem-se por adequada a pena de 12 anos e 3 meses de prisão.
21) Pelo que a decisão recorrida violou, por erro de interpretação, os artigos 40.°- 1º, 72°, 131°, 132°, do Código Penal.
22) A indemnização fixada pela lª instância, colide com as referidas regras, mostrando-se desajustada face à situação do recorrente, que recluso num estabelecimento prisional, sem qualquer forma de sustento e com seis filhos menores a seu cargo, mal conseguindo suprir as necessidades do seu núcleo familiar, pelo que entende que deve aquela...
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